Meu tempo de releituras! A lembrança de uma leitura, entre as que mais impacto me causaram, me levou de volta para Germinal, a grande obra de Emile Zola. Seguramente é uma das obras mais importantes de todos os tempos. Como não é fácil fazer a resenha, começo falando algo do autor e de sua obra. Vamos aos dados de sua vida. Ele nasce no ano de 1840 e morre em 1902, asfixiado pelo gás do aquecimento. Morte estúpida. O livro é do ano de 1885. Mas vamos aos acontecimentos, aos fatos históricos do entorno de sua vida.
Germinal. Emile Zola. Abril. 1972.Mais longinquamente vamos ao ano de 1789, o ano da Revolução burguesa na França, do fim da monarquia e dos ensaios da instauração da República. Tempos de Revolução, com as suas permanentes agitações. Tempos de interpretação de um novo mundo que surgia. Tempos de industrialização e urbanização. Tempos de proletariado e de burguesia. Tempos de Darwin (1809-1882), de Marx (1818-1883) e de Bakunin (1814-1876). Tempos de organização da luta dos trabalhadores, da fundação da Primeira Internacional (Londres - 1864). Tempos de Guerra, como a Franco- prussiana (1870-1871) e tempos de abalo das estruturas tradicionais de poder, como a famosa Comuna de Paris (18 de março a 28 de maio de 1871). E na literatura, tempos de naturalismo e de realismo.
Eram, sobretudo, tempos de esperança. Um novo calendário, instituído após a Queda da Bastilha, substituiu as datas cristãs por fenômenos da natureza. O início da primavera fora batizado com o nome de GERMINAL. Este seria o tempo das sementes germinarem, evoluírem, florirem e gerarem frutos, ou melhor, gerarem os novos tempos. Tempos de evolução, de razão, de ciência e de progresso. Tempos em que o novo insistia em se afirmar. Eram tempos em que estudos e lutas deveriam estimular as condições para a germinação e frutificação.
A edição de Germinal que eu li foi a da Editora Abril - Clássicos da Literatura Universal, do ano de 1972, com tradução de Francisco Bittencourt. Esta coleção é acompanhada por mini biografias dos autores e contextualizações das obras. Na contextualização de Germinal, obra que expõe a situação dos trabalhadores das minas de carvão, vemos que Zola foi viver a situação desses mineradores. Vejamos essa descrição:
"Para fazer Germinal, Zola não se satisfez com a simples busca de documentos. Foi passar alguns meses numa região mineira. Morou em cortiços, bebeu cerveja e genebra nos botequins e desceu ao fundo dos poços para observar de perto o trabalho dos operários. Aos poucos foi se familiarizando com o meio onde viviam aqueles homens. Descobriu quais as principais doenças causadas pela mineração. Sentiu o problema dos baixos salários, os sacrifícios dos mineiros, a gota que cai com uma regularidade incrível sobre seus rostos, a dificuldade de empurrar uma vagoneta por um corredor estreito, o drama do salto na escuridão que eles tem de dar para poderem sobreviver. Numa passagem admirável, descreve a emoção de uma greve dos operários. Mostra seu ódio animal. Um ódio que destrói tudo à sua passagem. Uma violência viva nos corpos que querem libertar-se, mesmo à custa da total destruição. Mostra também o amor feito sobre o carvão, os pequenos dramas das dívidas, as brigas no cortiço, a promiscuidade de pais e filhos em casas muito pequenas". Eis a obra.
Eu ainda acrescentaria que é também uma análise das crises do capitalismo, as crises provocadas pelo seu caráter autofágico de acumulação. Vide a pequena empresa de Deneulin, sufocada e engolida pela concorrência. Da mesma forma também mostra a podridão moral dos personagens burgueses, pequenos (Maigrat) e grandes (Hennebeau). E, cenas de luta de classes e de confusões teóricas de sustentação dessas lutas. Há os marxistas, os anarquistas e os conciliadores (Etiénne, Suvarin e Rasseneur). O clima das tentativas do imperativo do final do Manifesto Comunista - Proletários do mundo inteiro - uni-vos. A Organização Internacional dos Trabalhadores. Deixo aqui uma resenha dessas diferentes tentativas. A Primeira delas (1864) está muito presente na obra. (Agrupei num único post as quatro tentativas):
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/02/proletarios-de-todos-os-paises-uni-vos.html
Chamo atenção, ainda, para os principais personagens. O livro é a saga da família Maheu, avô (Boa-Morte), o pai, a mãe, sete filhos e um hóspede, que será o personagem principal, Etiénne. Uma família mutilada pela fome, pelo sofrimento e pela morte. São mais de cinquenta anos de mineração. Desta família também merece destaque a pequena Catherine, dividida entre seus princípios morais, amores pré-adolescentes e a violência da fome e de homem selvagem. Etiénne vive o drama da liderança, entre aclamações e cusparadas na cara.
