quarta-feira, 8 de maio de 2013

Os Subterrâneos da Liberdade 2. - Agonia da Noite.

No encerramento de os ásperos tempos, Jorge Amado deixa a abertura na imaginação para nos envolver com duas histórias que estariam por acontecer. A primeira ocorreria no chamado porto vermelho de Santos e a segunda, no longínquo vale do rio Salgado, onde as jazidas de manganês começariam a ser exploradas. No vale, onde estava o latifúndio de Venâncio Florival, os caboclos precisariam ser varridos de suas  terras  mas aí encontram a  heroica resistência de Gonçalão. Em Santos, toda a expectativa gira em torno da greve dos portuários, desafiando a Constituição do Estado Novo, com a recusa do embarque de café, doado por Vargas, ao colega ditador espanhol, o general Franco. Um ato de solidariedade internacional dos trabalhadores.
O segundo volume da trilogia de "Os subterrâneos da Liberdade". - "Agonia da noite". 

A narrativa é dramática. No porto de Santos se dá o encontro de Doroteu com a sua negra Inácia. Deste amor deveria nascer o menino com o emblemático nome Luís Carlos, mas as patas de cavalo do exército brasileiro, matam tanto o menino por nascer, quanto a pobre negra Inácia. O café só será carregado depois de intervenção militar no porto, prisão dos líderes sindicais, morte de estivadores e o fuzilamento de três soldados, que como na abolição, se recusavam a cumprir ordens ignominiosas. Os soldados do exército é que farão a carga.

No vale do rio Salgado se contrastam as histórias de vidas humildes, que seguiam cumprindo os seus dias de miséria. Julgavam que assim estariam cumprindo os desígnios de Deus, até ouvirem as palavras iluminadoras e conscientizadoras de Gonçalão, que por ali estava em fuga e esconderijo, por causa da defesa dos índios, de que tivera notória participação nas terras da Bahia. Do outro lado estava o fausto e a ambição de Venâncio Florival, de amealhar para si todas as terras sem fim do vale, às custas do sofrimento dos caboclos.
Cópia da primeira edição do segundo volume de "Os subterrâneos da liberdade". Martins Editora.

Gonçalão, praticamente sozinho, detona com a primeira missão organizada por Venâncio, pelo banqueiro Costa Vale e acompanhada de técnicos americanos. Os aparelhos da comitiva são destruídos num incêndio, seguido de uma explosão. Depois disso Gonçalão começa a organizar o seu trabalho, reunindo naqueles confins, uma célula, uma luz de redenção, emanada do Partido. A maior parte desta história ainda sobra para ser contada no terceiro volume. Numa viagem de Gonçalão para Cuiabá, em busca dos camaradas, irá encontrar ali sementes de discórdia, de divisão do Partido, maldosamente trazidas por Heitor Magalhães, a serviço de Saquila. É a obra dos trotskistas. Gonçalão, apesar de toda a disciplina partidária, não consegue crer, que o Partido tenha mudado tanto. Em suas dúvidas, logo recebe os emissários do verdadeiro Partido. Heitor, no entanto, já conseguira fazer o maior estrago, que era a identificação de Gonçalão. Sobre os trotskistas sempre pairava a desconfiança de agirem em consonância com a polícia.

O livro também é entremeado por duas histórias de amor. Um amor puro e verdadeiro, cheio de sofrimentos,  é verdade, sofrimentos impostos pelas missões que o jovem casal, Mariana e João, recebe por parte do Partido. Todo o ascetismo e renúncia, no entanto, jamais impede a felicidade do jovem casal, que tudo sublima em função da nobre causa. A transcendência sempre aponta no horizonte. Do outro lado, Paulo e Manuela vivem um amor burguês. Manuela é uma jovem ingênua que acredita nos bons sentimentos de Paulo, encantado com a beleza e a graça da jovem. Mas Paulo quer, por meio do casamento, acertar a sua vida, já boa. Quer casar-se com a sobrinha da Comendadora da Torre, da emergente classe industrial paulistana. Os seus amores e os seus sentimentos obedecem a frios cálculos, sempre acompanhados e calculados por Shopel, o poeta católico.

O amor burguês é também cheio de sofrimento, pois, nem sempre os sentimentos acompanham os frios cálculos dos interesses. Que o diga a incauta jovem Manuela. A jovem está grávida e, toda apavorada, atende os conselhos do irmão Lucas, que não quer se indispor com Paulo, em função dos negócios, e consente em praticar o aborto. No drama em que vive, se encontra com a doce e meiga Mariana, de quem recebe as primeiras e autênticas palavras de conforto em sua vida. O complemento da história de Manuela também fica para ser contada no terceiro livro. O contraste dos sentimentos sobre o amor é uma das partes mais vivas do livro.O amor burguês é assim descrito pela visão ingênua de Manuela, depois de não resistir aos encantos de sedução de Paulo: "Afinal o que é o amor senão o desejo primeiro, a posse em seguida, e o cansaço infinito depois".
A imprensa popular anuncia "A história do próprio povo". Trata-se de "Os Subterrâneos da liberdade".

O livro é entremeado com as tramoias de Lucas Puccini e Eusébio Lima, que rapidamente vencem qualquer escrúpulo para enriquecerem. Schopel se torna mais asqueroso a cada página que passa. São 120 quilos do mais puro asco, Até ele quer se aproveitar de Manuela, fragilizada com as canalhices de Paulo. Sobra alguma coisa para o sociólogo Hermes Resende, identificado como Gilberto Freyre e também para o escritor Cícero d'Almeida, um comunista não tão ortodoxo, mas que continua aceito no Partido. É uma alusão ao historiador marxista Caio Prado Júnior, com a sua visão de conjuntura brasileira diferente da traçada pela terceira internacional. Para o Partido, é a visão intelectualizada e não real dos problemas.

Mas a mais triste das caracterizações  sobra para os inimigos internos do Partido. Saquila, ainda conserva  alguns traços de comunista, mas que rapidamente estão a desaparecer. É, no entanto, em Heitor Magalhães e em Camaleão que são descarregadas todas as excrescências e malevolências possíveis da humanidade. O segundo volume termina com a queda de vários companheiros do Partido pela ação traiçoeira destes dois antigos camaradas. Também o golpe integralista de 1938 não passa despercebido. Integralistas e armandistas, em conluio com os trotskistas atentam contra o Estado Novo de Vargas. A Notícia fica sob intervenção do Estado.

Ao longo da evolução da trama do livro um outro personagem também cresce enormemente em simpatia. Trata-se de Carlos, o arquiteto dos ricos, que de mero simpatizante, está se aproximando rapidamente do Partido. Agora é ele o protetor de Manuela. Na Espanha, o simpático Apolinário fica sabendo da solidariedade dos portuários de Santos, que não embarcam o café oferecido para Franco, para os falangistas. A armação para o terceiro volume está preparada para as novas dificuldades do Partido, após a queda de vários camaradas e para os confins do vale do rio Salgado e os conflitos camponeses nesta região, bem como a exploração imperialista, em torno das minas de manganês. Mas ele aponta firme para a luz no túnel.

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