quinta-feira, 5 de junho de 2014

A História de Tugater.

"Pai, é fácil! Diga a Tugater que para uma moça é proibido, é pecado: viajar, caçar, casar ou pescar". Esta é uma história que envolve a educação. Eu gosto muito do verbo formar e do substantivo formação e, as coisas começam a ficar complicadas quando você acrescenta alguns prefixos: de, con, in, re... Assim teríamos deformação, conformação, informação, reformar... Eu não falei que as coisas começariam a complicar.

Estes dias, preparando uma fala que teria bastante ressonância, procurei uma frase numa velha agenda minha. A encontrei na de 1995, uma bela agenda, do PT - 15 anos, trabalhada pelo Henfil. Encontrei outras coisas interessantes, sobre as quais falarei numa outra oportunidade. Hoje eu quero falar sobre a história de Tugater, que estava na agenda, com fonte e tudo. Naquele tempo a gente estudava interdisciplinaridade e, conforme indica a fonte desta história, lemos o livro de Regina Bochniak, Questionar o conhecimento. Digo, lemos, porque fazíamos isto num coletivo da APP-Sindicato, do qual eu era dirigente neste ano. Mas vamos à história:


"Num lugar e num tempo não muito distantes daqui, viviam, em uma fazenda de gado leiteiro, um senhor de idade avançada e seus cinco filhos. Quatro deles eram homens, e a moça, todos chamavam de Tugater, expressão holandesa que significa "irmã".
Conta-se que num belo dia, reuniram-se os quatro rapazes para conversar sobre seus planos de vida, quando o mais velho, pedindo a palavra, falou aos demais:

- Aprendi com meu pai como fazer oco o tronco de uma árvore, colocá-lo no leito de um rio, para que possa servir de transporte. Quero conhecer outros lugares, outros povos, outras gentes, por isso vou ter com o meu pai para dizer-lhe que pretendo deixar a fazenda para me tornar um grande viajante.
Diante do exposto, tomou-lhe a palavra o segundo dos irmãos, dizendo o seguinte:

- E eu aprendi com meu pai como escolher galho, fino e resistente, de árvore, para, com a corda encerada, transformá-lo em um arco-instrumento que pode, com firmeza, impulsionar uma flecha na direção de um animal que eu queira abater. Tenho muita habilidade, portanto, também pretendo falar com o pai para dizer-lhe que vou sair da fazenda a fim de tornar-me um grande caçador.
Chegada a vez do terceiro, ele explicou aos irmãos:

- Aprendi com meu pai que, quando o menino chega, como nós, à idade adulta, pode pensar em constituir sua própria família, casando-se. Conheci, na cidade, a loura Guiné, por quem me apaixonei profundamente. Quero com ela ter meus próprios filhos, motivo pelo qual, também, pretendo falar com meu pai; dele obter consentimento, sair da fazenda e construir meu próprio lar.
Finalmente, o mais moço, tomando a palavra, expôs em seguida:

- De minha parte, aprendi com meu pai como, em haste de bambu, prender uma linha resistente e, nesta, atar um anzol, para com este instrumento fisgar, no rio, os mais belos peixes. Gosto deste ofício e, como vocês, pretendo deixar a fazenda, à procura de rios mais piscosos, para tornar-me um grande pescador.
Diante do comum dos propósitos, combinaram então os irmãos, ir ter com o velho para falar-lhe.
Isto posto, isto feito, expostas ao pai as intenções, este entretanto objetou:

- nada tenho contra os vossos planos, senão o fato de, na minha idade, estar impossibilitado de substituir a todos, em seus afazeres, razão pela qual pergunto a meus filhos: se vocês partirem, quem cuidará da fazenda?

Surpreendidos com o impasse, voltaram a confabular os irmãos, no propósito de encontrar solução para o problema, o que não lhes pareceu de todo difícil.
Retornando ao pai, propuseram-lhe:
Pai, nós vamos embora, mas Tugater fica e cuida da fazenda para o senhor.
Isto posto, respondeu-lhes o velho:

- É possível... Mas quem poderá garantir que Tugater não venha, um dia, a ter comigo para dizer-me que, também, quer deixar a fazenda, com intenção de viajar, ou caçar, ou casar ou pescar?

O novo impasse fez com que voltassem a reunir-se os irmãos, porque não lhes era agradável abandonar seus propósitos. Depois de muito debater e discutir, encontraram alternativa, que em seguida foi levada ao pai.
Pai, é simples! Nada ensine a Tugater, pois assim nunca, como nós, fará planos de deixar a fazenda.

- O velho , após ouvi-los, meditou por instante e respondeu-lhes: É possível deixar de ensinar tudo o que ensinei a vocês. Mas quem poderá impedir que Tugater observe, um dia, um tronco podre boiando sobre o leito de um rio? Quem poderá impedir que, um dia, o tear de Tugater se curve e impulsione a agulha para a frente, como se fora uma lança? Quem poderá impedir que Tugater observe o ninho dos passarinhos na primavera? Quem poderá impedir de encontrar um pequenino peixe, preso no galho de uma árvore, à margem do rio?

Impasse mais grave, não foi o bastante para fazer os jovens desistir de seus sonhos.
Mais uma vez se reuniram em busca de solução para o problema agora mais sério. Foi necessária muita conversa, muita discussão, e muita argumentação, ao término da qual saíram ao encontro do velho, para finalmente dizer-lhe, convictos: Pai, é fácil! Diga a Tugater que para uma moça é proibido, é pecado: viajar, caçar, casar ou pescar.

Não antes de refletir muito, e por longo tempo, o velho dirigiu-se aos rapazes e por, sabiamente, saber não ter contra-argumento, deu a eles a permissão para partir.

E pelo que consta, até hoje Tugater vive na fazenda, com seu pai, encarregando-se de todo o trabalho". Até as páginas do livro estão anotadas: 109 a 111. E você? Sentiu a presença de concepções de educação e de mundo nesta história?


4 comentários:

  1. Sou professora, trabalho com formação em serviço para professores da EJA I em São José dos Campos. Por acaso, arrumando uma estante me deparei com um livrinho que conta a história de Tugater, também citando como fonte Regina Bochniak. Resolvi que iria trabalhar esse texto com os professores, tão logo voltem das férias. Uma ligeira pesquisa na web me trouxe ao seu blog. Agradeço muito por ter publicado aqui essa história, cujo conteúdo permitie tantas reflexões interessantes.
    Maria de Lourdes, de São José dos Campos. S.P aulo. Em 03 de julho de 2014

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  2. Oi, Maria de Lourdes.Eu adoro trabalhar com formação de professores. Sábado mesmo terei um encontro onde discutiremos Teoria e Práxis na educação. Marx e Engels e Paulo Freire estarão presentes. Mas a história de Tugater é realmente muito significativa. Agradeço o seu comentário.Ele me estimula para a continuidade do blog.

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  3. Este história me foi contada em 1988, no primeiro dia no Curso de Pedagogia da Universidade Positivo em Curitiba. Nunca mais esqueci desta história. Ela ressurge de uma certa forma nos tempos de hoje, e parecendo ser tão atual, a busca de fazer renascer diversas "Tugater"

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    1. Que beleza Mauro. Cheguei a esse curso de pedagogia da Universidade Positivo em 1999, na qualidade de professor. Foi muito bom ter trabalhado lá. Hoje, lamentavelmente a universidade foi vendida, foi absorvida pelo mercado educacional. Independente disso, a história de Tugater será sempre uma bela história.

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