quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O Complexo de Portnoy. Philip Roth.

Iconoclastia total.  Se observarem bem a capa do livro Complexo de Portnoy de Philip Roth, verão nela um divã vazio. Quem o ocupará neste romance do consagrado escritor americano, escrito em 1969? Certamente não será apenas o jovem e talentoso advogado Alexander Portnoy, ou simplesmente Alex, embora seja ele o grande protagonista. Devem existir milhares de Portnoys dentro da cultura americana. O jovem advogado é apenas um exemplo desta cultura em geral e da cultura judaica, em particular. O seu processo de socialização e as suas instituições é que realmente estão sentadas, deitadas ou prostradas neste divã.
Capa bem ilustrada. Alexander Portnoy no divã da psicanálise. Ele, o processo de socialização e todas as instituições dos Estados Unidos. Iconoclastia total.
O livro começa com uma nota introdutória, explicitando o conceito de Complexo de Portnoy, como sendo um "quadro mórbido caracterizado por fortes impulsos éticos e altruísticos em constante conflito com anseios sexuais extremos, muitas vezes de natureza pervertida", e acrescenta: "muitos dos sintomas remontam aos vínculos que se formam no relacionamento entre mãe e filho". Neste livro ele faz um acerto de contas com a mãe. Mais tarde, em Indignação, o acerto será com o pai. O cenário de Newark será o mesmo em ambos os livros.

O livro está estruturado em cima da vida do talentoso Alex, de sua mãe Sophie, de Jack, o pai e de Hannah, a irmã e algumas namoradas do rapaz. Está dividido em seis partes, que marcam a sua evolução etária, os progressos nos estudos, a boa colocação profissional, mas acima de tudo a sua grande revolta. O narrador vai contando os dramas de sua formação a um psicanalista que, no entanto, permanece oculto ao longo da história. "Doutor, os outros pacientes sonham - mas, comigo, tudo acontece. Na minha vida não há conteúdo latente. As coisas oníricas acontecem". Mas, afinal de contas, o que de tão grave ocorreu?

A primeira parte é dedicada para o personagem mais inesquecível que já conheci e é dedicado a Sophie, a mãe e a relação que ela mantém com Alex. A vida em família é absolutamente normal. É, no entanto, uma verdadeira tragédia. Jack sofre permanentemente de prisão de ventre, enquanto que a mãe dedica todas as atenções ao Alex que, pela sua inteligência é apontado como a salvação da família. Alex não suporta a situação de patrulhamento da mãe com as suas atenções e admoestações. A eterna criança. Lembram: Portnoy - vínculos que se formam na relação entre mãe e filho.
Outra capa do livro de Roth, O Complexo de Portnoy.

A segunda parte recebe o título de Bronha. A bronha era a atividade principal do adolescente, que mesmo assim, continuava brilhante na escola. A descrição é hilariamente cômica e, irônica. A maior disputa da casa era pelo banheiro. O pai o queria e o ocupava por horas brigando com a sua prisão de ventre e ele, por motivos óbvios. Para a mãe, dava a desculpa de dores de barriga e diarreia, o que redobrava os seus cuidados e a sua vigilância com as comidas e sobre o cocô do menino. Mas ele jamais esquecia de dar a devida descarga, antes de abrir a porta. A sua fúria era incontrolável.

A terceira parte é melancolia judaica. A cultura judaica sobre a formação de um menino deve ser algo muito forte. A sua irritação era permanente contra o rabino ad-mi-ra-do pela mãe. Esta parte se constitui num dos maiores impropérios que eu já vi contra a cultura judaica. Pedia a Deus, embora já professasse o ateísmo, para que o livrasse, tanto dos rabinos, quanto da religião. O que ele não suportava era a exaltação de superioridade dos judeus, o seu enclaustramento e a sua permanente vitimização. Tenho vontade de ler uma biografia sua, pelo forte caráter autobiográfico de suas obras.

A quarta parte marca uma volta para a questão da sexualidade, agora num estágio mais avançado, louco por bocetas, embora isso não marcasse a superação da fase da bronha. Eram duas fases que ocorriam concomitantemente. A instituição do casamento começa a ser desancada. Todas as meninas passam a ser vítimas e o talentoso jovem parte para o front, para o desespero dos pais, que o queriam namorando e casando com uma menina de origem judaica. "Tenho desejos e estes são insaciáveis. É desejar... e desejar...", afirma. Pede insistentemente a Deus para libertá-lo do papel de filho. Faz referências pouco lisonjeiras à mãe. Ela precisa de refeição intravenosa por não parar de falar, queixava-se o jovem Alex. A sua insaciabilidade o leva a Roma, com a macaca, esta é a referência dada a Mary Jane, uma das namoradas mais constantes. Lá partem para um amor a três, juntando-se a uma prostitua de rua. Cadê o bom menino da mamãe?
Possivelmente O Complexo de Portnoy tenha sido o primeiro grande livro do laureado escritor americano, Philip Roth.


A quinta parte é uma ode ao casamento. A tendência universal à depreciação na esfera do amor. Alex chega a se encantar com algumas namoradas suas, para logo depois mostrar todo o seu desencanto e, se imagina enredado num casamento. Entra em cena também algo muito americano, a contradição entre o esforço dos pais na formação do filho e o fazer-se a si próprio, egoísta e individualista, quando o perguntam: "A culpa toda é dos seus pais, não é Alex? Tudo o que é ruim, a culpa é deles - tudo o que é bom, foi você que fez sozinho! Seu mentecapto! Seu bloco de gelo! Por que é que você está acorrentado a uma privada?  Vou dizer por quê: é o seu castigo ideal!  Para que você possa  ficar batendo bronha até o final dos tempos! Pegue no seu precioso peruzinho e fique punhetando ad infinitum! Pode mandar bala, comissário, é a única coisa que você amou na sua vida - esse seu putz (pênis - em iídiche) fedorento". O conflito também se estabelece entre as meninas judias e americanas. "...e agora vou ganhar o prêmio que mereço. Minha recompensa pelo esforço de guerra - uma boceta americana de verdade! A perereca da pátria! Xotas de sul a norte, de todos esses Estados Unidos da América".

O livro termina com o exílio de Alex em Israel. Um grande lamento em sua impotência. "que fim levaram meus ideais, aquelas metas decentes e dignas? Lar? Não tenho. Família? Também não! Não, em vez de pôr meus filhos em suas caminhas e me deitar ao lado de uma esposa fiel (a quem também sou fiel), levei para a cama, em duas noites diferentes - para uma suruba, como dizem nos puteiros - , uma putinha italiana gorda e uma modelo americana, analfabeta e desequilibrada". E com muita ironia e desfaçatez faz a grande pergunta. Por que virei tão mau? Iconoclastia total. Um destroçar das instituições e do processo de socialização, como já afiramos desde o começo.






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