sábado, 11 de fevereiro de 2017

Estrelas além do tempo. Theodore Melfi.

Vamos começar por uma contextualização. O filme Estrelas além do tempo se passa no início dos anos 1960, quando pairava pelo mundo o clima da Guerra Fria e da Bipolaridade. Este ambiente contagiou por completo a corrida espacial, na qual a União Soviética saltou na frente com o envio de um homem ao espaço (Iuri Gagarin), fato que obrigou os Estados Unidos a redobrar seus esforços para não perder esta corrida. Se recuperam, com o tempo, enviando os primeiros astronautas à lua.



Outro dado importante. A era dos computadores estava apenas começando. Assim, cabeças privilegiadas faziam o seu papel. Inteligências e memórias privilegiadas eram extremamente necessárias. O ambiente específico em que se desenrola o enredo do filme é o da NASA, a agência espacial americana. Lembrando ainda, que nos anos 1960 o clima de hostilidades raciais fervilhava em resposta às primeiras leis que visavam extinguir esta chaga de sua cultura.

O cenário do interior da NASA é um cenário em que existe espaço apenas para homens brancos. Mulheres ocupam apenas funções "naturais" e "inerentes" às mulheres. Negros, em ambiente tão seletivo como o da NASA, nem pensar. Mas a necessidade obriga a fazer coisas fora, ou para além do script. É neste momento que entram em cena três mulheres negras, que para vencerem contavam apenas com a arma de suas inteligências.

Katherine Johnson (Taraji P. Henson) Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe) são as três mulheres negras, ou as estrelas além do tempo, ou então ainda, as Hidden figures, as figuras ocultas, do título no original, as protagonistas do enredo. A primeira era tida, desde a infância, uma menina prodígio, verdadeiro gênio da matemática. Assume a preponderância dentro do grupo. Ela é que recebe todas as atenções de Al Harrison (Kevin Costner), o diretor da NASA. A segunda lida com o nascente computador. Já teme a perda de espaço em seu trabalho para a máquina emergente. Já a terceira, teimosamente, insiste em ser a primeira engenheira negra do país. No início, parecia ser ela a mais destacada no grupo.

Creio que uma das partes mais notáveis do filme seja a de mostrar o ambiente de trabalho. As hostilidades raciais são expostas, quais chagas vivas. As negras são discriminadas, exercendo funções menores na divisão do trabalho, no tratamento dispensado pelos brancos, na hora do cafezinho ou do chá e, especialmente, com o uso do banheiro e participação em reuniões em que são tomadas decisões. Apenas em um prédio anexo existia banheiro para elas. Al Harrison vai quebrando estas barreiras pela absoluta e imprescindível necessidade de seus trabalhos.

As cenas mais edificantes são as das conquistas de espaço destas mulheres negras, especialmente, as de Katherine junto com Harrison, o diretor da Nasa e a luta de Mary para ingressar na Universidade e fazer o seu tão sonhado curso de engenharia, enfrentando o poder judiciário. O juiz capitula diante de seus argumentos e lhe abre o devido espaço restringindo-o, mesmo assim, ao período noturno. Também a solidariedade do grupo é um ponto relevante.

Numa das críticas que vi, está a da falta de uma maior contextualização do clima de hostilidades raciais da época. As mulheres não lutaram, ou não se integraram em lutas mais amplas, confiando apenas na força de sua inteligência. Concordo com a crítica, lembrando todo o cenário dos anos 1960, principalmente nas lutas como as de Martin Luther King e da profunda crise institucional provocada por Malcom X, no terrível 1968 nos Estados Unidos. Mas é preciso lembrar que as vitórias individuais são outra forte característica da cultura americana. Talvez não fosse esta a intenção do diretor. Não deixa de ser, no entanto, um filme de grande valor, pela temática trazida ao debate. A luta da mulher e especialmente da mulher negra em nossa sociedade.

O filme tem direção e roteiro de Theodore Melfi. O roteiro é dividido com Alisson Schroeder. As estrelas protagonistas já estão apresentadas e cumpriram um belo trabalho. A indicação ao Oscar de melhor filme, bastante contestada pela crítica, deve estar vinculada ao tema, tão próprio do mea culpa, num rito de expiação dos erros históricos cometidos ao longo da escravidão e da abolição mal metabolizada. Além da estatueta de melhor filme, mais duas são disputadas, a de melhor roteiro adaptado e a de melhor atriz coadjuvante para Octavia Spencer. Esta indicação também está sendo bastante contestada. Um filme que seguramente merece ser visto e debatido.




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