segunda-feira, 24 de julho de 2017

Saramago. Biografia.

Duas coisas se somaram para que eu comprasse e lesse este livro - Saramago - Biografia, de João Marques Lopes. Por ser leitor da obra de Saramago e o enorme apreço que lhe tenho e pelo fato de ter ido a uma feira da Top Livros, livros de ponta de estoque. João Marques Lopes é doutor em literatura brasileira pela Universidade de Lisboa, mas creio que a sua grande especialidade mesmo, seja a literatura portuguesa. O livro é uma publicação da Leya, do ano de 2009, um ano antes, portanto, de seu falecimento. Saramago nasceu em 1922 e morreu em 2010.

O livro está estruturado em dez capítulos, dos quais passo os títulos e os anos retratados. Já dá uma primeira ideia do livro biografia. 1. O menino pobre (1922-1933); 2. O serralheiro autodidata (1934-1946); 3. Terra do pecado e o silêncio (1947-1965); 4. Poesia, crônica e jornalismo (1966- 1973); 5. O Diário de Notícias a serviço da classe operária e do socialismo (1974-1975); 6. Memorial do Convento e a consagração do romancista (1976-1990); 7. O veto do governo PSD a O Evangelho segundo Jesus Cristo e o "exílio" (1991-1994); 8. O ciclo da alegoria e outras obras (1995-2008); 9. Todos os prêmios; 10. Outras polêmicas. Acompanha ainda, uma cronologia e a bibliografia. No total são 246 páginas.

O livro segue a trajetória normal de uma biografia. Assim nos é contada a infância pobre do menino, o Portugal rural e pouco letrado da época, a sua Azinhaga natal e a sua pobreza em Lisboa e, ainda, os seus primeiros estudos. Depois o menino pobre se encaminha para uma vida de operário que busca ser serralheiro em sua profissão. Toma consciência do mundo pela frequência a bibliotecas, pelas incursões ao teatro e acompanhando os acontecimentos da guerra civil espanhola.

A sua vida de escritor começa por uma obra precoce, Terra do pecado, o seu romance da juventude. Este tempo, tempo de forte repressão, o aproxima da vida literária, escrevendo artigos, fazendo traduções e trabalhando numa editora. Adentra depois no mundo da poesia e da crônica jornalística. Ao exercer estas atividades é que se dará o fim do regime salazarista e Saramago desempenhará novas e polêmicas funções, à frente de O Diário de Notícias, com a divisão das esquerdas e a sua tomada de posição e a saída do diário.

Para quem lê a biografia pelo seu lado mais literário, o livro começa a se adensar a partir do sexto capítulo. O sucesso vem quando ele, corajosamente, se dedica exclusivamente à literatura. Surge Memorial do Convento e a venda de 20.000 livros em dois anos. Já O ano da morte de Ricardo Reis irá vender 20.000 em apenas um mês. Aparecem logo a seguir Jangada de pedra e História do cerco de Lisboa. Começa a receber prêmios e um elogio todo especial de Harold Bloom. O estilo saramaguiano de escrever começa a se consagrar. Pilar del Rio começa a fazer parte desta história.

O sétimo capítulo é dedicado a O Evangelho segundo Jesus Cristo, seguramente o mais polêmico de seus livros. O maior problema ocorrerá com o governo português, pelo seu ministério da cultura que lhe censura a obra. Saramago esperava reações ao livro por ele contestar toda a cultura judaico-cristã, pela longa história de sangue que o cristianismo representou para ser uma religião de Estado e, ainda, pelas provocadoras dúvidas de Jesus em suas profundas reflexões acerca de sua missão. Que a reação viesse do catolicismo, isso era esperado, mas nunca a esperava por parte do governo de Portugal. Por isso decide se exilar em Lanzarote, nas ilhas Canárias, na Espanha, onde estabelece sua residência definitiva, sem romper relações com Portugal, contudo.

O oitavo capítulo é dedicado a um novo e brilhante momento do escritor. Uma fase de decepções e, ao final, um vislumbrar de esperanças. O capítulo é maravilhoso, começando por uma descrição da pós modernidade e das descrenças no mundo do iluminismo, da razão. Descreve o surgimento do pensamento único e do neoliberalismo e o advento da absolutização dos valores do mercado e do consumo. São "cegos que veem, Cegos que vendo, não veem", conclui em seu romance de abertura do ciclo Ensaio sobre a cegueira. Este ciclo de distopias segue com A Caverna e O homem duplicado. As reações ao neoliberalismo o fazem ver o mundo com um pouco mais de otimismo e publica Ensaio sobre a lucidez. Depois seguem os seus livros do ciclo derradeiro, As intermitências da morte, As pequenas memórias, A viagem do elefante, muito apreciado pela crítica especializada e, por fim, Caim, o seu acerto com o Deus do Antigo Testamento.

O nono capítulo apresenta o Saramago como um Superstar, ou um intelectual total, após todas as premiações e honras que recebeu mundo afora. O grande destaque vai para o recebimento do prêmio Nobel de Literatura, em função de O Evangelho segundo Jesus Cristo, no ano de 1998, único Nobel concedido para um escritor da língua portuguesa. Neste capítulo são também registrados números impressionantes sobre a recepção de sua obra em todo o mundo. O livro encerra apontando para as principais polêmicas em que o escritor se envolveu para além daquelas de O Diário de Notícias e do Evangelho, para questões polêmicas do mundo atual, com grande destaque para a violência que os palestinos sofreram em Ramalla, comparando estas atrocidades com as cometidas em Auschwitz.

Ao final da leitura, que serve também como uma excelente introdução para a obra de Saramago, fui acometido de um enorme desejo de releitura de sua obra, sob a luz dos esclarecimentos aqui adquiridos. Os que mais movimentaram o meu desejo de releitura foram os primeiros, Memorial do Convento e Levantando do chão, pela grande mensagem positiva de que são portadores. 



 

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