quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A Desordem Mundial. Moniz Bandeira.

Elaborar uma resenha do livro do professor Luiz Alberto Moniz Bandeira - A Desordem Mundial - O espectro da total dominação - Guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias - não é uma tarefa fácil. São 643 páginas, divididas entre uma introdução, 24 capítulos e um epílogo, além de fotografias e muitos mapas, em que é mostrada toda a geopolítica mundial, comandada pelos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial.
O monumental livro do professor Moniz Bandeira.

A tese fundamental é a de que os Estados Unidos, a partir de Wall Street e consorciada com Washington, estão no rumo de um poder ou domínio total do mundo, a partir dos comandos emanados pelo capitalismo, já em sua roupagem de capitalismo financeiro parasitário. Mostra como os fascismos europeus, combatidos ao longo da Segunda Guerra, foram gradativamente incorporados à governança global com a supressão das liberdades e das garantias individuais. A democracia americana não passa de um mito, sustentado por uma poderosa mídia.

O livro passa por uma análise do que foi a geopolítica da Guerra Fria e da Bipolaridade e o seu desfecho com o fim da União Soviética e com o 11 de setembro, quando se instituiu o poder único no mundo, sob a ditadura da ideologia do liberalismo econômico, sem levar em conta a contrapartida dos direitos preconizados pelo liberalismo político. Combate ao terror, não mais ao comunismo, guerras preventivas e mortes milimetricamente planejadas com a utilização de drones passaram a ser os componentes desta nova desordem mundial. 

Na introdução encontramos uma preciosa frase buscada na mitologia nórdica que mostra, tanto uma concepção de história, quanto um método de análise: "O tempo, na mitologia germano-nórdica, é indivisível. O passado mantém-se vivo e desdobra-se no presente, que flui continuamente, como poderosa realidade" (25). Mostra ainda a estrutura complexa dos fatos, o que poucas vezes é levado em consideração, quando governantes tomam decisões de fundamental importância para o mundo. Nesta introdução ainda é mostrada a central do poder, donde emanam as determinações da política externa dos Estados Unidos, nas questões que envolvem a Síria e a Ucrânia. É também mostrada a força da Rússia, que após o desastroso governo neoliberal de Yéltsin, recuperou o seu prestígio internacional com o governo de Putin. Putin é hoje um personagem decisivo em tudo o que acontece, tanto na Síria, quanto na Ucrânia.

Os primeiros seis capítulos são dedicados ao mundo do pós Segunda Guerra, de como o fascismo se transformou no modus operandi do capitalismo, uma vez que os princípios do liberalismo econômico se sobrepuseram aos do liberalismo político. Vejamos: "Onde e quando a oligarquia e o capital financeiro não mais conseguem manter o equilíbrio da sociedade pelos meios normais de repressão, revestidos das formas clássicas da legalidade democrática" (37) os interesses desta oligarquia se sobrepuseram à sociedade por atos de força e atrofiaram as liberdades e, assim salvaguardaram os seus interesses. Assim, com os poderes concentrados e com ampla utilização dos meios ideológicos, nem mesmo necessitam do uso dos meios repressivos mais violentos. Aglutinam também setores da sociedade civil, especialmente entre as organizações católicas e evangélicas conservadoras, através de sedutores financiamentos, formando o complexo ideológico dos neocons.

Depois, nos próximos três capítulos, o estudo se volta mais para a Rússia. Busca as suas raízes históricas, passa pela Revolução de 1917, pela sua atuação nas guerras, pela geopolítica nos tempos  da Guerra Fria e da Bipolaridade, pela desintegração da URSS e terminando com a reconquista da proeminência russa no mundo sob o governo de Putin. Neste momento o livro atinge um de seus pontos mais elevados, com alguns capítulos dedicados à Ucrânia. A sua dúbia participação na Segunda Guerra e nas deserções ao Exército Vermelho para se posicionarem lado a lado com as forças nazistas alemãs.  A análise termina com as mais recentes ações como o golpe contra o governo democrático de Yanukovych e a sua substituição por um governo nacionalista e neonazista, sob o comando do miliardário Poroshenko. Nos apresenta ainda o fato de que as relações da Ucrânia com a Rússia são historicamente umbilicais e impossíveis de serem rompidas sem graves implicações sociais, políticas, econômicas e culturais.


Os últimos capítulos se voltam para o Oriente Médio e, em particular, para a Síria. Antes o olhar se voltara para as desastrosas intervenções militares de Obama, um belicista Nobel da Paz, na Primavera árabe, em particular na Líbia, na destruição de Gaddafi e o seu regime, deixando o país em catástrofe total. Com relação à Síria, mostra o envolvimento de vários países, bem como os interesses que os movem. Estes países, aliados dos Estados Unidos são Israel, Arábia Saudita e Turquia. Por sua vez a Rússia de Putin é aliada do governo laico de Bashar Al Assad, o que incomoda outros países islâmicos. E como fica o problema do combate ao Estado Islâmico e em especial a organização do grupo Da'ish?

Esta e outras questões são abordadas e respondidas a seguir. São questões extremamente complexas pois envolvem o financiamento do Estado Islâmico e as diferentes formas como ele ocorre. Daí segue a denúncia de que tudo é feito a céu aberto, pois os Estados Unidos simplesmente  fecham os olhos para a corrupção de seus aliados envolvidos no processo. Tráfico de armas e de combustíveis.

No epílogo encontramos mais uma frase de fundamental importância, retirada do pensamento de Spengler, de que "não há ideais, verdades, razão, honestidade e equidade, mas apenas fatos". C'est la realité des faits. A partir desta citação o autor conclui o monumental trabalho deste livro.

"E os fatos, ao longo da história, sempre mostraram que os Estados Unidos e as grandes potências capitalistas jamais efetivamente entraram em guerra pela democracia e pela liberdade, para proteger civis ou direitos humanos, senão tão somente a fim de defender suas necessidades e interesses econômicos e geopolíticos, seus interesses imperiais. E palavras não mudam a realidade dos fatos" (513). Lembrando que estes conceitos sempre estiveram presentes nas guerras feitas ou patrocinadas pelos Estados Unidos, e, diga-se de passagem, foram muitas. O complexo industrial militar agradece.

O livro foi lançado em 2016, pela Civilização Brasileira. É um livro para curiosos e estudiosos, especialmente para professores e alunos de geopolítica, em particular, para os que estudam nos cursos de Relações Internacionais e Jornalismo. Moniz Bandeira me acompanha desde os anos 1970, com o seu livro Presença dos Estados Unidos no Brasil. 




2 comentários:

  1. Sem sombra de dúvida, um grande livro. Essencial para compreender o que se passa neste mundo de hoje. Agradeço o comentário.

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