quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal. Hannah Arendt.

"Brilhante e perturbador", lemos na contracapa do livro de Hannah Arendt Eichmann em Jeruslém, um relato sobre a banalidade do mal. A frase é de Stephen Spender do The New York Review of books. E eu só tenho a repetir, brilhante e perturbador. Crimes contra a humanidade ou contra um povo? Crimes cometidos individualmente ou por um "inconsciente coletivo", cegamente disposto a obedecer, em busca de ascensão na carreira? Uma justiça espetáculo, ou justiça por justiça, simplesmente. Eis algumas questões que livro suscita. Não me atrevo a fazer a resenha deste livro, mas adoraria que todos o lessem.
"Brilhante e perturbador".

Neste sentido, de não apresentar uma resenha pessoal, me atenho a algumas informações históricas, a transcrever a contracapa e a orelha do livro e dar o título dos capítulos, bem como a fazer o anúncio dos dois momentos finais do livro, em que a autora se posiciona diante das polêmicas provocadas pelo livro. Em vários momentos, a autora ajuda a situar o livro. Ficamos com o mínimo possível, ao que ela mesma apresenta em nota ao leitor: "Esta é uma edição revista e aumentada do livro lançado em 1963. Fiz a cobertura do processo de Eichmann em Jerusalém, em 1961, para a revista The New Yorker, na qual este relato foi publicado, ligeiramente abreviado, nos meses de fevereiro e março de 1963".

Eichmann fora o chefe da Seção de Assuntos Judeus no Terceiro Reich e responsável, portanto, pelos programas de deportação de judeus, da Theresienstadt, e da logística encarregada de fazer os judeus chegarem aos campos de concentração e execução, após a "Solução Final". A grande questão, que apareceu no julgamento, era a de que Eichmann não se mostrou um fanático ou um monstro, mas um burocrata, super obediente, em busca de ascensão profissional. Mas, fico por aí...

Vamos aos capítulos. Eles nos dão um panorama geral sobre a questão do tratamento dado aos judeus durante o desenrolar da guerra. Vejamos: I. A Casa da Justiça (o Tribunal onde se realizou o julgamento); II. O acusado; III. Um perito na questão judaica; IV. A primeira solução: expulsão (Neste e nos próximos capítulos são mostrados os passos sucessivos do projeto de Hitler de tornar a Europa livre dos judeus - Europa Judesrein); V. A segunda solução: concentração; VI. A solução final: assassinato; VII. A Conferência de Wannsee, ou Pôncio Pilatos; VIII. Deveres de um cidadão respeitador das leis (chamo especial atenção para este capítulo - a obediência perante a razão emancipadora de Kant, ou a obediência "cadavérica" ao dever. Eichmann confessou ter lido Kant); IX. Deportações do Reich: Alemanha, Áustria e o Protetorado (Neste e nos próximos capítulos são mostrados os diferentes momentos no trato com os judeus em seus respectivos países - além de tudo - grandes aulas de história); X. Deportações da Europa Ocidental - França, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Itália; XI. Deportações dos Bálcãs - Iugoslávia, Bulgária, Grécia, Romênia; XII. Deportações da Europa Central - Hungria e Eslováquia; XIII. Os centros de extermínio no Leste; XIV. Provas e testemunhas; XV. Julgamento, apelação e execução.

O livro termina com o uso da expressão que se tornou mundialmente famosa e que está no subtítulo do livro: "Foi como se naqueles últimos minutos (execução por enforcamento) estivesse resumindo a lição de que este longo curso de maldade humana nos ensinou - a lição da temível banalidade do mal,  que desafia as palavras e os pensamentos". Ainda seguem o epílogo e um pós escrito. Neles a autora volta ao tema do julgamento, diante das críticas ao livro. 

Vamos a contracapa: "Sequestrado num subúrbio de Buenos Aires por um comando israelense, Adolf Eichmann é levado para Jerusalém, para o que deveria ser o maior julgamento de um carrasco nazista depois de Nuremberg. Mas o curso do processo produz um efeito discrepante: no lugar de um monstro impenitente por que todos esperavam, vê-se um funcionário mediano, um arrivista medíocre, incapaz de refletir sobre seus atos ou de fugir aos clichês burocráticos. É justamente aí que o olhar lúcido de Hannah Arendt descobre  o "coração das trevas", a ameaça maior às sociedades democráticas: a confluência da capacidade destrutiva e burocratização da vida pública, expressa no famoso conceito de "banalidade do mal". Numa mescla brilhante de jornalismo político e reflexão filosófica, Arendt toca em todos os temas que vem à baila sempre que um novo morticínio vem abalar os lugares-comuns da política e da diplomacia".

Vamos à orelha: "Na Casa da Justiça de Jerusalém, o palco estava montado para um espetáculo de magnitude histórica; as vítimas de ontem alçadas à condição de juízes do antigo carrasco. Mais que um julgamento, uma lição e uma advertência: nada frearia a determinação do Estado judeu em capturar gente como Adolf Eichmann, um dos arquitetos da "solução final", raptado num subúrbio de Buenos Aires por um comando israelense em maio de 1960.

Tudo teria seguido como planejado, se ao menos o curso do processo não tivesse produzido a mais bizarra desproporção: quanto mais inflada a retórica da acusação, quanto maior o horror dos testemunhos, tanto mais se apagava e apequenava a figura do "monstro" na cabine de vidro. O fato não escapou aos olhos da filósofa Hannah Arendt, que assistia ao julgamento como correspondente da revista The New Yorker. Esquivando-se à paixão reinante, ela pode ver Eichmann em toda a sua mediocridade: um arrivista de pouca inteligência, uma nulidade pronta a obedecer a qualquer voz imperativa, um funcionário incapaz de discriminação moral - em suma, um homem sem consistência própria, em que os clichês e eufemismos burocráticos faziam as vezes de caráter.

Uma vítima, portanto? Longe disso: não há sofisma capaz de apagar seu papel na deportação de milhões de judeus para os campos de extermínio nazistas. O problema é que Eichmann descobre na própria mediocridade seu último trunfo: como condenar um funcionário honesto e obediente, cumpridor de metas, que não fizera mais do que agir conforme a ordem legal vigente na Alemanha de então?

A partir daí, fundindo o jornalismo político à reflexão histórica e filosófica, Arendt explora as implicações do caso Eichmann: o que fazer das noções de culpa e responsabilidade no Estado burocrático moderno? Em que medida a tragédia do holocausto deve servir para reformar o conceito usual de soberania e as relações entre os Estados? Como se vê, questões que não perderam a candência".

Me permito uma frase, retirada do primeiro capítulo, que eu adaptaria para a realidade brasileira e que diz respeito à justiça como espetáculo. Diz a escritora e filósofa: "A justiça não admite coisas desse tipo (espetáculo); ela exige isolamento, admite mais a tristeza do que a raiva e pede a mais cautelosa abstinência diante de todos os prazeres de estar sob a luz dos refletores". E uma última nota. A edição da Companhia das Letras não tem uma nota, nem de apresentação e nem um posfácio.

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