segunda-feira, 3 de julho de 2017

Os filhos de Lobato. J. Roberto Whitaker Penteado.

Quem é que diz que toda a literatura acadêmica é chata? Acabo de ler um excelente trabalho, uma tese de doutorado, que tem por título Os filhos de Lobato - o imaginário infantil na ideologia do adulto. Seguramente um trabalho nota dez, com direito a publicação em livro. Cheguei a ele, de uma forma como certamente o autor não gostaria, através de uma promoção da Top Livros, de livros de ponta de estoque. Mas isso em nada desmerece o trabalho de José Roberto Whitaker Penteado. Os seus trabalhos relativos a este doutorado foram desenvolvidos na UFRJ.
Um livro maravilhoso. Ótima contextualização e fabulosa análise.

Os filhos de Lobato é uma referência clara sobre a influência exercida sobre as crianças por parte do maior escritor da literatura infantil brasileira. Estas influências são analisadas no último capítulo de sua tese, que é, com certeza também a parte mais difícil de ser investigada. Monteiro Lobato é um escritor extremamente polêmico e, pelo que consta, está eliminado da escola brasileira, sob a acusação de fomento de racismo. Todas estas questões, mais as relacionadas ao seu nacionalismo e a sua luta em torno do petróleo me motivaram para esta leitura, da qual saio plenamente satisfeito.

A tese de José Fernando se desenvolve através de cinco capítulos, a saber: I. Um homem da velha República; II. O nascimento da ideologia; III. A saga do Picapau Amarelo; IV. "Nós precisamos endireitar o mundo, Pedrinho"; V. Os filhos de Lobato. Além dos cinco capítulos, obviamente, tem a apresentação e as conclusões. O livro tem três apresentações. Uma de Ana Maria Machado, que se apresenta como uma das filhas do escritor, de José Murilo de Carvalho, o orientador e de Muniz Sodré de Araújo Cabral, que dá amplo destaque para Emília.

No primeiro capítulo Monteiro Lobato é situado no tempo e no espaço. Nele é reconstituído um ser concreto.  Ele nasceu em Taubaté, em 1882 e morreu em São Paulo, em 1948. As suas atividades foram variadas e também exerceram forte influência sobre a construção do seu olhar para o mundo, olhar este que ele imprimiu em sua literatura. Foi fazendeiro e lidou com café e com empregados, obviamente. Daí a sua visão sobre o povo e o Jeca, o "piolho da terra". Preconceito ou chamada de atenção para o problema? Foi empresário da mineração e do ramo editorial. Nunca foi muito bem sucedido. Era grande admirador das teorias fordista e taylorista. Era grande admirador dos Estados Unidos e de seus valores liberais, com destaque para o individualismo, que chegou a ele, também pelas obras de Nietzsche, de quem era fã incondicional. Este capítulo é formado por seis diferentes tópicos. Pelo meu interesse, o mais interessante dos capítulos, pela contextualização do autor dentro do Brasil da época.

No segundo capítulo entramos mais de perto nos anos de formação do escritor, nas suas experiências de infância e adolescência, nas suas leituras e o contato com a literatura infantil mundial e sobre a sua recepção destas obras. Um belo passeio pelo mundo da literatura infantil. Irmãos Grimm, Andersen... Pequeno Polegar, Chapeuzinho Vermelho, Bela Adormecida... Também são vistas as críticas de Lobato à escola formal, especialmente, ao cerceamento que ela faz sobre a criatividade das crianças. Se preocupa com a preservação da identidade das crianças. Mais uma vez, fortes influências de Nietzsche.

"Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar". Talvez esta frase seja uma síntese perfeita da literatura infantil de Monteiro Lobato. Aliás, a literatura infantil foi o que mais certo deu na vida do autor. Em nenhum outro empreendimento ele foi bem sucedido. O que ele queria efetivamente transmitir através de sua literatura? Isso estava bem claro para o autor. É ele um homem formado dentro das concepções do iluminismo, do positivismo e do evolucionismo. Era a favor do progresso e contra o atraso, procurando combater estas forças promotoras deste atraso. Foi notável o combate que ele sofreu por parte dos católicos, especialmente por seu livro História do mundo para crianças. Muitas condenações por parte do padre Sales Brasil, especialmente, nas concepções contrárias ao criacionismo. Neste capítulo são apresentados os diferentes personagens e as mensagens das quais são portadores. O padre queria queimar os seus livros. Lobato chegou a ser preso pelo Estado Novo.

O quarto capítulo, é bem ilustrado por uma frase de Pedrinho, um dos personagens infantis permanentes da obra. "nós precisamos endireitar o mundo, Pedrinho".  Neste capítulo são esmiuçados os temas abordados e as mensagens de que os personagens são portadores. Lobato era um liberal declarado e também nacionalista, mas como liberal era também anti estatal. Era a favor da exploração do petróleo brasileiro, mas o modelo deveria ser o americano, cabendo a sua exploração à iniciativa privada. Valores tradicionais são vistos com desdém, como os valores da família, em favor da autonomia das crianças. Contra o povo/massa exaltava o valor do indivíduo. Dona Benta e Emília são os grandes personagens portadores da ideologia de Lobato e Nastácia é o personagem que recebe hoje, as maiores críticas, em função do que foi e é considerado como pregação racista. Sua obra é extremamente politizada, mas fora de qualquer visão de política partidária.

O quinto capítulo fala da recepção da obra e de suas influências sobre o mundo infantil. Trata-se de um belo estudo e foi este o objetivo maior da obra. Reparem bem o título. Os filhos de Lobato. Muitos destes filhos são entrevistados e a estes é solicitado sobre as influências que a obra teve em suas trajetórias de vida. Um trabalho que, convenhamos, deve ter sido muito difícil de fazer. Muitos elementos subjetivos e também a questão da formação que percorre muitos e diferentes caminhos. Freud ganha um bom destaque. Recordações e influências da infância.

Em suma, muito aprendi com esta leitura. Também devo confessar que eu não sou um filho de Lobato, embora os anos de minha formação escolar tenham sido os momentos de auge da influência do autor. Nossas leituras eram extremamente selecionadas pelos guardiões de nossa formação, que afastavam de nossos horizontes tudo o que não fosse da tradição do catolicismo, um dos pontos, exatamente, sob o ataque de Lobato.





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