segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Quincas Borba. Machado de Assis.

A grande tríade de livros da fase realista de Machado de Assis são Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro, escritos nessa ordem mesmo, em 1881, 1891 e 1900. O Quincas Borba é o único que tem narrador em terceira pessoa. Quem leu Memórias Póstumas de Brás Cubas deve lembrar que ele fora amigo de infância de Brás Cubas, que o encontrou mendigo e fundador de uma pobre filosofia chamada humanitismo. Passados dez anos, ele está de volta.
A tríade dos romances realistas de Machado de Assis. Da LPM.

Quincas Borba, o homem, aparece apenas nos capítulos iniciais do livro, mas nele permanece até o final,como o fiel cachorro por quem tem um zelo todo especial e a quem condiciona o usufruto de sua rica herança. Então os personagens principais do livro serão outros. O herdeiro único e universal, Rubião será o protagonista, secundado pela família Palha, Cristiano e Sofia. Sofia, por sugestão de amigos, seria personagem de um livro especial mas ele considerou, não ser isso necessário, pois, ela estava ali, inteira em Brás Cubas. São personagens, ainda, o advogado e jornalista Dr. Camacho e o casal Teófilo e Fernanda, ele um conceituado político, além de outros, menores em importância, mas precisamente colocados.

Rubião é um modesto professor da cidade mineira de Barbacena, que do dia para a noite vira um grande milionário. Depois de confirmado como herdeiro da fortuna de Quincas Borba, muda-se para o Rio de Janeiro, para a corte. Já na viagem de trem se torna amigo de Cristiano Palha e de sua bela mulher, Sofia, que lhe são muito amáveis. Rubião passa a frequentar a casa dos Palha, em Santa Tereza. Com Cristiano ensaia negócios e com Sofia amores. Cristiano "decotava" a sua mulher. Rubião lhe declara seus encantos e amores. Será... Sofia é uma das mulheres machadianas... Nunca se sabe.
Machado de Assis. O mulato pobre, erudito e talentoso a observar e descrever o seu país.

Sofia conta as cenas do jardim para Cristiano. Este prefere não romper com o amigo. Estaria o dinheiro falando mais alto do que a moral e os bons costumes? Seria Sofia uma das causas que levará Rubião aos delírios e à loucura. Ah! a noite no jardim, as estrelas, o cruzeiro, o olhar conjunto. Cristiano prospera nos negócios que tomam todo o seu tempo. A amizade e as visitas continuam mas Rubião se contrai em seus afetos, alimentando suas dúvidas. E o Carlos Maria?

Outro amigo será o advogado e jornalista, o Dr. Camacho. Este é dono de um jornal. Rubião vira uma espécie de sócio e até dá palpites sobre algumas palavras em um artigo. Capacidade para escrever, não tem. Entre jantares, bailes e com os amigos, Rubião vai gastando a sua fortuna. A loucura dá o seu grande sinal, quando salta no cupê de Sofia, nele se instala, lhe faz juras de amor e a nomeia com títulos de nobreza. Depois desse incidente, a sua situação só piora, enquanto as situações dos outros personagens vão se resolvendo. Teófilo e Fernanda entram na história por conta de Sofia e as suas ações de benemerência e por conta de sua sobrinha Maria Benedita, que Cristiano pretendera antes, "arranjar" para o rico herdeiro. Negócios em família.
O que sobraria dos conflitos? Ao vencedor, as batatas!

A gravidade da situação de Rubião faz com que as damas, Sofia e Fernanda o internassem. O médico que o trata promete cura, mas acha a sua história muito louca. Rubião lhe contara sobre Sofia. As dissimulações... Será que... Sofia e Fernanda também conseguem internar, junto com o dono, o seu cachorro. A história chega ao seu final, com a fuga de Rubião e de Quincas Borba, o cachorro. Seria interessante voltar para Memórias Póstumas de Brás Cubas, para a cena em que ele explica a sua filosofia ladeado de cães a disputar um osso. Rubião, nas cenas finais, é encontrado em Barbacena, onde é atendido pelo mesmo médico que atendera a Quincas Borba, o humanitista, em sua agonia final. Quincas Borba, o cachorro morre três dias após o seu dono.

O narrador encerra a sua história com um final bastante provocativo. Transcrevo todo o capítulo CCI (eu traduzo - 201 - Ah! bendita herança árabe). "Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que adoeceu também, ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do dono e amanheceu morto na rua, três dias depois. Mas, vendo a morte do cão narrada em capítulo especial, é provável que me perguntes se ele, se o seu defunto homônimo é que dá o título ao livro, e por que antes um que outro - questão prenhe de questões, que nos levariam longe... Eia! Chora os dois recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso, ri-te! É a mesma coisa O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens".
Capa da primeira edição. 1891.

Mais algumas observações. A primeira é com relação a data de publicação. Foi em 1891. Portanto já estávamos vivendo a República e, a escravidão já fora abolida. Os fatos narrados ainda são da monarquia e da escravidão. A segunda é um comentário, escrito numa espécie de posfácio do livro, por Carla Vianna, uma doutoranda em literatura da UFRGS., que fala da vida agitada deste período histórico, final do século XIX, do qual Machado foi atento observador. Diz assim:

"Daí surgem interpretações como a de John Gledson, para quem a loucura de Rubião era 'uma expressão do sentido histórico do Brasil'. Rubião não era uma personagem a simbolizar uma classe apenas, mas sim uma nação inteira orientada por ideias 'fora do lugar', como diz a famosa tese de Roberto Schwarz, num país movido economicamente pela produção agrícola e até 1888 pelo regime escravista, ostentando ao mesmo tempo o discurso liberal, numa composição de difícil convivência". Meus Deus! Como este livro é atual!

Mais duas passagens: "Mas estamos tratando de Machado de Assis, e nada nele é preto no branco: a conversa aqui é sobre um escritor de nuances, tendo em vista que, em suas páginas, o amor é também ciúme, traição, vontade sublimada; a bondade é febre de nomeada, carência afetiva, cinismo, interesse financeiro. O que faz rir na literatura de Machado também inspira a reflexão". Tudo isso em meio a um cenário como o descrito no parágrafo acima. E o que sobrou para o vencedor ou aos vencedores: "- Ao vencedor, as batatas!" -.
Roberto Santos levou Quincas Borba ao cinema.


Sobre o narrador em terceira pessoa é necessário lembrar que o estado mental de Rubião não lhe permitia ser ele o narrador. Ele "demonstra-se incapaz de racionalizar os acontecimentos, tendo que outro assumir a tarefa: um narrador em terceira pessoa, que se identifica como o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, ou seja, uma voz que não faz parte da história narrada, mas de outra, da história de um mulato pobre que através de sua erudição e de seu talento, registra no branco do papel a tinta negra de um país que estava aprendendo a contar suas histórias".   

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