sexta-feira, 17 de maio de 2013

Sobre a Queima de Livros. Capitães da areia. Jorge Amado.

O Jornal do Estado da Bahia, de 17 de dezembro de 1937, contem matéria sobre a queima de livros, com a seguinte manchete: Incinerados vários livros considerados propagandistas do credo vermelho. Em grifos menores segue: Os livros de Jorge Amado e José Lins do Rego foram os mais atingidos. No corpo da matéria traz o nome da comissão dos responsáveis pelo ato, sob o comando do interventor da Bahia, sob o governo do Estado Novo. Cita o nome das livrarias, das quais os livros foram apreendidos e passa a relação completa deles, bem como  número de exemplares. Também fornece os motivos da apreensão e queima: são simpatizantes do credo comunista.
Notícia de O Jornal do Estado da Bahia, anunciando a queima de livros pelo Estado Novo, em 1937. Capitães da areia, de Jorge Amado foi o mais atingido.

Visivelmente o autor mais atingido foi Jorge Amado. Vejamos a relação dos mais apreendidos: 808 exemplares de Capitães da areia, 223 de Mar Morto, 89 de Cacau, 93 de Suor, 267 de Jubiabá, 214 de País do Carnaval, entre outros. Aparecem ainda 14 exemplares de Menino de Engenho, de José Lins do Rego, além de vários outros, de autores menos conhecidos. Aparecem ainda 23 exemplares do livro Educação para a democracia, que suponho, sejam do educador, muito em moda na época e ainda não superado, o norte americano John  Dewey.

Entre os livros de jorge Amado o mais queimado foi Capitães da areia. Por que exatamente este livro teria atraído tanto a ira dos autoritários censores? É que o livro é dedicado aos meninos abandonados de Salvador, que se reuniam em torno de um trapiche abandonado, na região do cais de Salvador. Os meninos eram o terror da cidade. Jorge os descreve, mostrando profunda simpatia por eles, mostrando que, se assim agiam, era exclusivamente porque a sociedade lhes negava todos os meios de sobrevivência. O livro é também uma descrição de toda a violência que contra os meninos é empregada pela polícia e pelo reformatório dos meninos, onde eram trancados, quando flagrados.
História Universal da Destruição de Livros -Das Tábuas sumérias à guerra do Iraque. A ilusão do poder de destruir ideias. 

Mas não pensem que a queima de livros foi uma invenção do Estado Novo. Eles não tinham nem inteligência e nem criatividade para isso. Em São Paulo chegaram a censurar o Sermão da Montanha, do Evangelho de Mateus, confundindo-o com um panfleto de comunistas. A queima de livros é coisa muito antiga. O temor causado por ideias sempre apavorou os detentores do poder. Quem quiser um relato completo sobre a queima de livros, tenho uma indicação a fazer. Trata-se do livro de Fernando Báez, História universal da destruição dos livros - Das tábuas sumérias à guerra do Iraque. Não vou fazer um relatório do livro, não. Outro dia posso até tentar.

O belíssimo livro de Alberto Manguel - Uma história da leitura, tem um capítulo sobre leituras proibidas. Neste capítulo é relatado o episódio de 10 de maio de 1933, ocorrido na cidade de Berlim (Eu não falei que a queima de livros não foi uma invenção do Estado Novo). Nesta ocasião, diante das câmaras, o ministro da propaganda de Hitler, Paul Joseph Goebbels, discursou para mais de cem mil pessoas, durante a queima de mais de 20.000 livros. Vejam um trecho do seu discurso: "Esta noite vocês fazem bem em jogar no fogo essas obscenidades do passado. Este é um ato poderoso, imenso e simbólico, que dirá ao mundo inteiro que o espírito velho está morto. Destas cinzas irá se erguer a fênix do espírito novo".
Leituras proibidas é um dos mais impressionantes capítulos deste extraordinário livro.

"Contra a exacerbação dos impulsos inconscientes na análise destrutiva da psique, pela nobreza da alma humana, entrego às chamas as obras de Sigmund Freud", teria declamado um censor antes de jogar na fogueira as obras de Freud, Steinbeck, Marx, Hemingwuay, Einstein, Proust, H.G. Wells, Heirich Mann, Jack London, Bertold Brecht e inúmeros outros. Eis uma bela lista de livros que valem a pena de serem lidos. Balzac, Rabelais, Walt Whitman, Bernard Shaw e Tolstoi complementam esta lista.

Em 1872, nos Estados Unidos houve a criação, em Nova York, de uma sociedade para a Extinção dos Vícios, fundada por um tal de Anthony Comstock, que investiu furiosamente contra os livros. Admitia a leitura de um único livro: A Bíblia. Mas a história dele eu também deixo para outro dia. Também é muito conhecido o filme Fahrenheit 451, de François Truffaut, baseado no livro homônimo de Ray Bradbury. O livro é de 1953 e o filme de 1966. No livro e no filme os bombeiros, em virtude de todas as casas serem feitas com material não incendiável, são refuncionalizados. Sua nova tarefa será a de queimar livros, que segundo o comandante dos bombeiros não servem para nada, porque não há unanimidade entre eles. Porque não há unanimidade eles servem apenas para confundir. Em torno da Televisão é que será construída a unanimidade de pensamento.Pensamento único e utilitário; eis a nova ordem. As pessoas, para preservarem a diversidade, decoram, cada uma, um livro, para mantê-los vivos. Uma das minhas aulas sempre foi reservada para Ray Bradbury

Em suma, por que esta fúria contra os livros? Não esqueçam que não vai longe o tempo em que os autores também eram queimados junto com os seus livros. Os livros nos trazem o plural, o múltiplo e o diverso. O poder autoritário jamais suportará isso. No caso de Jorge Amado fica também evidente que se quer ocultar a existência de problemas. Para resolver os problemas dos meninos abandonados teria que se mexer nas estruturas da sociedade e isto implicaria em eliminar privilégios, implicaria na construção de uma sociedade justa. Mas isto, diziam e dizem muitos representantes de Deus, vai contra os desígnios do próprio Deus e que a pregação das coisas deste mundo é feita apenas por pessoas de pouca inteligência e, que por isso não conseguem interpretar os sagrados desígnios deste mesmo Deus, como é acusado o pobre padre José Pedro por seus superiores hierárquicos.

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