Tive oportunidade de participar deste encontro. Considero esta carta manifesto como uma das melhores análises conjunturais da situação educacional do país, especialmente, no que se refere ao Ensino Médio. A publico, em primeiro lugar pela sua importância e em segundo, para que mais gente tenha acesso a ela, para efeitos de estudos e debates. Ela vai na íntegra, junto com as primeiras assinaturas que foram apostas ao importante documento.
Cartaz convocando para o XVII Encontro do Nesef.
Carta-Manifesto
contra privatização e a descaracterização da Educação Pública no país e
pelo fortalecimento do Fórum Nacional em Defesa da Filosofia no Ensino
Médio
Curitiba, 23 de junho de 2017.
Nós professores/as,
estudantes, profissionais em educação e entidades educacionais,
estudantis e sindicais reunidos no XVII Encontro do Nesef, V Olimpíada
do Ensino Médio e I Encontro Nacional de Educação Filosófica, em 23 de
junho de 2017, na Universidade Federal do Paraná, norteados pelo ideal
da formação integral e pela garantia dos direitos dos cidadãos, vimos a
público nos manifestar: (1) contra as Reformas em curso, em especial,
as voltadas ao Ensino Médio; (2) contra quaisquer intimidações,
cerceamento das liberdades constitucionais de manifestação e organização
e ameaças perpetradas pelo Estado de Exceção.
É sabido que as
Reformas educacionais, recentemente impostas pelo Executivo, com o apoio
da maioria dos Congressistas, integram um projeto que visa, ao mesmo
tempo, enfraquecer o Estado Democrático e de Direito e franquear todos
os serviços e bens públicos à iniciativa privada. Existe, portanto, uma
ligação estreita entre o conjunto das Reformas, que principiou com o
congelamento dos investimentos públicos em saúde, educação e segurança
públicas por vinte anos a partir de 2018, seguiu com a Reforma do Ensino
Médio e a abertura total à terceirização de atividades laborais e
pretende, ainda, aprovar leis que, na prática, cassam o direito à
aposentadoria da classe trabalhadora e reduzem seus direitos a patamares
semelhantes aos vigentes no século 19.
Todas as reformas hoje em
andamento no Brasil têm relação direta com o projeto privatista,
neoliberal que se fortaleceu a partir de 2015, e cuja concretização tem
ocorrido desde 17/04/2016, quando a Presidenta Dilma Rousseff,
legitimamente eleita, foi afastada do cargo, em Sessão presidida pelo
Supremo Tribunal Federal a pretexto de um “crime” jamais tipificado como
tal.
O processo de impeachment resultou, pouco mais de um ano
após sua efetivação, em Reformas que aviltam a democracia, retiram
direitos dos/as trabalhadores/as, transferem recursos naturais nacionais
(petróleo, água, biodiversidade) aos grupos multinacionais e visam
transformar a Saúde, a Educação e a Segurança Pública em serviços
privados sustentados com o dinheiro público.
Nesse verdadeiro
“leilão” em que o Brasil foi transformado pelo golpe jurídico e
midiático, perdem os/as cidadãos/ãs, ao passo que as grandes
corporações, os bancos internacionais e o agronegócio tendem a lucrar
cada vez mais.
A Reforma do Ensino Médio retira a autonomia das
escolas, acaba com a possibilidade de que as mesmas sejam geridas de
forma mais democrática, desconfigura o papel do/a pedagogo/a escolar,
banaliza os conteúdos escolares, retira a identidade profissional dos/as
professores/as, reduz
drasticamente o acesso de estudantes ao
conhecimento sistematizado, fere de morte o ensino noturno, a modalidade
Educação de Jovens e Adultos e os cursos de Ensino Médio Integrado à
Educação Profissional, além de direcionar aos empresários da educação
boa parte dos recursos do Fundeb. Em suma: o que está em curso não é um
projeto modernizante para a educação brasileira, mas o aprofundamento de
um projeto de Estado de caráter privatista e entreguista, marcado pelo
aprofundamento do neoliberalismo, no âmbito, global e pela “rapinagem”
dos recursos públicos, no âmbito nacional.
Embora a classe
trabalhadora ainda não pareça ter se dado conta da gravidade da
situação, ou seja: a população em geral, que não se resume a uma classe
média conservadora e incauta, ainda pareça não conseguir diferenciar o
modelo neoliberal de rapina que o governo golpista e seus aliados estão
implementando a passos largos, do modelo de base reformista-progressista
que predominou no país desde 2003, entende-se que é preciso reagir.
A reação, por sua vez, presume conhecimento das medidas, considerando
suas intenções e prováveis efeitos imediatos e de prazo mais longo.
A Reforma do Ensino Médio, Lei 13.415/2017, ponto-chave das ações de
deterioração do Estado de Direito, foi apresentada a partir de uma
Medida Provisória, cuja origem encontra-se no PL 6840/2013.
Promulgada mediante um ato unipessoal, autoritário do presidente da
República Michel Temer, com força imediata de lei, a Reforma interrompe
violentamente um processo de discussão em curso no interior dos
diferentes espaços, como escolas e universidades e, também, no Mec.
