quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O NOME DA ROSA. Umberto Eco.

Continuo com as minhas releituras. O livro da vez foi O nome da rosa, de Umberto Eco, um monstro, no melhor e grandioso sentido da palavra. Terminei a sua primeira leitura no ano de 2011, quando ainda estava em sala de aula. Lembro como era difícil conciliar a leitura com o preparo das aulas. Ainda mais com livros como este, que exige concentração e foco total. Um livro de extrema complexidade e pressuposição de muitos conhecimentos acumulados. Vou fazer algumas contextualizações para estabelecer uma aproximação com a obra, especialmente com a época dos acontecimentos narrados, ou seja, o ano de 1327. O lançamento do livro ocorreu em 1980. Umberto Eco nasceu em Alessandria, na Itália, no ano de 1932 e morreu em Milão no ano de 2016. Sem favor nenhum, Eco foi um dos maiores e mais ativos intelectuais ao longo de sua história intensamente vivida.

O nome da rosa. Umberto Eco. Biblioteca Folha.

O livro que eu li e reli é da Biblioteca Folha (2003), com tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade. Na orelha da contracapa lemos algo sobre o autor. Considero absolutamente relevante saber que ele era "ensaísta de renome mundial, dedicou-se a temas como a estética, semiótica, filosofia da linguagem, teoria da literatura e da arte e sociologia da cultura", como lemos nesta pequena indicação. Somente alguém com este estofo seria capaz de escrever uma obra de tamanha envergadura. Vamos começar a nossa contextualização pelo ano dos acontecimentos narrados, o ano de 1327.

No campo da filosofia necessariamente devemos apontar para o doutor da Igreja, Tomás de Aquino (1225 - 1274 - Itália) e para o cientista e frade inglês, que lançou as bases para o mundo da ciência moderna, Roger Bacon (1220 - 1292). Ambos estão sempre presentes na obra de Eco. É a presença de Aristóteles chegando com muita força na cultura ocidental. Eles serão a força norteadora de Guilherme de Baskerville, o frade franciscano que é o personagem protagonista da obra.

No campo religioso - político vamos encontrar as divisões dentro da Igreja. É o tempo dos papados em Roma e do cisma de Avignon (1309 - 1377) e com intensas disputas e alianças com o poder temporal. E este poder temporal começa a se impor sobre o poder espiritual, de ordem divina dos imperadores e dos papas. É também o tempo de constantes inquisições e de acusações de heresia e de disputas entre as ordens religiosas, que surgiram ao longo da Idade Média e se intensificaram muito neste período histórico retratado. Na obra estão muito presentes os franciscanos, fundados por Francisco de Assis no ano de 1209 e os dominicanos, fundados por S. Domingos de Gusmão em 1216. Os monges oscilavam entre a VERDADE e a heresia, entre o céu e o inferno, entre a santidade e a excomunhão.

Creio que um outro dado, não presente no livro, mas que ajuda a esclarecer as lutas desse período é examinar A Divina Comédia (escrita entre os anos 1304 e 1321), de Dante Alighieri (1265 - 1321). Na época a grande luta se travava entre os guelfos e os gibelinos. Os guelfos eram partidários do papa, enquanto os gibelinos apoiavam o imperador, na época do Sacro Império Romano-Germânico. Dante, partidário dos gibelinos, não hesitava em colocar seus adversários nas piores camadas do inferno. São tempos de afirmação do poder temporal.

Vamos ao romance. Recorro mais uma vez ao próprio livro, orelha e contracapa. Vamos à orelha: "Ficção de estreia de um dos mais respeitados teóricos da semiótica, O nome da rosa transformou-se em prodígio editorial logo após seu lançamento em 1980.

Tamanho sucesso não parecia provável para um romance cuja trama se desenrola em um mosteiro italiano na última semana de novembro de 1327. Ali, em meio a intensos debates religiosos, o frade franciscano inglês Guilherme de Baskerville e seu jovem auxiliar, Adso, envolvem-se na investigação das insólitas mortes de sete monges, em sete dias e sete noites. Os crimes se irradiam a partir da biblioteca do mosteiro - a maior biblioteca do mundo cristão, cuja riqueza ajuda a explicar o título do romance: 'o nome da rosa', era uma expressão usada na Idade Média para denotar o infinito poder das palavras.

