segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Bahia de Todos os Santos. Jorge Amado.

Já estive três vezes na cidade de Salvador. A primeira vez foi nos anos 70. Permaneceram na memória, obviamente, os cenários do Pelourinho e o seu entorno e a bela lagoa de Abaeté. Na segunda vez, estivemos apenas de passagem. Lembro-me que fomos até Itapuã. Pela terceira vez permaneci na cidade por uma semana e fizemos algumas explorações mais profundas. O Pelourinho e o seu entorno ficou mais bonito, e creio, até mais seguro (de dia - não me aventurei em incursões noturnas). Almocei no restaurante do SENAC e visitei a Fundação Casa de Jorge Amado. Fui a Itaparica, lembrando de João Ubaldo Ribeiro. E me senti muito incomodado com o assédio de vendedores na Igreja do Senhor do Bonfim. Conservo ainda o sabor das moquecas do Barravento, no Farol da Barra.

As três vezes em que fui, eu não tinha lido o livro de Jorge Amado sobre a Bahia ou, mais precisamente, sobre Salvador. Bahia de Todos os Santos - guia de ruas e mistérios. Posso assegurar que é muito mais do que um guia de ruas e de mistérios. É um penetrar no âmago desta cidade, conhecendo de sua história, de seus costumes e de sua cultura. E acima de tudo, com o fantástico olhar de um ser humano maravilhoso, como o foi Jorge Amado. É o seu grande poema para a sua cidade e um grande convite para a conhecer ou então voltar a ela. Este é o meu caso. Nunca senti tanta vontade de voltar a Salvador, como agora, aproveitando as dicas e as indicações de Jorge.
Bahia de todos os santos. Guia de ruas e mistérios. Uma exaltação de amor a Salvador e a sua gente.

O livro foi originalmente escrito em 1944. Paloma Jorge Amado conta da feitura do livro, em seu posfácio. O próprio Jorge o considerava um "Canto de amor à Bahia" e, fala mais: "um canto de amor a esta cidade, contando da história, da gente, do sentir, da beleza, dos grandes personagens ali nascidos e criados e, sobretudo, da maneira de ser única e original dos seus habitantes".  Paloma também conta que Jorge nunca revisou ou reescreveu os seus livros. A exceção recaiu sobre este livro, que recebeu várias revisões, ou melhor, atualizações, com a incorporação de novos dados e novos nomes. Assim o livro foi atualizado em 1960, em 1966, em 1970 e em 1986, quando ganhou a sua forma definitiva. Jorge ainda pedira para que Paloma fizesse mais uma atualização no ano 2000, mas ela recusou e, segundo ela, o pai compreendeu as  suas razões.
O vivente aqui, mais João Ubaldo Ribeiro. Seria um irmão mais novo de Jorge?

Creio que todos sabem do envolvimento que Jorge Amado teve com o Partido Comunista, pelo qual se elegeu, inclusive, deputado Constituinte, por São Paulo, em 1946. Por sua atuação como constituinte se inscreveu na Constituição o princípio da liberdade religiosa, e que ainda está na atual Constituição, tal qual Jorge o deixou lá, nos idos de 1946. Creio que este dado é próprio de Jorge Amado e que se confunde com o seu próprio ser. Somente um homem criado em Salvador, admirador de uma religião sem males e aberta ao sincretismo e que via a perseguição policial contra os terreiros - o que lhe causava uma dor profunda - poderia apresentar e se empenhar tanto pela aprovação deste princípio. Jorge escreve a respeito em sua auto biografia Navegação de cabotagem. Os seus anos de estudos na faculdade, na Faculdade de Direito, nesta cidade de Salvador moldaram profundamente a sua maneira de ser, construindo-se nele uma grande figura humana e com um olhar humano sobre o mundo.
Um dos cenários mais cantados no livro de Jorge.

Jorge escreveu a sua auto biografia, ou as sua memórias. Navegação de cabotagem - apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. Por ele penetramos na intimidade de Jorge Amado. Esta intimidade também está contada nos livros de Zélia Gattai. Mas creio que ela também é mostrada neste seu livro, único escrito e reescrito, em particular no capítulo em que fala de suas amizades, o mais volumoso do livro. Sobre estas amizades é especialmente interessante o livro de Zélia A Casa do Rio Vermelho.

Seria muito difícil falar do livro inteiro, ou mesmo destacar algumas partes. Por isso opto por mostrar os seus diferentes capítulos. Ele começa por: Atmosfera da cidade do Salvador da Bahia de Todos -os-Santos, onde procura comprovar a sua tese de que - ser baiano é uma estado de espírito -. Continua por Ruas, becos e encruzilhadas, onde nos mostra toda a cidade, mas especialmente, a geografia das ruas do Pelourinho, que denomina como a grande Universidade Popular do Brasil. Depois envereda pelas Igrejas, anjos e santos, onde caminhamos pelo largo da Sé e pelo Pelourinho e chegamos até a Igreja do senhor do Bonfim. Um destaque é dado para a destruição de uma igreja, na Sé, igreja em o padre Antônio Vieira fazia os seus sermões. O povo em festa, é o capítulo em que Jorge dá o calendário de todas as festas populares de fundo religioso da cidade, todas levando a bela marca do sincretismo. Continua com O mundo mágico do candomblé, uma pequena introdução a este maravilhoso mundo e ao conhecimento de seus grandes personagens. A parte mais volumosa do livro é dedicado aos Personagens de ontem, de hoje, de sempre, com dedicação especial aos dois grandes e inseparáveis amigos, creio os maiores, que foram Carybé e Dorival Caymmi. O livro termina com a volta ao canto de louvor da Terra, Mar e Céu. Deste eu dou o trecho final.
Uma das maiores presenças da cidade. As baias e os seus tabuleiros.

"Adeus moça! Viste a Bahia, escutaste sua fala doce, sentiste seu perfume de mel, oriental. Ruas, becos e ladeiras, as novas avenidas, os velhos quarteirões, o Pelourinho, o Terreiro de Jesus, as Portas do Carmo, agora te pertencem, levarás contigo nos olhos e no coração a lembrança da cidade e do povo, da beleza e da civilização. Regalaste a vista no ouro da Igreja de São Francisco e a entristeceste na pobreza do povo. Adoraste a comida baiana nos restaurantes do Mercado e um saveiro te levou até o Forte do Mar. Agora chegou a hora de partir. [...] Vais deixar minha cidade. Não quis te mostrar apenas a beleza, o mistério, o pitoresco, a poesia. Abri todas as portas para que passasses, as largas e as estreitas, mostrei o bom e o ruim, o limpo e o sujo, a flor e a chaga, nada escondi da curiosidade dos teus olhos para que assim teu coração possa amar a Bahia inteira. Aqui ficaremos nós, o povo baiano, cordial, resistente e bom. Um dia a miséria não mais manchará tanta beleza, tanta poesia, o mistério da cidade de Salvador da Bahia de Todos-os-Santos. Nas encruzilhadas de Exu, para o futuro, sobem as ladeiras da Bahia. Axé, moça".









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