quarta-feira, 19 de junho de 2013

Reflexões em Torno das Manifestações Populares de Junho - 2013 - MPL.

De volta do Paraguai, almoçando numa churrascaria em Guaíra, um garção chega à nossa mesa e, com os olhos arregalados, nos dirige a palavra: "Olha, quantos garções estão aí parados". Imaginei que ele estaria se referindo a corpo mole e comentei: "assim você tem que trabalhar mais". "Não é isso" retrucou ele. "Eles estão aí parados por causa do pequeno número de clientes no restaurante" e complementou: "eu sou o único garção que estou em estágio probatório, - se mandarem alguém embora, serei eu o primeiro". Pouco depois,  já indo embora, o mesmo garção repete toda a conversa, acrescentando que fizera compras, com a perspectiva do novo emprego. Evidentemente que à prazo. Ele estava literalmente em pânico, para a síndrome, faltava pouco. No caso específico, a alta do dólar.

Creio que transpondo a história deste garção para milhares de brasileiros, conseguiremos entender o que está latente no povo brasileiro e que o faz se mover e ir para a rua protestar. O povo está tomado pelo medo. Vamos ver o que se passa? Alguns elementos de conjuntura mais amplos.
André Singer faz a análise sobre o governo Lula em Os sentidos do Lulismo - reforma gradual e pacto conservador. Companhia das letras.

Nos dez anos de PT no governo o povo brasileiro esteve em trânsito, no caminho de melhorias. Não canso de usar a imagem de Márcio Pochmann sobre este quadro ascensional. Ele compara o atual estágio brasileiro a um prédio moderno. Neste prédio existe elevador e escada. Todos podem subir. Em outros tempos a polícia, ou até o exército, impedia a subida pela escada. Agora, milhares de pessoas conheceram uma mobilidade ascendente. Ampliou-se o mercado interno e surgiu uma nova, mas frágil, classe média. Muitas políticas de Estado contribuíram para isso: elevação real do salário mínimo, boas negociações salariais nas datas base, redes de proteção social, isenções de impostos e acima de tudo a expansão do crédito, mecanismo intrinsecamente ligado ao endividamento. Mas o que se passa? O país não cresce mais. O modelo se esgotou.

Inúmeras pessoas atingiram a condição de classe média (seria mesmo classe média?) pela melhora da remuneração salarial, outros pelo empreendedorismo, abrindo pequenos negócios. A relativa tranquilidade lhes vinha com a perspectiva da continuidade do crescimento. Lula sobreviveu às crises e vem o governo Dilma. O PIB patina e a angústia e o medo se instalam. A inflação resiste em ser domada. A oposição, formada pelos demo-tucanos, pelos ex-comunistas arrependidos e pela imprensa conservadora (desculpem o pleonasmo) movem-se no anúncio de desgraças, esquecendo-se das desgraças causadas, quando no governo. Mostram-se como verdadeiras vestais, incorruptíveis e providos de ética. Alguns até se ufanam de terem as "mãos limpas". Especialistas ficam no ar 24 horas por dia, anunciando e descrevendo o caos. A crise é elevada ao quadrado e ao cubo. A intranquilidade é semeada. A economia não deixa de ter muitos componentes subjetivos. Boatos também a movem.
Naldo e Preta Gil farão show em evento-teste do novo Maracanã Christophe Simon/AFP

A copa e o superfaturamento na construção dos estádios em muito contribuiu para o movimento explodir.

E a nova classe média, aquela que se fez com pequenos negócios, se constituiu pela ideologia do empreendedorismo, uma ideologia absolutamente individualista, de self made man, de pouca compreensão histórica e de pouca visão solidária. Não ascenderam pela via dos movimentos sociais, das lutas coletivas e solidárias. São facilmente manipuláveis pela grande mídia. Creio que esta é uma pequena descrição do quadro latente no Brasil.

A isso somam-se alguns elementos de conjuntura, deste preciso momento. Os gastos absurdamente ridículos com os estádios, a copa, a percepção da corrupção, a bancada do PMDD, o furor da bancada evangélica, que quer penetrar até entre as quatro paredes das pessoas, para arrancar-lhes qualquer perspectiva de prazeres que a natureza humana proporciona, numa imbecilidade poucas vezes vista, e... o aumento da passagem do transporte público urbano, que junto com a má qualidade dos serviços, se transformou no ponto de ebulição, no estopim do que estamos assistindo. O povo está nas ruas.
O carro da Record é depredado
O povo e as suas mobilizações de rua. O perigo para descambar em vandalismo.

