quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Conservatória III. O que fazer num final de semana.

Conservatória me fez lembrar de Paraty, embora eu não goste muito de comparações. Gosto das identidades que os lugares tem e preservam. Mas a lembrança me veio. O que fazer? Conservatória não tem uma FLIP, mas tem festivais de poesia. Conservatória não tem tantos e tão antigos casarios como Paraty, mas tem um casario padronizado no estilo do Segundo Império. Conservatória não tem as cachaçarias de Paraty, mas as tem também, embora sem a mesma sofisticação, colocando no mercado cachaças artesanais, mesmo sem rótulo. Conservatória não tem os passeios de mar que tem em Paraty, mas nos oferece os encantos da Serra da Beleza. Mas em uma coisa Conservatória ganha de Paraty, que é a sua música e o envolvimento de seu povo com os visitantes. A possível explicação para isso é que Conservatória é bem menor do que Paraty. Me perdoem as comparações, mas é que eu gostei demais destas duas cidades.
A igreja de Santo Antônio, onde em todo quarto domingo do mês se celebra a missa dos seresteiros, a partir das 9:00 horas.  

Hoje eu vou contar o que se faz em Conservatória num imperdível final de semana. Dou a programação. É música por todos os lados. E música da melhor qualidade. É seresta e chorinho, música popular brasileira da melhor qualidade. Nos dias da semana, imagino que a cidade se prepara para receber os seus visitantes. Deve ser um sossego total. Bom para um merecido descanso em aprazível lugar. Mas quando chega o final de semana é pura festa, com envolvimento total. É absolutamente impossível permanecer passivo. Por mais rígido que seja o teu corpo, ele começa a se movimentar. Então vejamos o que se faz nesta cidade:
A música é uma tradição que já completou 120 anos em Conservatória.

 Na sexta feira tem duas programações oficiais. A primeira começa às 20:30 horas, na rua de lazer, que é a Serenoite - com chorinho e canções. Depois a festa continua, por volta das 23:00 horas, que é quando acaba a serenoite e começa a serenata, que percorre as ruas, até depois da meia noite. É um verdadeiro show e os artistas são os moradores do local. Muitos vem morar na cidade, atraídos que foram pela música. Na serenata observei várias pessoas jovens. Depois fui saber que uma professora vem semanalmente de São Gonçalo, trabalhar com eles. Maravilhoso. Isso faz com que, por mais 130 anos, se tenha a garantia de serenatas nas ruas de Conservatória. A longevidade também é uma característica da cidade. Na serenata são intercaladas a música com a poesia. E também aparecem as meninas nos balcões das casas. Se não no real, ao menos na imaginação.
Cena dos artistas no chorinha na praça.

No sábado a programação começa cedo. Às 11:00 tem chorinho na praça. Algo memorável. Os mesmos músicos que ficaram até altas horas com os turistas pelos bares e restaurantes, já estão a postos novamente. E os visitantes também. Os músicos que se atrasam ganham uma bronca. Durante o espetáculo são vendidas cervejas e aperitivos, camisetas, CDs e canecas. Com o dinheiro arrecadado se compram cadeiras para o público se sentar confortavelmente nas apresentações. Os artistas basicamente são sempre os mesmos. De noite a apresentação da sexta se repete, ou seja - às 20:30  a serenoite e às 11:00 a serenata. Depois da seresta todo o movimento se transfere para os bares e restaurantes, onde as comidas servidas tem um inacreditável sabor caseiro. Neste momento a interação entre o povo e os visitantes é total. É o momento das conversas e da satisfação das curiosidades. Você conhece os moradores e o seu encanto com o lugar.

A programação continua no domingo, quando às 11:00 horas acontece na rua de lazer a solarata, quando inclusive se canta o luar do sertão. Com esta solarata se encerram as programações oficiais. Os shows são entremeados de muito humor, de brincadeiras que os artistas fazem entre si. Neste domingo, em particular, apareceu até uma baronesa, que como se sabe, não existem mais, uma vez que os títulos concedidos no Brasil, nunca foram hereditários. Mas ela assim foi apresentada e não sentiu constrangimento com isso. E tirou de letra: "Já que não existem mais, agora somos nós os barões e as baronesas" e foi cantando uma música em que ela dava o seu endereço. Depois do almoço a cidade volta a sua tranquilidade dos dias de semana, se preparando para receber novos turistas.
Olhem a baronesa cantando e dando o endereço da sua fazenda.

Nesta solarata vi algo que precisa ser contado. Antes da apresentação são distribuídos banquinhos para as pessoas se sentarem e assistirem mais confortavelmente ao espetáculo. Quando alguém reservava um banquinho para alguém, um senhor do grupo dos artistas, muito educadamente lembrava que os banquinhos pertenciam aos visitantes. Não havia esta possibilidade da reserva. Este mesmo senhor também contou que os banquinhos foram uma doação de um turista, que quis proporcionar maior conforto aos expectadores. Vejam como tudo é maravilhoso neste magnífico lugar.

Mas, afinal de contas, quem são os moradores deste lugar. Na conversa que eu tive com o Sorriso, este é o seu sobrenome, ele contou a sua história. Ele está na cidade a três anos e é professor. A sua esposa também é professora na UERJ. Estão próximos da aposentadoria. Vieram morar na cidade atraídos pela música e os seus filhos adoram vir para Conservatória, passar os finais de semana. Assim como tem professores, tem advogados, veterinários, engenheiros, comerciantes e gente de outras profissões, que tem algo em comum que é o gosto pela música. E assim vai se conservando uma tradição que já dura mais de 120 anos.
A música não está apenas na praça e nas ruas. Também está nos bares e restaurantes.

Conto ainda a história de dois engenheiros. Um é o dono do restaurante A Taberna. Ele trabalhou junto com Niemeyer, em seu escritório. No seu restaurante existem várias fotos, registrando a presença do arquiteto famoso e um dos pratos da casa homenageia a figura ilustre: filé à Niemeyer. O outro engenheiro é um japonês que trabalha na Petrobrás, que está se aposentando agora e, que aprendeu a tocar cavaquinho. A escolha deste instrumento se deve ao seu tamanho. Ele trabalhava em plataformas e então o instrumento mais fácil de carregar era o menor deles. E ainda brincou. É um instrumento que se pode tocar, mesmo estando algemado. Percebem que o humor sempre acompanha este povo encantador. Eu ainda vou contar de um show que eu assisti e de outras atrações que a cidade oferece a seus visitantes. 

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