sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

A Importância do ato de ler. Paulo Freire.

Em comemoração aos 50 anos da Pedagogia do oprimido, o grupo de oposição a atual direção do sindicato, a APP-Independente promoveu um ciclo de leituras da obra de Paulo Freire. Para tal, grupos de leitura foram formados em todo o estado do Paraná, especialmente nos núcleos em que o grupo é direção. Esta iniciativa contou com o apoio do Nesef e do Deplae, da UFPR. O Nesef certifica a participação e o Deplae ajudou na escolha dos livros a serem lidos, bem como na orientação das leituras. Em torno de 50 grupos foram formados. A fase de leituras está se encerrando.

Particularmente tomei a decisão de ler e de reler a obra de Paulo. Na condição de professor trabalhei bastante as primeiras de suas obras, A Educação como prática da liberdade e a Pedagogia do Oprimido. Também tive a enorme alegria de conhecê-lo pessoalmente. Como integrante do grupo de leituras de Campo Largo, nos coube ler A educação na cidade, no qual Paulo narra a sua experiência como secretário da educação na cidade de São Paulo, na gestão de Luísa Erundina. Dei uma passada nos demais livros relacionados e me detive no A importância do ato de ler. O título tem um complemento: em três artigos que se completam.
A leitura de mundo precede a leitura da palavra. A palavra/mundo.

O primeiro destes artigos tem por título, o próprio título do livro. Trata-se de uma palestra, na verdade, a leitura de um texto preparado para um evento da UNICAMP, o Congresso Brasileiro de Leitura, em novembro de 1981. O segundo, Alfabetização de adultos e bibliotecas populares - uma introdução, foi uma palestra apresentada no XI Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação, realizado em João Pessoa, em janeiro de 1982 e o terceiro, O povo diz a sua palavra ou a alfabetização em São Tomé e Príncipe. Esta terceira parte está dividida, sendo que a primeira trata da transcrição de um artigo publicado na Harvard Educational Review e a segunda, faz uma transcrição e análise dos Cadernos de Cultura Popular, da etapa de pós alfabetização. Uma análise do método, em cheio. Alfabetização mais conscientização.

O primeiro texto, doze páginas, é uma retrospectiva extraordinária de sua vida, do ponto de vista da formação. Nele encontramos a famosa frase de que a leitura de mundo precede a leitura da palavra. Relê os primeiros momentos de sua prática, na casa da família no Recife, o seu primeiro mundo, entre as copas das árvores, os pássaros, os animais domésticos, as flores e os frutos. O mundo que precedeu a palavra, no qual se alfabetizou, antes da sua escolarização: "O chão foi o meu quadro-negro; gravetos o meu giz", afirma. A curiosidade o impulsionou para a leitura. Fala do gosto com que leu Gilberto Freyre,, José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado. Adquiriu até gosto estético com estas leituras de palavra/mundo. Em suas memórias surgem também as suas primeiras aulas dadas, nas quais destrinchava a arqueologia do ato de ler. Gostei de uma afirmação. Os livros não são importantes de acordo com o seu volume e cita como exemplo As teses sobre Feuerbach, de apenas duas páginas e meia. Este texto deveria fazer parte, já na formação inicial de todos os professores. Ter por hábito a reflexão sobre a prática docente e responder as questões básicas sobre o ato de educar, por meio de palavras grávidas de mundo, de realidade a ser transformada deveria ser o grande norte de todos os educadores.

O segundo texto se ocupa, obviamente, da leitura e da escrita e do ato político de educar. A questão do poder jamais pode estar dissociada da educação. O libertar-se não é um ato que vem de cima para baixo. O educar é lidar com sujeitos no e com o mundo, junto com os outros, e todos com o direito à palavra. O ato de educar sempre será um ato em aberto e inconcluso. Encontramos aí também uma afirmação categórica: "Ninguém sabe tudo e ninguém tudo ignora". E como não é mais admissível um texto fora de contexto, estimula a formação de bibliotecas populares, com escritores populares, estimulados por encontros de leituras nestas bibliotecas populares. Encontros de estímulo para a leitura e também para a escrita.

No terceiro texto, diante de folhas em branco, medita sobre o ato de alfabetização de adultos. A realidade prática é que determinará como este processo se dará, fora dos parâmetros da neutralidade. A alfabetização, assim como todo o ato de educar, é um ato político, no qual a neutralidade não cabe. É o relato da fase em que assessora países recém independentes, que romperam com os terríveis vínculos da colonização portuguesa. Um processo de dominação a toda prova. São Tomé e Príncipe, independentes a partir de 1975, com algo em torno de 74.000 habitantes. O projeto previa a alfabetização ao longo de quatro anos. A segunda parte, simplesmente extraordinária, põe o leitor em contato direto com o método que foi utilizado, com as palavras geradoras próprias à realidade de um pequeno país, de duas ilhas, recém liberto do jugo português. São apresentados os Cadernos de Cultura Popular que se seguiram ao processo de alfabetização. Os textos são ensaios de leitura de mundo, necessários a este momento histórico. Neles são feitas análises do processo de produção, do trabalho oriundo da simultaneidade entre entre o pensar e o fazer, e portanto, criativo, das tradições culturais, do estabelecimento de relações justas e de liberdade exigidas pela da realidade deste novo momento histórico. Os cadernos, segundo o próprio Paulo, são compostos de materiais desafiadores e não domesticadores. Em suma, propostas desafiadoras para pensar o sentido da educação e do ser educador. Caminhos de formação humana, igualitária e justa.


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