quinta-feira, 12 de agosto de 2021

O Quilombo dos Palmares nos tempos do Brasil holandês.

Gostei muito do livro do historiador Evaldo Cabral de Mello, O Brasil holandês. Cabral de Mello reúne e comenta  os principais documentos da época, dando aos historiadores e aos interessados de maneira geral uma obra quase definitiva sobre este período (1630-1654). Mas o objetivo deste post é outro. É o de dar uma visão do que foi o Quilombo de Palmares, sob o domínio e da ótica dos holandeses. Antes do relato deixo o link da resenha. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/08/o-brasil-holandes-evaldo-cabral-de-mello.html

A descrição do Quilombo está na parte II, do livro, O interregno nassoviano (Maurício de Nassau), no capítulo 12, As populações do Brasil holandês. A visão, por óbvio, que os holandeses tinham dos quilombos, era o de sua destruição. Mas vamos à descrição, antecipada de um pequeno comentário do organizador: "A formação de um quilombo nos Palmares precedeu a ocupação holandesa, mas os anos da guerra de resistência permitiu-lhe crescer perigosamente para a segurança das populações da área canavieira. Barleus reportou as providências tomadas ao tempo do governo de Nassau. (Gaspar Barleus é historiador holandês. O texto é retirado do livro História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. O livro está disponível para compra na Amazon).

O Brasil holandês de Evaldo Cabral de Mello. Penguin & Companhia das Letras. 2016.

"Resolveu-se também destruir os quilombos dos Palmares, para onde se dirigia uma aluvião de salteadores e escravos fugidos, ligados numa sociedade de latrocínios e rapinas, os quais eram dali mandados às Alagoas para infestarem as lavouras.

Os palmares são povoações e comunidades de negros. Há dois desses quilombos, os Palmares grandes e os Palmares pequenos. Estes são escondidos no meio das matas, às margens do rio Gungouí, afluente do célebre Paraíba. Distam de Alagoas vinte léguas e da Paraíba, para o norte, seis. Conforme se diz, contam seis mil habitantes, vivendo em choças numerosas mas de construção ligeira, feitas de ramos de capins. Por trás dessas habitações, há hortas e palmares. Imitam a religião dos portugueses, assim como o seu modo de governar: àquela presidem os seus sacerdotes e ao governo, os seus juízes. Qualquer escravo que leva de outro lugar um negro cativo fica alforriado, mas consideram-se emancipados todos quanto espontaneamente querem ser recebidos na sociedade.

As produções da terra são os frutos das palmeiras, feijões, batatas-doces, mandioca, milho, cana de açúcar. Por outro lado, o rio setentrional das Alagoas fornece peixes com fartura. Deleitam-se aqueles negros com a carne de animais silvestres, por não terem a dos domésticos. Duas vezes por ano, faz-se o plantio e a colheita do milho. Colhido este, descansam catorze dias, entregando-se soltamente ao prazer. A esses Palmares se vai margeando a Alagoa do Norte. Certo Bartolomeu Lins vivera entre eles para que, depois de ficar-lhes conhecendo os lugares e o modo de vida, atraiçoasse os antigos companheiros e servisse de chefe da presente expedição.

Os chamados Palmares grandes, à raiz da serra Behé, distam trinta léguas de Santo Amaro. São habitados por cerca de 5 mil negros, que se estabeleceram nos vales. Moram em casas esparsas por eles construídas nas próprias entradas das matas, onde há portas escusas que, em casos duvidosos, lhes dão caminho, cortado através das brenhas, para fugirem e se esconderem. Cautos e suspicazes, examinam por espias se o inimigo se aproxima. Passam o dia na caça e, ao entardecer, voltam para casa e se inquietam com os ausentes. Espalhando primeiro vigias, prolongam uma dança até a meia-noite, e com tanto estrépito batem com os pés no chão que se pode ouvir de longe. Dão ao sono o resto da noite e dormem até as nove ou dez hora da manhã.

O caminho destes Palmares é do lado das Alagoas. Encarregara-se um tal Magalhães, morador nas Alagoas, de comandar uma expedição contra estes Palmares, mas deveria ser tentada só em setembro, porque, adiantando-se o estio, há falta d'água. Assim calcularam os holandeses que poderiam subjugar aquelas populações com uma força de trezentos soldados, armados de mosquetes e espingardas, cem mulatos e setecentos índios guerreando com as suas próprias armas. Os petrechos bélicos eram machados, enxadas, bipenes (machadinha de dois gumes), facões, que serviriam para abrir e aplainar os caminhos, fora os instrumentos empregados nas nossas guerras. Prometiam-se recompensas aos índios, único meio de animá-los para o perigo. Entretanto, a rebelião de São Tomé e os aprestos de Brouwer, que ia partir para o Chile, fez fracassar esta expedição traçada pelo conde e pelo Conselho". Páginas 273-275.

E o quilombo ganhou sobrevida, até o ano de 1694. Uma resistência de mais de cem anos. As primeiras povoações surgiram a partir de 1580. Durante o domínio holandês, outros focos de interesse trouxeram o afrouxamento da vigilância e a consequente expansão do quilombo.

Um adendo. 22.09.2021. "E se aqueles intentos haviam sido efêmeros, sessenta e cinco anos haveria de durar o forte Quilombo dos Palmares, fundado em plena selva brasileira pelo grande chefe Ganga-Zumba, em cujas brandas fortificações de madeira e fibra se arrebentaram mais de vinte expedições militares, holandesas e portuguesas, dotadas de uma artilharia inoperante contra estratégias que renovavam velhos ardis de guerra númidas, usando-se animais, às vezes, para por em pânico o ânimo dos brancos. Invulnerável às balas era Zumbi, sobrinho do rei Zumba, marechal de Exércitos, cujos homens podiam andar pelos tetos das matas, caindo sobre as colunas inimigas como frutos maduros...". Extraído de: CAPENTIER, Alejo. O século das luzes. São Paulo. Global. 1985 (Páginas 242-3).




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