A narrativa de todo este sofrimento dos trabalhadores é longa e doída. Provoca o envolvimento do leitor. Diria que é um livro de formação de consciência, um livro que certamente integraria a lista de livros proibidos, a serem queimados, nessa nova onda mundial de ascensão da extrema direita. O livro está divido em sete partes, cada uma com cinco ou seis tópicos, num crescendo de agradável aprisionamento do leitor à sua leitura. Ao todo são 537 páginas.
Ao final da obra encontramos Etiénne a caminho de Paris, refletindo sobre a longa greve de dois meses e meio de duração. Teria valido a pena, tanta violência e sofrimento? Eis algumas de suas reflexões: "Sem dúvida tinham sido derrotados, pois haviam deixado dinheiro e mortos, mas Paris não esqueceria os tiros da Voreux (a mina), o sangue do império também correria por aquela ferida incurável. E, se a crise industrial chegasse ao fim, se as fábricas reabrissem uma a uma, não tinha importância, o estado de guerra continuaria, a paz agora era impossível. Os mineiros já sabiam quantos eram, já conheciam sua força, tinham sacudido com seu grito de justiça os operários da França inteira. A derrota deles não trazia segurança para ninguém [...]. Eles compreendiam que a revolução renasceria sem descanso, talvez mesmo amanhã, com a greve geral, a união de todos os trabalhadores resultando em caixas de socorros que os levariam a aguentar por muitos meses comendo pão. Desta última vez, fora um empurrão dado na sociedade em ruínas, e tinham sentido perfeitamente o chão fugindo sob seus pés, sentiam formarem-se novas convulsões, sempre outras, até que esse velho edifício abalado desmoronasse, tragado como a Voreaux, sorvido pelo abismo".
E, numa referência ao título, conclui: "Do flanco nutriz brotava a vida, os rebentos desabrochavam em folhas verdes, os campos estremeciam com o brotar da relva. Por todos os lados as sementes cresciam, alongavam-se, furavam a planície, em seu caminho para o calor e a luz. Um transbordamento de seiva escorria sussurrante, o ruído dos germes expandia-se num grande beijo. E ainda, cada vez mais distintamente, como se estivessem mais próximos da superfície, os companheiros cavavam. Aos raios chamejantes do astro rei, naquela manhã de juventude, era daquele rumor que o campo estava cheio. Homens brotavam, um exército negro, vingador, que germinava lentamente nos sulcos da terra, crescendo para as colheitas do século futuro, cuja germinação não tardaria em fazer rebentar a terra". Páginas 535 a 537.
O mundo ainda ficaria muito agradecido ao grande escritor por sua intervenção no caso Dreyfus, com o seu famoso J'accuse, de 1898. Foi o personagem central de reparação de uma grave injustiça.
Tenho em casa também a coleção - Grandes Livros no Cinema -. Foi lançado pela Folha de S.Paulo. Entre eles está Germinal, com a fantástica atuação de Gérard Depardieu. Na contracapa do livreto da coleção lemos o que segue:
"As péssimas condições de vida e de trabalho de mineiros exploradores de carvão numa vila na França no século 19 culmina em revolta, massacre e morte quando um casal lidera uma greve reivindicando tratamento mais humano. Com 'Germinal', o escritor Emile Zola expôs, na linguagem crua e dura do naturalismo, a injustiça social e defendeu o espírito de revolta num momento em que os lemas revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade haviam voltado a não ser mais que uma utopia do passado. Claude Berri filmou o romance em 1993 como uma superprodução valorizada pela presença de Gérard Depardieu à frente do elenco de grandes intérpretes do cinema francês". 151 minutos de duração.
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