terça-feira, 28 de maio de 2013

Mar Morto - Jorge Amado.

Olhem a beleza de promessa da história que Jorge Amado promete contar. "Agora eu quero contar as histórias da Beira do cais da Bahia. Os velhos marinheiros que remendam velas, os mestres de saveiros, os pretos tatuados, os malandros sabem essas histórias e essas canções. Eu as ouvi nas noites de lua no cais do mercado, nas feiras, nos pequenos portos do recôncavo, junto aos enormes navios suecos nas pontes de Ilhéus. O povo de Iemanjá tem muito que contar.

Vinde ouvir essas histórias e essas canções. Vinde ouvir a história de Guma e de Lívia que é a história da vida e do amor no mar. E se ela não vos parecer bela, a culpa não é dos homens rudes que a narram. É que a ouvistes da boca de um homem da terra, e, dificilmente, um homem da terra entende o coração dos marinheiros. Mesmo quando esse homem ama essas histórias e essas canções e vai às festas de dona Janaína, mesmo assim ele não conhece todos os segredos do mar. Pois o mar é mistério que nem os velhos marinheiros entendem".
Um dos mais populares romances de Jorge Amado e o primeiro lido por Zélia. Mar Morto.

Pode ficar sossegado Jorge, que a história foi muito bem contada. Ela foi contada com muito lirismo, mas também com uma tristeza profunda. É impressionante o destino dos homens do mar.É doce morrer no mar, diz a canção. Mas a canção também diz que mulher de marinheiro não deve casar, sofre demais. Todos os marinheiros tem coisas no mar. Todos sabem que vão morrer no mar, mas ninguém deixa de ser marinheiro. Vão repousar nas profundezas das águas da princesa de Aiocá. Aiocá é apenas um dos cinco nomes de Iemanjá. Além de princesa de Aiocá e de Iemenjá, também a chamam de Janaína, de Inaê, ou simplesmente  Maria, também. Todos são devotos de Iemanjá.

Todo o medo das mulheres em perderem os seus maridos no mar, em noites de terríveis temporais é vivenciado por Lívia, que não é do mar, mas que do mar foi salva por um valente mestre de Saveiro, o melhor de todos e com quem vai se casar. Guma é seu nome. A história da sua valentia é contada de porto em porto, de cais em cais, de bar em bar. Ele enfrenta sozinho o mar, para salvar navio grande. Não sabia que neste navio estava Lívia. Mas quando a viu, com ela se casou, mesmo tendo que a roubar.

As advertências foram muitas. Marinheiro não deve casar. A mulher sofre demais, e se tiver filhos, então. Traíra tinha três: Marta, Margarida e Rachel. Qual será o destino da mulher de marinheiro que morreu no mar. Marinheiro não deve casar, mas Lívia será do mar. Saberá todas as histórias dos marinheiros, todos os casos de valentia, como a de Rosa Palmeirão, sempre com navalha na saia e punhal no peito. Como a de Besouro, que enfrentou viscondes, condes e marqueses, que contra os barões lutou para ser herói do povo, mas que nunca casou, para nunca desgraçar ninguém. Mas Lívia será do mar.

Lívia será do mar. Casará com Guma. Doce é morrer no mar. Será marítima também. Doce é morrer no mar. Guma se enreda com Esmeralda, mulher do amigo Rufino. A consciência lhe pesa. Traíra amigo e mulher. Rufino mata Esmeralda e se mata. A consciência pode aliviar, mas não alivia não. Um castigo será muito merecido. Mais um temporal. Morrem sete, cinco meninos. Lívia se amedronta cada vez mais. Está grávida. O pavor do mar aumenta ainda mais. Guma abandonará o mar. Trabalhará com os parentes de Lívia, será quitandeiro. Mas não será para já. Perde o seu saveiro Valente, num temporal. Compra outro, Paquete Voador, mas compra fiado e tem que pagar. A paga demora, não pode abandonar o mar.

O filho nasce e cresce no cais. Lívia agora tem duas preocupações, com ela e com o filho. Mulher de marinheiro não deve casar. O menino brinca de mar. Afoga navios no seu mar de bacia. Conhece os horrores do mar. É só terminar de pagar o saveiro e Guma abandonará o mar, não morrerá no mar. Transporta até contrabando, para mais rápido pagar. Em breve não andará mais no mar, porque marinheiro morre no mar e é doce morrer no mar. Lívia fica sossegada e feliz. Guma não morrerá no mar. Mas a notícia fatal chega. Marinheiro morre no mar. O corpo não é achado. Foi parar nas profundezas onde habita a princesa de Aiocá. É doce morrer no mar.

Marinheiro não sai do mar. O Paquete Voador continua no mar. No cais todo mundo comenta. A professora Dulce vê milagre. Quem dirige o saveiro é Lívia junto com Rosa Palmeirão. O mar é destino, marinheiro não abandona o mar. O mar é doce amigo. Vender o Paquete Voador é como vender Guma. O destino é ficar no mar, no mar de Janaína, com todos os seus cinco nomes. O mar é doce amigo, doce é morrer no mar.
Com os amigos Niemeyer e Dorival Caymmi. Jorge e Caymmi cantam os mares da Bahia. É doce morrer no mar.

Mar morto é uma tragédia, uma tragédia anunciada. O livro foi escrito em 1936. Jorge Amado tinha apenas 24 anos. Já era militante do Partido Comunista, do Partidão. Neste livro, a sua militância pouco aparece. Neste ano também ocorre a sua primeira prisão. O será de novo, no ano seguinte, quando também seus livros serão queimados. Deste período é a tríade de seus primeiros livros mais significativos: Jubiabá (1935), Mar Morto (1936) e Capitães da areia (1937). Zélia Gattai, em nota, ao final do livro diz que foi o primeiro livro de Jorge Amado que ela leu. Assim se refere a ele. "Li e adorei a história de amor passada no mar da Bahia, um romance de fazer sonhar, cheio de poesia".

E continua: "Eu estava longe de imaginar, que por ele me apaixonaria, que seria por ele amada e que, juntos, viveríamos 56 anos de puro e verdadeiro amor. Eu, Lívia, nos braços de meu Guma, Jorge, com direito a brisa do mar e moqueca de siri mole". Que lindo! Jorge e Zélia se conheceram em São Paulo, em 1945. Mas Zélia ainda fala de Mar morto: "Mar morto foi o abre-alas, assim que terminei de ler fui em busca dos outros. A leitura de cada novo livro me emocionava, mas este, o primeiro, nunca perdeu o seu lugar de preferido".

Mar morto é um dos romances mais populares de Jorge Amado e foi neste livro que o inseparável amigo Dorival Caymmi se inspirou para compor "É doce morrer no mar".

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