Sobre a corrupção, tenho uma hipótese particular. Com as privatizações sobraram menos espaços para alocar os eternos parasitas do Estado (Nunca pertenceram a classe trabalhadora). Este alocamento passou para as licitações. Os organismos de compra do Estado, em todos os seus níveis, federal, estadual e municipal e em todas as suas esferas, executivo, legislativo e judiciário, são grandes e envolvem cifras fabulosas. Uma  nova classe de lobistas está se formando e como estão licitando até quinquilharias, o conhecimento de suas ações se aproxima de muita gente. A impunidade é outro problema. Está aí o esforço dos políticos em diminuir os poderes de investigação pela famigerada PEC 37. Somente contra esta PEC, deveria ter o triplo de pessoas na rua.

Mas voltando ao preciso momento.Quem está na rua? É difícil de identificar. Quem convocou para estar na rua? As redes sociais. Este é um dado novo e significativo. Quanta força tem este novo instrumento de comunicação! Quem são líderes? Não sei responder. Qual a causa? Os vinte centavos do aumento do ônibus? Com certeza que vai muito além. Preocupante? Dentro do quadro institucional, creio que não. Haverá resultados? Creio que sim. No dia 17 estive na rua. Identifiquei pessoas de todas as tribos. Difícil explicar, ir além do quadro latente que tentei descrever.

O que espero do movimento? Muita coisa. No quadro político espero a emergência do novo, assim como o novo emergiu do movimento da anistia, da constituinte, das diretas, e dos caras pintadas. Que emerjam forças jovens, sem os vícios do pragmatismo político atual. Rotatividade no poder. Sim. Desde que rotatividade não signifique volta ao passado, mas sim, impulso para o futuro. "Água nova brotando"... No econômico, espero mudanças mais profundas, menos periféricas. Pauta, nós já temos. As reformas de base, que nunca foram feitas. Por estas reformas, agrária, urbana, tributária, educacional, poderíamos multiplicar os fatores de renda e poderíamos enveredar por um novo ciclo de crescimento econômico mais duradouro porque mais consistente, com distribuição de renda e alcançar uma sociedade, ainda não justa e igualitária, mas ao menos mais justa e mais igualitária.
Sedes de poderes constituídos são os alvos preferidos dos manifestantes. Os políticos são os visados.

Quanto a reivindicação imediata, a questão do ônibus, creio que esta estará resolvida já nos próximos dias. O caminho será o das isenções e subsídios, que sempre são concedidos para aquilo que o governo considera estratégico. A única diferença é que agora o povo está ditando para o governo o que ele, povo, considera como estratégico. O impacto da mobilização está atingindo a presidenta Dilma. Saíram as primeiras pesquisas. Creio que todos os políticos serão atingidos. E, uma última questão, estaria falhando a comunicação institucional do governo com o seu povo?

Estas são reflexões e percepções minhas. Não pretendo a verdade. Mas creio que fizemos algumas problematizações para entender, minimamente, o que se passa. Outra questão é a da reforma política. Sinto muito em dizer, isto me dói. Mas nestes partidos existentes, eu não milito em nenhum deles, embora eu veja com toda a clareza a diferença entre eles.

Acabo de receber pauta atualizada das reivindicações e prazos para atendimento.
I. PEC- 37 - Retirar de pauta - até 30.06.2013.
II. Saída de Renan Calheiros da Presidência do Senado - até 30.06.2013.
III. Revogar o aumento do transporte em todas as capitais do Brasil - até 30.06.2013
IV. Prisão para todos os condenados do mensalão - até 31.07.2013
V. Criação da CPI dos estádios, com rigorosa apuração nos superfaturados - até 31.07.2013
VI. Lei proibindo aumento de salários de deputados e senadores até 2018
VII. Proibição de novos aumentos no transporte público até 2016
VIII. Aprovação da Lei 2489/2011, que considera a corrupção como crime hediondo.






Um comentário:

  1. mãos limpas essa e boa,como diz meu amigo espanhol "muy "BUENO"
    att Sergio

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