quinta-feira, 20 de julho de 2017

Complexo de vira-latas. Nelson Rodrigues.

Complexo de vira-latas. Esta é seguramente uma das expressões muito usadas com relação a um complexo de inferioridade do Brasil, ou do povo brasileiro, diante de outros povos, especialmente, diante dos europeus e dos Estados Unidos. A expressão tem origem no futebol, mas lamentavelmente não se restringe a ele. Ele se refere também a questões raciais e econômicas e tem consequências gravíssimas para a economia e a sociedade brasileira.
Curiosidades para além da literatura. O conhecimento de um ser humano e a sua época.

O Brasil como país, pátria ou nação tem um despertar tardio. Muitos de nossa elite fizeram todo um esforço e teorizaram de que seríamos uma eterna colônia. Misturas raciais não combinavam com as chamadas eugenias raciais e o determinismo geográfico climático seriam os pecados originais de nossa eterna condenação. Estas teorias começaram a ser contestadas e revertidas, especialmente, a partir dos anos 1930, com escritores como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e também José Lins do Rego. Isso ocorreu no campo racial e econômico e com a construção da nação brasileira a partir dos anos 1930.

Lendo o ABC de José Lins do Rego, encontrei referência direta para a expressão "complexo de vira-latas". É sabida de todos a grande paixão do escritor paraibano pelo futebol. A sua aproximação com este esporte se deu através de Leônidas, o "craque de ébano". Este craque começou a despontar em 1932, quando o Brasil conquistou, no Uruguai, a  copa Rio Branco. Em 1943, Mário Filho escreveu a respeito - Copa Rio Branco 1932 - e José Lins do Rego prefaciou o livro e mostrou todo o seu entusiasmo:

"Os rapazes que venceram em Montevidéu eram um retrato de uma democracia racial, onde Paulinho, filho de uma família importante, se uniu ao negro Leônidas, ao mulato Oscarino, ao branco Martins. Tudo feito à boa moda brasileira, na mais simpática improvisação. Lendo este livro sobre futebol, eu acredito no Brasil, nas qualidades eugênicas dos nossos mestiços, na energia e na inteligência dos homens que a terra brasileira forjou com sangues diversos, dando-lhes uma originalidade que será um dia o espanto do mundo". Um tanto romântico, mas que faz tanto bem, em tempos de extravasamento de ódio, como os que estamos vivendo.

Na Copa do Mundo de 1938, na França, o Brasil conquistou o terceiro lugar e Leônidas, o "diamante negro" foi o craque e goleador da copa. Aí veio a interrupção das copas, por 12 anos, provocada pela segunda guerra, mas a paixão pelo futebol só crescia. A copa apenas voltaria em 1950 e o Brasil se candidatara a sediá-la. Mas aí começa a história do complexo. Vou descrevê-la na íntegra, na pena de Bernardo Borges Buarque de Holanda, em seu livro ABC de José Lins do Rego. Isso está nas páginas 170-171.

"Finda a guerra, em 1944, o Brasil se candidatou a realizar a IV copa do Mundo de futebol, prevista para o ano de 1950. Em companhia de Mário Filho, José Lins se empenhou com afinco para que o país sediasse o campeonato.

A fim de dar mostras da capacidade do desenvolvimento do Brasil como nação moderna e civilizada, o escritor participou de maneira ativa da campanha pela construção de um estádio, grande e moderno, aquele que fosse "o maior do mundo". Graças a empenhos como esses, entre 1948 e 1949, foi construído o "colosso do Derby", designação inicial para o Estádio Municipal do Rio de Janeiro. Hoje, o estádio é conhecido popularmente como Maracanã. De fato, ao longo do tempo, o estádio ficou conhecido por atrair as massas. Dada a grandiosidade de sua arquitetura, o estádio foi capaz de receber aglomerações de até 200 mil pessoas, cerca de um décimo da população da cidade do Rio na época.

A Copa foi afinal realizada com sucesso, mas o resultado da equipe brasileira não foi o desejado pela população e pelas autoridades. A derrota frente à tradicional e forte seleção uruguaia, na partida decisiva, ganhou tintas de uma tragédia grega. A tristeza não impediu que José Lins do Rego visse naquele resultado uma prova de amadurecimento do povo brasileiro. Este soube se valer da perda do título para extrair uma lição de aprendizagem.

Quatro anos depois a equipe do Brasil protagonizaria um novo insucesso nos campos de futebol, durante a Copa do Mundo da Suíça (1954). Ao contrário da posição afirmativa de José Lins, que chegara a angariar fundos para a viabilização da viagem da delegação aos cantões suíços, as críticas aos jogadores viriam ampliar o ceticismo dos cronistas quanto a uma suposta fraqueza de índole dos atletas brasileiros. Esses eram vistos pelas classes dirigentes como expressão dos problemas e deficiências inerentes à formação histórica da nacionalidade e ao caráter do homem comum brasileiro.

Essas dificuldades se manifestaram em termos de uma psicologia coletiva: Na hora H, nos gramados, em momentos de decisão, o brasileiro tremia, fraquejava, deixava se intimidar diante dos adversários. Faltava-lhe o sangue-frio dos europeus, como os jogadores húngaros, contra os quais os brasileiros foram eliminados da competição. Trocando em miúdos, tratava-se daquilo que o cronista Nelson Rodrigues, em 1958, apelidou jocosamente de "complexo de vira-latas". A ideia de uma inferioridade inata, fruto da mistura racial exacerbada no Brasil".

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