quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Os oito odiados. Quentin Tarantino.

Um filme de Tarantino sempre gera muita expectativa. Sem dúvida nenhuma, é ele o maior representante do chamado cinema de autor em nossos tempos, cinema em que o diretor vai muito além da direção, cuidando de quase todos os detalhes do filme, especialmente, de seu roteiro, que é por onde um filme sempre começa. Sob hipótese nenhuma existe a divisão entre a concepção e a execução da obra, em que a mente e a mão não se separam, sempre trabalhando juntas. Só este fato já referencia um filme, e muito mais, quando se fala de um diretor da estatura de um Quentin Tarantino. Aos chamados gênios sempre são permitidas criações que seriam inimagináveis para os comuns dos mortais.


É um filme longo, quase três horas de duração, mas como o roteiro é bem definido, o filme flui e não provoca cansaço, embora haja muita reclamação pelo excesso de diálogos, especialmente, na primeira parte do filme. Não vi estes excessos. Ele é dividido em seis capítulos e ganha muita intensidade a partir do quarto. O roteiro nos leva ao cenário do pós guerra civil, no sul dos Estados Unidos. O ódio que dá título ao filme, além dos componentes contextualizados do pós guerra, tem no racismo o seu componente mais forte, ao negro e ao mexicano, mais precisamente, como veremos.

O roteiro é relativamente simples. Começa com duas pessoas numa diligência. Um caçador de recompensas (John Ruth) leva a sua vítima (Dayse Demergue) para a cidade de Red Rock, no estado de Nevada, onde, por ela, receberá uma recompensa de dez mil dólares. A relação é brutal. A vítima merece uma atenção especial. No caminho ocorre uma tempestade de neve, quando cruzam com um outro caçador de recompensas (Major Marquis Warren) e o aceitam como carona. Atenção redobrada nesse personagem, interpretado por Samuel Jackson, que diríamos assim, é o personagem central do filme. É negro. Pouco depois a viagem é novamente interrompida por um outro personagem perdido na tempestade. Também o recolhem. É Chris Mannix, também em busca de Red Rock, onde irá  assumir o poste de xerife.


Impedidos de continuar a viagem em função da intensidade da tempestade, se recolhem ao bar da Minnie, onde se somam a outros quatro personagens que já estão ali, formando assim, os oito odiados, que dão o título ao filme. Três são ladrões e um é um general que participara da guerra da Secessão, pelo lado do sul. É possível que haja mais gente, mas estes oito, são os visíveis. Mais eu não conto, sob pena de entregar o suspense do roteiro. O ambiente é tenso e as cenas são de muita violência e de muito sangue, bem ao estilo de Tarantino. Os personagens, mesmo se odiando e não sendo nada confiáveis, estabelecem entre si alianças, pactos e conchavos, visando a sobrevivência. Mais da metade do tempo do filme se passa nesse bar. Uma espécie de realpolitik levada ao extremo.

Para mim uma das melhores cenas é aquela em que o negro Major Marquis Warren se confronta com o velho general sulista e racista, que a rigor, nem deveria estar aí. Está em viagem para dar sepultura a um filho seu, que presume como morto. Ocorrem aí as cenas mais explícitas do ódio racista. Major conta ao general as atrocidades cometidas pelo filho, bem como os detalhes de sua humilhante morte, que não hesita em contar, que foi de sua autoria. Esta cena, creio que seja um dos propósitos de Tarantino para a realização do filme. Também não a conto, para preservar o suspense. O preconceito com relação a um mexicano entre os oito, ocorre tanto de forma explícita, quanto por dedução lógica. A esta altura, Major já assumiu um certo protagonismo entre os oito. Ele é portador de uma carta, endereçada pessoalmente a ele, pelo ex presidente Abraham Lincoln, na qualidade de amigo. Esta carta também adquire relevância no fechamento do roteiro. 


O papel desempenhado pela vítima Dayse Domergue é nojento e asqueroso. É praticamente o único personagem feminino do filme. Ela é bem pior do que parece à primeira vista. Não é por nada que vale a recompensa de dez mil dólares. A crítica a aponta como candidata ao Oscar de melhor atriz coadjuvante. Mas o destaque entre os atores é o de Samuel Jackson, numa atuação impecável. Ele se destaca em meio a um elenco consagrado. Outro grande destaque do filme é a música, que leva a assinatura de Ennio Morricone. Parece que a relação entre eles, ao menos neste filme, não foi das melhores. Como já apontamos, a direção e o roteiro são do próprio Tarantino.Também a fotografia merece destaque todo especial, com belas paisagens e  cenas de tempestades de neve. As roupas de frio também chamam atenção. Dá vontade de ter umas assim para o frio curitibano.

A crítica tem sido mais ou menos unânime em não apontar este filme como entre os melhores do cineasta e alguns, inclusive, lhe teceram severas críticas. Mas, como já afirmamos, aos gênios são permitidas liberdades e digressões não permitidas aos comuns. Apesar de ser um filme essencialmente de entretenimento, ele também deixa a sua mensagem. Ele põe a cultura americana à frente do espelho para ver as suas feridas, ainda tão profundamente marcantes e não apagadas, apesar do longo tempo histórico em que ocorreram. Filme atualíssimo. Eu, particularmente, pensei muito no Brasil, ao vê-lo, em função das elevadíssimas doses de ódio e de intriga atualmente presentes em nossa sociedade. Ódio de classe e de raça, especialmente.






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