segunda-feira, 17 de julho de 2017

Por que ler Oswald de Andrade. Maria Augusta Fonseca.

A leitura de um livro muitas vezes pode levar a leitura de outro. Foi o que aconteceu comigo, que após a leitura de Oswald de Andrade - biografia, de Maria Augusta Fonseca, li agora, da mesma autora Por que ler Oswald de Andrade. A biografia me impressionou muito e o mesmo aconteceu agora com um passeio pela sua obra. Adquiri os dois livros numa mini feira de livros, da Top Livros, que vende ponta de estoque, ou seja, os livros que encalham nas editoras. Só assim para poder comprar livros, quando se tem um governo que não dá reajuste salarial aos professores estaduais. Quero deixar claro que sou professor aposentado da rede pública estadual do Paraná, onde o governador é o minúsculo carlos alberto richa, minúsculo como político, porém forte em sua virulência.
Um livro magistral. Em favor de uma cultura realmente brasileira.

Oswald de Andrade é um dos maiores nomes da cultura brasileira. Teve, na organização da Semana de Arte Moderna, de 1922, a sua maior evidência. Creio que o podemos caracterizar como um espírito extremamente irrequieto e insatisfeito com os destinos gerais da nação brasileira, especialmente, o seu atrelamento cultural aos padrões culturais europeus. Por este atrelamento jamais haveria criação cultural própria, apenas cópia.

Conversando com um professor da área de literatura, ele me contou que nos seus anos de formação acadêmica, eles recebiam orientação para não lerem Oswald de Andrade, mas apenas Mário de Andrade. Este sim era um escritor de valor. É compreensível. Oswald de Andrade é realmente um grande e irreverente iconoclasta. Quem se utiliza da ironia, da sátira e do escracho sempre estará sujeito a ter poderosos inimigos. Pelo pouco que dele li, já o considero meio imprescindível para quem efetivamente queira conhecer a realidade brasileira, especialmente em seus aspectos culturais.

O livro tem cinco capítulos, mas é centrado no terceiro. No primeiro - um retrato do artista - são retomados dados biográficos do autor. Oswald nasceu em berço esplêndido e a família nunca economizou recursos para que ele acompanhasse a evolução cultural mundial. Onde ela acontecia, Oswald deveria estar presente. Assim a sua vida girou em torno dos grandes polos culturais da humanidade. A crise do café atingiu os alicerces econômicos da família, somados a questões administrativas, com as quais o homem da cultura tinha poucas afinidades.

No segundo capítulo - cronologia - a sua vida é apresentada em sua linearidade, começando com o nascimento em 1890 e terminando em 1954, o ano de sua morte. Abolição da escravidão, fim da monarquia e proclamação da República são fatos que repercutem em sua infância. Ganham destaque também os movimentos de tomada de consciência deste país, ao final da década de 1910 e ao longo da década de 1920, sendo ele um dos mais ativos participantes, com grande destaque para 1922. Estrondosas vaias não o perturbaram. A fase posterior ao 1930 também está vivamente presente em sua vida e obra. Neste período trilhou até os caminhos da esquerda integrando-se, de forma meio rebelde, ao partidão.

O terceiro capítulo - Ensaio de Leitura - ocupa em torno de dois terços do livro, e sem dúvida é a sua razão de ser. Toda a sua obra é analisada. Não apenas os livros, mas também as suas intervenções como ativo cronista dos grandes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Inicia com O Pirralho e termina com Um homem sem profissão sob as ordens de mamãe, passando pelo Manifesto da Poesia Pau Brasil, e do Manifesto antropofágico, um verdadeiro libelo contra a nossa dominação cultural. Não resisto em apresentar um parágrafo do livro sobre esta questão.

"Como se sabe, entre os diversos sentidos do termo, a antropofagia é conhecida como um ritual de valoração para certos ameríndios que comiam o inimigo a fim de assimilar suas qualidades de guerreiro. No manifesto, à luz dessa tradição, Oswald elaborou a paródia de uma conhecida  fala do príncipe Hamlet, devorando a seu modo a cultura europeia. Arrancava disso uma questão nuclear - Tupi or not tupi - that is the question. Oswald formula essa nova dúvida também como um desafio, por um trocadilho brincalhão. Nota-se que escreve sem usar um único termo da língua portuguesa, já que "tupi" é um som transliterado da língua geral (sem registro escrito). Nesse esforço de conscientização, Oswald repeliu no manifesto a "catequese" da "raça superior", do conquistador que impôs ao ameríndio sua moral repressora, castrando sua cultura, "vestindo suas vergonhas", lembrando que o colonizador branco esmagou a cultura nativa".

A análise passa ainda pelo O Homem do Povo", a fase comunista pela qual passa o escritor junto com Pagu, sua companheira nesta empreitada. Passa ainda pelo seu teatro, com grande destaque para O rei da vela. Passa também pela crítica social de O santeiro do mangue, em que são retratadas as mazelas da sociedade brasileira e a perversidade de sua elite. Também a sua poesia é analisada. Por fim é vista a sua obra de ficção. Memórias sentimentais de João Miramar, Serafim Ponte Grande, Marco Zero e o último de seus livros Um homem sem profissão sob as ordens de mamãe. Confesso que estes últimos são os que mais me interessaram, junto com o rei da vela e os manifestos.

Entre aspas é o nome do quarto capítulo. Neles são escolhidos, aleatoriamente, algumas passagens notáveis de sua obra. O livro se encerra com o quinto capítulo Estante, onde a sua obra é apresentada. Mas não posso encerrar este post sem a memorável frase de Oswald que serve de epígrafe ao livro. CONTESTAR É UM DEVER DA INTELIGÊNCIA.


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