Narrado com a astúcia e graça de quem apreciou (e explicou) como poucos as artes do romance policial, O nome da rosa encena discussões de grandes temas da filosofia europeia, num contexto que faz desses debates um ingrediente a mais da ficção. O livro de Eco é ainda uma defesa da comédia - a expressão do homem livre, capaz de resistir com ironia ao peso de homens e livros". Em torno de um livro de Aristóteles, Poética, (sobre riso e comédia), gira todo o enredo do romance. Aristóteles, como vimos, é o filósofo em ascensão.

Já na contracapa temos mais informações: "Em novembro de 1327, Guilherme de Baskerville, um frade franciscano inglês muito parecido com Sean Connery e com Sherlock Holmes, chega a um mosteiro italiano que contém a maior biblioteca do mundo cristão. É acompanhado pelo jovem Adso, que, por sua vez, é parecido com o dr. Watson e com Sancho Pança. Adso, anos mais tarde, narra a história.

Guilherme tem a missão complicada de permitir um encontro, no mosteiro, entre uma delegação do papa e o frade teólogo Michele de Cesena, para quem Cristo e seus apóstolos não tinham bens de espécie alguma, cabendo aos cristãos (a começar pela Igreja) parecer-se com eles. Esta proposta era francamente mal vista.

No meio de um debate perigoso, em que as ideias custam excomungações e suplícios variados, eis que pipocam cadáveres de monges assassinados.

Fiquem de olho em Jorge de Burgos, o bibliotecário espanhol e cego, que seria muito parecido com nosso quase contemporâneo Jorge Luís Borges, se este, no fim de sua vida, tivesse se tornado dono da biblioteca de Babilônia.

Muitíssimos anos depois, Umberto Eco, um acadêmico italiano respeitado por seus sérios tratados de semiologia, estética e filosofia medieval, pensa, provavelmente, como Guilherme. Ou seja, pensa que o mundo é povoado por signos que deveriam nos orientar, mas, de fato, nos desorientam; que a pretensão das verdades absolutas é irrisória e, sobretudo, que o conhecimento sem alegria é uma idiotice. Dessa estranha coincidência entre o espírito de Guilherme e o de Eco nasce O Nome da Rosa, o romance moderno que conta a história da razão enlouquecida (de tanto se levar a sério) e a aventura do frade que saiu à procura do bom humor perdido". Este texto da contracapa tem a assinatura do colunista da Folha, Contardo Calligaris.

O romance é longo. São 479 páginas. Os sete assassinatos se transformam nos sete dias que formam as sete partes do livro. Ele tem o seu formato de um romance policial, que vem num crescendo de  suspense extraordinário, entremeado de profundos debates filosófico religiosos. Ele termina numa ecpirose. Da parte final em tomei algo que considero fundamental dentro da obra:

"'Era a maior biblioteca da cristandade', disse Guilherme. 'Agora', acrescentou, 'o anticristo está realmente próximo porque nenhuma sabedoria vai barrá-lo mais. Por outro lado vimos seu vulto esta noite'.

'O vulto de quem?' perguntei aturdido.

'De Jorge, digo. Naquele rosto devastado pelo ódio à filosofia, vi pela primeira vez o retrato do Anticristo, que não vem da tribo de Judas, como querem seus anunciadores, nem de um país distante. O Anticristo pode nascer da própria piedade, do excessivo amor a Deus ou da verdade, como o herege nasce do santo e o endemoninhado do vidente. Teme, Adso, os profetas e os que estão dispostos a morrer pela verdade, pois de hábito levam à morte muitíssimos consigo, frequentemente antes de si, às vezes em seu lugar. Jorge cumpriu uma obra diabólica porque amava tão lubricamente a sua verdade, a ponto de ousar tudo para destruir a mentira. Jorge temia o segundo livro de Aristóteles porque este talvez ensinasse realmente a defrontar o rosto de toda verdade, a fim de que não nos tornássemos escravos de nossos fantasmas. Talvez a tarefa de quem ama os homens seja fazer rir da verdade, fazer rir a verdade, porque a única verdade é aprendermos a nos libertar da paixão insana pela verdade'". Página 470. 

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