sábado, 9 de janeiro de 2016

Spotlight. Segredos Revelados.

Fui hoje assistir a Spotlight. Segredos Revelados. A minha expectativa era enorme. Vou fazer um relato, levando mais em conta o que eu senti, ao assisti-lo, do que as virtudes cinematográficas propriamente ditas. Antes de mais nada devo dizer que o filme é extremamente delicado no trato de problemas tão sérios dentro de uma instituição tão poderosa. O roteiro do filme se passa na católica cidade de Boston e se ocupa dos inúmeros casos de pedofilia ocorridos e acobertados por todos os que tinham poder, começando pela igreja, pelo poder judiciário e da própria imprensa. Uma data. Os primeiros momentos do século XXI, com direito a uma retrospectiva aos anos 1990.

O filme, acima de tudo, é uma brilhante aula de jornalismo investigativo. O grande jornal da cidade, o The Boston Globe, recebe um novo diretor de redação, com a missão de resgatar o prestígio do jornal diante da crise provocada pelos tempos on line.  O diretor fareja os problemas de pedofilia e manda investigar. É constituída a equipe spotlight, formada por quatro jornalistas que começam o difícil trabalho. Tudo é silêncio e acobertamento. Todas as instituições silenciam. Ninguém quer prestar informações. Aí então, começa uma verdadeira aula de jornalismo.

Por ser este o núcleo central do roteiro, dou logo a equipe de atores, bem como o diretor e roteirista do filme. É um filme de autor, pois o seu diretor Thomas McCarthy é também o seu roteirista, junto com Josh Singer. O novo diretor de redação é Marthy Baron, interpretado por Liév Schreiber e a equipe de jornalistas da spotlight é Walter Robinson ou "Robby" (Michael Keaton), o seu chefe e jornalista mais experiente e que cuida dos aspectos legais das publicações, Michael 'Mike' Rezendes (Mark Ruffalo) o mais impulsivo, Sacha Pfeiffer (Rachel Mc Adams) e Matt Carrol (Brian d'Arce James). Aula de jornalismo, na busca de fontes, na persistência da investigação e no tempo oportuno para a publicação.

A busca começa pelas vítimas, pouco dispostas a falar e com visíveis sequelas dos atos de que foram vítimas. Depois das vítimas, outros envolvidos foram buscados, especialmente o advogado responsável pelo acobertamento dos crimes. Os padres pouco falam. Existe o caso de um deles, que logo é impedido de falar. As investigações ganham consistência com a quebra de sigilo de justiça que acompanhava os casos. Outro grande fio investigativo foram os padres que eram transferidos com frequência e os registros das causas dessas transferências. Eram eles os pedófilos..

O filme termina com a publicação dos escândalos e a sua enorme repercussão. O filme termina por aí, apresentando ainda grande lista de casos semelhantes aos de Boston pelo mundo afora, inclusive, os casos brasileiros. Vi sobre o cardeal da cidade, Bernard Law, que na época chegou a ser confirmado no cargo pelo papa João Paulo II, mas que não resistiu às pressões e pediu demissão de seu ofício, sendo transferido para Roma, para a igreja de Santa Maria Maggiore. O novo bispo de Roma, o papa Francisco visitou a igreja, mas não viu o cardeal. Foi uma cena de grande constrangimento. Lembrei de Leonardo Boff, que, mais ou menos, assim afirma, que Francisco está mais preocupado com a igreja de Cristo, dos primeiros cristãos, do que com a igreja como instituição de poder.

O meu primeiro sentimento no cinema foi de pena, exatamente, do papa Francisco. Tudo indica que ele quer realmente enfrentar o problema com seriedade. Resta saber se terá forças para tanto. Certamente, esta é uma das questões que levaram Bento XVI à renúncia. Torço para que o papa Francisco encontre forças para seguir a sua trajetória e que encontre as luzes necessárias para a iluminação de seu caminho. Mais uma vez recorro a Leonardo Boff para expressar o meu temor. Seus inimigos já estariam rezando: "Senhor, ilumine-o ou elimine-o".

Particularmente me chamaram atenção algumas cenas ou fatos relatados. Fico no aguardo do lançamento do livro para averiguar melhor. O filme traz alguns segredos revelados como as estatísticas de psiquiatras. Estas estatísticas constatam que 50% dos padres tem vida sexualmente ativa, mas sempre de forma clandestina e sigilosa, o que cria o hábito do acobertamento, incentivo e estímulo à práticas, na sequência, absolutamente ilícitas como a pedofilia, e que esta, seria praticada por 6% dos padres. A partir destas estatísticas a equipe de Spotlight buscou o número de padres pedófilos em Boston.   As vítimas tem um perfil geral comum: crianças de famílias pobres, assistidas pelas entidades assistenciais da igreja, vítimas fragilizadas e mais predispostas ao silêncio. O medo do poder da igreja é geral, o que favorece o acobertamento. Isso ocorre com as investigações, com os julgamentos e o silêncio da mídia. 

Por fim, uma confissão. Eu fui seminarista. Passei pelo seminário desde os tempos da admissão ao ginásio, os anos do ginásio, do ensino médio e da faculdade de filosofia. Foi então que eu saí, mais por questões de obediência do que de sexualidade. Do padre vigário de Harmonia tenho o seguinte a falar. Foi vigário por 50 anos e depois ainda ficou como auxiliar. Um exemplo de homem sério e virtuoso. Nunca ouvi uma única palavra que o desabonasse. No seminário, nunca soube de padres envolvidos. As vezes, em dias em que a gente tinha, o que chamávamos de dias de passeio, de piquenique, no dia seguinte, alguns colegas não estavam mais entre nós. E os boatos que corriam é que eles haviam sucumbido às tentações. Mas voltando ao sério. O filme é muito respeitador e que mais procura uma solução para o problema do que uma mera crítica à igreja católica, tão comum nestes nossos dias de evangelismo neopentecostal.

O filme já ganhou o prêmio de melhor filme do ano, assim escolhido pela Associação dos Críticos de Cinema dos Estados Unidos. É um sério candidato a Oscar de melhor filme. Um filme absolutamente imperdível. E ficamos no aguardo do livro.

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