quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

O ódio como política. II. Da esperança ao ódio: a juventude periférica bolsonarista

Trago hoje a resenha de mais um dos textos do livro O ódio como política - a reivenção das direitas no Brasil, livro da Boitempo, organizado por Esther Solano Gallego. Trata-se do texto "Da esperança ao ódio: a juventude periférica bolsonarista", de autoria de Rosana Pinheiro-Machado e Lúcia Mury Scalco. O texto parte de um dado inicial, a constatação em pesquisa de 2017, de que 60% dos eleitores de Bolsonaro tem entre 16 e 34 anos. Jovens, portanto. A partir deste dado, as pesquisadoras se voltam para o Morro da Cruz, a maior periferia de Porto Alegre.
Uma bela coletânea de textos.

A pesquisa vem sendo realizada desde 2009 e atenta para dois momentos da política e da economia brasileira: o momento do crescimento econômico e o da sua entrada em colapso, a partir de 2013. Este fenômeno afetou tanto as condições materiais destes jovens e de suas famílias, quanto o seu self individual. A trajetória da esperança para o ódio foi quase instantânea. Assim como, também, a busca por saídas.

O Brasil resiste a crise mundial de 2008 e atinge o índice do crescimento do PIB de 7,5% no ano de 2010. As chamadas "novas classes médias", a classe C, se afirmou pela via do consumo, e o verbo "brilhar" passou a integrar os desejos do cotidiano. A invisibilidade e a humildade de subalternos se transformou em orgulho e autoestima. As pessoas pobres passaram a "brilhar". Eis alguns depoimentos: pudemos "levantar a cabeça", ao trocar o elevador de serviço pelo social; vesti a "capa de super-herói" e passei a dizer "eu tô podendo" ao usar um boné de marca; "eles (os brancos) vão ter que me engolir" dizia a empregada negra usando óculos Ray-Ban.

Porém, este fenômeno apresenta uma dupla perspectiva. O processo mostrava uma ambiguidade: "De um lado havia um mercado - e, agora, também um governo - dizendo que todos podiam consumir. De outro, permanecia uma sociedade que escancarava o "não", atualizando os marcadores simbólicos da diferença. O ápice dessa contradição neoliberal se materializava nos "rolezinhos" que os "bondes" (gangues juvenis) davam nos shopping centers da cidade. Os jovens percebiam essa contradição entre o ato de consumir e um mundo que os mantinha segregados, um mundo "violento, racista e desigual". Mesmo consumindo continuavam a ser vistos como "pobres", "favelados" e até como "bandidos"", observam as pesquisadoras.

As pesquisadoras voltaram ao morro no final de 2016, no auge da ocupação das escolas. Queriam ver se os rolês eram germes de revolta, ou não. A primeira constatação: os dos rolês desprezaram as ocupações, consideradas por eles como coisa de vagabundos. O pêndulo revolucionário passara a pender para a direita. Bolsonaro, assim como a Nike ou a Adidas, passou a ser uma marca, uma grife. Já em 2017 eram raros os meninos que não admiravam o candidato, a sua agenda moral conservadora, o punitivismo no combate à violência urbana e à corrupção. O consumismo, no seu longo prazo, se tornara insustentável. Um sentimento generalizado de desamparo social tomou conta.

Junto com a crise, a ocupação das escolas trouxe também um outro fenômeno. Os meninos perderam a sua condição de protagonistas. As meninas adolescentes ganharam visibilidade, junto a outros movimentos, como os coletivos de negros, LGBTs e feministas. Autonomia, descentralização e horizontalidade passaram a ganhar fortes significados. Estava em marcha o fim de um modelo de hegemonia da masculinidade. Isso gera uma reação. A adesão ao "mito".  "Um dos fatores que nos parece decisivo para a formação da juventude bolsonarista é justamente  essa perda de protagonismo social e a sensação de desestabilização da masculinidade hegemônica. Isso fica bastante evidente em nossas rodas de conversa mais descontraídas, quando os meninos chamam algumas meninas de "vagabundas" e "maconheiras"", constataram as pesquisadoras. Essa masculinidade também é desafiada  no dia a dia pela violência urbana, que sobrevive graças a um sistema penal e prisional muito frouxo e que por isso ninguém o respeita. E como praticamente todos já foram vítimas da violência, ansiosos aguardam uma solução.

Aí entra a figura militar de Bolsonaro e os valores do "pulso", da "ordem", da "disciplina", da "mão forte", da "autoridade" e da fé no armamento da população. Embora todos sejam contra a tortura e a censura e sejam críticos das ações policiais, veem na imagem do militar o "último recurso" para uma situação caótica. A Bolsonaro associam também a imagem de Deus, através das igrejas evangélicas neopentecostais. E uma conclusão importante. Estão profundamente abertos ao diálogo: "em todos os nossos debates, quando os meninos foram expostos a argumentos mais longos, houve mudança de posicionamento". "Sou fã do cara, mas tenho medo dele, ele é extremista", dizia um dos jovens. Seria Bolsonaro um modismo juvenil que logo logo estará perdendo a sua força?

Quero ainda deixar registrados os primeiros parágrafos do belo texto de Ferréz, "Periferia e conservadorismo". Vamos lá:
"Dobrar qualquer argumento infundado não deveria ser difícil, mas por aqui é.
Armados somente com o diz-que-me-diz e com o que a televisão vomita, a ala reacionária está cada vez maior.
Quando o buchicho ganha mais vida que qualquer conhecimento, ele vira verdade de quebrada em quebrada, e uma certeza não vale mil verdades.
Tudo bem que é um discurso fraco, que não se mantém, mas cansa ficar contra-argumentando, tentando espelhar casos e, pior, tentando mostrar que a pessoa está na situação de vítima dos argumentos usados e não por cima deles.
Ninguém se declara pobre, pobre é sempre o outro, que tem menos, assim como o rico, que sempre diz que rico é o outro, que tem mais. Sem aceitar o que somos, como ter argumentos para o que não somos?"

Do mesmo livro veja também: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/12/o-odio-como-politica-i-reemergencia-da.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.