terça-feira, 4 de novembro de 2014

Morte em Veneza. Thomas Mann.

Recentemente li O professor de desejo, de Philip Roth, um livro simplesmente extraordinário. Nele o autor ou o narrador prepara a sua disciplina do semestre, versando sobre literatura erótica que culminaria com a leitura de três livros do gênero. Vejamos: "Decidi organizar as leituras do primeiro semestre em torno do desejo erótico, começando com aqueles romances perturbadores que tratam da sexualidade lasciva e perversa [...] e terminando com três obras-primas que tratam de paixões ilícitas e ingovernáveis, porém abordadas de forma diversa: Madame Bovary, Ana Kariênina e Morte em Veneza".
Capa da edição da Biblioteca Folha, de Morte em Veneza, de Thomas Mann.


Eu adorei a ideia do curso e propus a sua realização. Eu seria o primeiro aluno inscrito. Conheço estes livros. Estranhei que Morte em Veneza, fizesse parte desta relação. Tinha lido o livro e visto o filme e retinha muito, tanto do livro, quanto do filme na memória, mas não como uma obra-prima da literatura erótica. Achei oportuno fazer a sua releitura. Afinal, trata-se de uma obra de Thomas Mann, Nobel de literatura no ano de 1929. Morte em Veneza data de 1912 e possivelmente o seu romance que o alçou ao Nobel, A Montanha Mágica, é de 1924. Morte em Veneza é caracterizado como um novela e a edição que eu tenho, da Biblioteca Folha, tem apenas 94 páginas.

Afinal de contas, o que este livro tem de tão extraordinário e de tão erótico? Não serei eu a contestar o curso de literatura erótica proposto por Philip Roth. O livro tem cinco pequenos capítulos. No primeiro aparece na cidade de Munique um escritor, extremamente rigoroso consigo mesmo e com a sua arte, de nome Gustav Aschenbach. O escritor resolve tirar férias no sul da Europa. O segundo capítulo trata do reconhecimento do autor pela sua obra, descreve o seu rigor com a disciplina e a sua escravização ao intelecto. Fora casado com uma mulher letrada, já falecida e do casamento lhe sobrou uma filha, já casada. Enquanto a idade avançava, lhe diminuía a criatividade e aumentava a rigidez. Necessitava de longas férias.
Thomas Mann (1875 -1955), Nobel de literatura em 1929.

No terceiro capítulo iniciam os périplos de sua viagem, rumo ao sul. Se decide pela cidade de Veneza, num luxuoso hotel. Os embaraços começam com o gondoleiro que o transporta junto com a sua bagagem. Ele tenta enganá-lo mas, na verdade, até leva vantagem, pois ele é clandestino e, flagrado pelos colegas, empreende em fuga, sem receber o devido pagamento. Aschenbach se hospeda mas está intranquilo e irrequieto. Arruma-se para o jantar. O seu olhar se fixa diante de um grupo que falava polonês: "Tratava-se de um grupo de jovens, mal saídos da adolescência, sob a tutela de uma governanta, ou dama de companhia, reunidos em torno de uma mesinha de vime: três mocinhas, aparentando entre quinze e dezessete anos , e um rapazinho de cabelos longos, de catorze anos talvez". Pronto. Estava com "o Belo diante dos olhos". O homem se transfigura. Mas como a beleza engendra o pudor, resolve deixar Veneza, mas um erro no destino da bagagem o retém em Veneza e aí então, se decide de vez, por ficar.

Com a sua reinstalação no hotel começa o quarto capítulo. Está feliz como nunca, está em êxtase, na contemplação da beleza. Tem em seu rosto o sorriso de Narciso. Suas noites são breves em seu feliz desassossego. A sua paixão não é revelada, mas chega até a se sentir correspondido. Mas o seu desassossego, a sua perturbação interior passa a ser real. Já estamos no quinto capítulo. O hotel se esvazia em plena temporada. Jornais alemães somem e o comportamento das pessoas passa a ser muito estranho.  Recebe vagas informações sobre uma peste. Ela, no entanto, é grave. Mas tudo deveria ser ocultado. Haveria razões óbvias para isso:
A inigualável Veneza é o cenário desta novela de Thomas Mann.

"Perdas consideráveis ameaçavam os hotéis, o comércio, toda a complexa indústria do turismo sobrepujavam na cidade o amor à verdade e o respeito às convenções internacionais, levando as autoridades a persistir obstinadamente em sua política de silêncio e desmentidos". Recebe advertências para partir imediatamente "mas para quem está fora de si nada parece mais detestável do que retornar a si mesmo". Todos poderiam morrer, desde que na ilha permanecesse ele e o seu belo, "sim, quando, de manhã na praia, seu olhar pesado, irresponsável e fixo, descansava sobre o desejado; quando, ao cair da tarde, o seguia sem a menor dignidade pelas vielas por onde a morte repugnante perambulava incógnita, o monstruoso lhe parecia promissor e a lei moral, nula".

Como anunciado no título, a história teria que acabar em morte. Na Veneza do siroco, do mau cheiro e da epidemia de cólera indiana, a vítima seria Aschenbach, o renomado escritor alemão. "Passaram alguns minutos, antes que acorressem em socorro do homem caído de lado na cadeira. Levaram-no para seu quarto. E ainda no mesmo dia um mundo respeitosamente consternado recebia a notícia de sua morte". E o jovem Tadzio, tal era o nome do belo jovem, já estava de volta em sua terra, a Polônia.
Luchino Visconti levou a obra de Thomas Mann ao cinema.

Na orelha da capa existe uma bela apresentação do romance. Nele Maurício Santana Dias, assim descreve o romance: "Combinando reminiscências da cultura grega com a ideia de decadência que dominava a Europa de então - às vésperas da Primeira Guerra -, Thomas Mann condensa em Morte em Veneza algumas de suas questões mais caras: a tensão entre o artístico e o natural, a luta contra a passagem do tempo e a decadência do corpo, e a doença como metáfora de um mundo em agonia".  E o erótico. Só de uma forma bela, subliminar e, porque não dizer, mesmo sublime.

Qualquer dia, eu retomo do autor, a sua fabulosa Montanha Mágica. A obra foi levada ao cinema pela direção mágica de Luchino Visconti.

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