quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A Tolice da Inteligência Brasileira. Jessé Souza.

Na leitura do livro de Jessé de Souza, - A Tolice da Inteligência Brasileira - ou como o país se deixa manipular pela elite, senti a falta imensa que faz o professor e o estudo sistematizado. É uma leitura deveras provocativa mas que não é de fácil compreensão. Exige-se do leitor muita base teórica, tanto de categorias de interpretação (Weber, Bourdieu, Foucault...), quanto dos principais intérpretes do Brasil. O estudo das interpretações de Brasil me fascina. A primeira observação é a do próprio título e sub título do livro.
Título mais do que provocativo. 99% para 1%. Pode?

Na orelha da capa do livro já encontramos exposta a principal preocupação do livro. "Nos bolsos do 1% mais rico da população brasileira, está o resultado do trabalho dos 99% restantes". Diante desse horripilante dado vem a necessária interrogação. Por que eles, os 99%, aceitam essa situação? A explicação vem - pelo uso da violência simbólica, produzida por um exército de intelectuais que substituem a antiga violência física exercida pelos coronéis, com seu exército de cangaceiros. 

No prefácio vem os alertas. Como a realidade não é vista a olho nu, nos diz o primeiro alerta, "existem ideias dominantes, compartilhadas e repetidas por quase todos, que, na verdade, 'selecionam e distorcem' o que os olhos veem, e 'escondem' o que não deve ser visto". Por que se faz isso? Jessé busca a resposta em Weber: "Os ricos e felizes, em todas as épocas e em todos os lugares, não querem apenas ser ricos e felizes. Querem saber que têm 'direito' à riqueza e felicidade". O que no passado era um privilégio explícito pelo 'sangue azul', os privilégios de hoje precisam ser legitimados, transformados em direitos. Seria o direito do 'mérito pessoal' de indivíduos mais capazes. Existe hoje, presente na sociedade, um racismo cultural. Com a construção dessa legitimação é possível a construção de massas servis e colonizadas até o osso.

Assim o real problema brasileiro, a concentração da riqueza nas mãos de 1% de sua elite, não pode ser vista como problema, mas mérito de seus poucos detentores. A pergunta que se segue  é a de como foi possível construir este tipo de sociedade. Devo ainda uma explicação; Este post tem mais a finalidade de provocar a leitura do livro, do que explicitar os temas tratados. Assim vou apresentar as quatro partes do livro e ir um pouco além de um sumário, apresentando também os subtítulos enunciados:
Jessé Souza é formado em direito mas é mestre e doutor em Sociologia. Professor da UFF.

A primeira parte do livro tem seis capítulos. O primeiro, A falsa ciência, leva a seguinte explicitação: Max Weber e o Brasil: ou como o 'racismo científico' da sociologia moderna é 'engolido' e transformado em pensamento social brasileiro. O que seria este racismo científico? Weber nos fornece as categorias de interpretação. O segundo, O teatro de espelhos do patrimonialismo brasileiro tem como explicitação - Confiança/racionalidade X Corrupção/afeto. Casa-Grande&Senzala (1933) passa a ser analisado. O terceiro, Cordial e colonizado até o osso é acompanhado do seguinte: o liberalismo amesquinhado chega ao Brasil moderno. Creio que todos já identificaram que o objeto de análise será Raízes do Brasil (1936).

O quarto, Donos do poder é apresentado como Os males de origem do estado patrimonialista e a fase de oposição com o mercado. Faoro é acidamente trabalhado. No quinto, O jeitinho brasileiro é mostrado como as banalidades da modernização do culturalismo conservador. Desta vez sobra para Roberto DaMatta. No sexto, O patrimonialismo mostra a que veio, o liberalismo é exposto como racismo de classe. Os atingidos serão Bolívar Lamounier e Amaury de Souza.

A segunda parte tem três capítulos. No primeiro, Nada além do bolso? é mostrado o casamento entre liberalismo e marxismo economicista. Este conceito será explicitado. No segundo, O economismo como cegueira da dimensão simbólica do capitalismo. Não sobra nenhum pequeno comentário a mais para Caio Prado Júnior. No terceiro, Da ralé à revolução burguesa é mostrada a compreensão da singularidade do capitalismo brasileiro e o autor sob análise é Florestan Fernandes.

A terceira parte  tem mais quatro capítulos. O primeiro, Contribuição à inteligência brasileira, para a reconstrução de uma teoria crítica da sociedade no Brasil e no mundo de hoje. Basicamente são retomados os temas já trabalhados. No segundo, A miséria deles e a nossa, é mostrada a dimensão simbólica do capitalismo. As contribuições serão basicamente de Bourdieu. No terceiro, Tão longe, tão perto será visto o que existe, afinal, de comum e de distinto entre as sociedades centrais e periféricas. No quarto, Existe algo de comum na reprodução simbólica das sociedades modernas. São apresentadas novas categorias teóricas de análise, que se constitui numa das mais longas e belas partes do livro.
Jessé Souza exerce hoje a presidência do IPEA, órgão do Ministério do Planejamento.

A Quarta parte é destinada para Conclusões: Para entender a crise atual. Tem três capítulos. O primeiro, A cegueira do debate brasileiro sobre as classes sociais e a pobreza do debate político. Os autores trabalhados são Márcio Pochmann e Marcelo Neri. No segundo, As manifestações de junho e a cegueira política das classes. O terceiro, O golpismo de ontem e de hoje: considerações sobre o momento atual.

Transcrevo ainda o trecho final da orelha da capa; "Tamanha violência só é possível pelo sequestro da inteligência brasileira em prol desse 1% mais rico, que passa a monopolizar os bens e recursos escassos, sejam materiais ou ideais. Em vez de apontar para as causas reais da concentração da riqueza social e para a exclusão da maioria, essas concepções de intelectuais servis ao poder nos levam a acreditar que nossos problemas advêm da 'corrupção apenas do Estado', levando a uma falsa oposição entre o Estado demonizado, tido como corrupto, e um mercado visto como reino de todas as virtudes. Já que as falsas contradições estão sempre no lugar de contradições reais, este livro é um apelo à inteligência viva dos brasileiros de modo a desvelar os mecanismos simbólicos que possibilitam a reprodução de uma das sociedades mais desiguais e perversas do planeta".

A grande questão do livro é revelar que, muito mais do que a corrupção, é a concentração de renda que é o nosso principal problema. A mídia e os intelectuais estão a serviço da ocultação desse problema.




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