A Reforma, em suma, desconsidera as Conferências de Educação e o PNE,
assim como todo o acúmulo de discussões, projetos e programas realizados
por quem tem autoridade pedagógica, intelectual e moral para intervir
no campo educacional, isto é, os próprios sujeitos que cotidianamente
vivenciam e pensam a Educação.
O texto da lei altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº9394/96, para instituir uma
suspeita jornada em tempo integral no Ensino Médio, dispondo sob a
reorganização do currículo em áreas do conhecimento, tais quais:
Linguagens, Matemática, Ciências da natureza e Ciências humanas,
justaposta à Base Nacional Curricular Comum (BNCC).
Mas, é no
financiamento, a parte do texto mais negligenciada pela grande mídia,
que a Reforma diz realmente a que veio. Foram, aliás, as mudanças no
financiamento da Educação e da Saúde, que obrigaram o Governo Michel
Temer a realizar alterações no texto da Constituição de 1988. Ocorre que
o Novo Ensino Médio, subverte a lógica redistributiva e equacionadora
das diferenças regionais do Fundeb; transforma os Sistemas de Ensino,
Estaduais e Municipais, em agentes que têm a tarefa de redistribuir os
recursos educacionais para a iniciativa privada, tendo como critério
principal os interesses imediatos do mercado. A formação de estoque
populacional de mão-de-obra, conforme manifestação do setor da indústria
paulista, presente nas solenidades de divulgação da Reforma, em 2016,
é, segundo executivos do atual Mec, o objetivo da Escola Pública.
Para tanto, propõe-se a composição do currículo do Ensino Médio a
partir da BNCC e por Itinerários Formativos Específicos, estes definidos
pelos sistemas de ensino, sob a pressão do mercado, que, via de regra,
financia o sistema eleitoral e tem com Governadores e Prefeitos uma
relação historicamente marcada pela troca de benesses mútuas.
A
5ª área (itinerário formativo) incluída, posteriormente ao PL 6840/2013,
na MP e no texto final da Lei 13.415/2017, chamada de Formação Técnica e
Profissional, é a que mais claramente abre o espaço da escola pública
para Sistemas privados, como o Sistema S (SENAC, SENAI, SESI), na
formação tecnicista de mão-de-obra.
A Reforma vai mais longe ao
abandonar a exigência de formação superior (licenciatura) para docentes e
ao obrigar que haja mecanismos de certificação de todas as vivências e
cursos realizados pelos estudantes, independente de sua qualidade ou
pertinência epistemológica. Ela incentiva e facilita a Educação a
Distância, a adoção de sistemas de créditos e a organização escolar
modular.
A ampliação do tempo escolar é, por assim dizer, uma
falácia, pois na verdade, conforme a Portaria Mec 1.145/2016, que
regulamenta a Reforma, há a redução de, no mínimo, 1/5 do tempo hoje
destinado à socialização dos conhecimentos historicamente produzidos e
socialmente referendados. Não por acaso, as únicas disciplinas com algum
destaque no texto são as que atualmente integram as provas dos viciados
Sistemas de Avaliação em Larga Escala, estes, também, desfigurados de
seu papel social de servir como elementos de orientação de políticas
públicas educacionais e, como toda a área social, atualmente entregue
aos empresários da educação.
O Caráter ideológico das reformas
também se expressou através do PLC 193/16, que propõe o “Programa Escola
sem Partido”, considerado uma “Lei da Mordaça".
Em Outubro de 2016,
milhares de estudante de todo o país se manifestaram contra a, então,
Medida Provisória e contra os cortes em investimentos sociais, ambos
aprovados, em um movimento que ficou conhecido como Primavera
Estudantil. Foi o maior movimento de ocupações urbanas registrado na
história ocidental. Mais de 1000 escolas e universidades foram ocupadas
pelos estudantes, 816 delas, no Paraná. A repressão do Estado foi
violenta; centenas de reintegrações de posse foram realizadas e, no
plano ideológico, a mídia conservadora e movimentos ancorados pelo apoio
das camadas médias (como o MBL), foram mobilizados e financiados pelo
Estado e Empresários a fim de difamar estudantes e descaracterizar os
seus ideais legítimos.
Inúmeros professores de escolas públicas e
universidades, bem como entidades sindicais acompanharam as ocupações
das escolas públicas. Estas foram protagonizadas pelas lideranças
estudantis e por jovens conscientes de que a educação é um direito
social e está para além da formação de reserva de mão-de-obra para o
mercado. Após o desfecho do Movimento, muitos apoiadores e simpatizantes
das Ocupas sofreram represálias. Hoje, junho de 2017, aproximadamente
3.000 professores/as no Estado do Paraná estão sob sindicância,
perseguição política e/ou sofrendo processos administrativos por terem
acompanhado menores estudantes no momento histórico em que as ocupações
se fortaleceram.
Para um conjunto desavisado da sociedade civil o
protagonismo das lideranças estudantis ficou submetido à “doutrinação
ideológica e política”, “formação de quadrilhas” e “conspiração” –
atributos estes presentes em denúncias estabelecidas no Estado do Paraná
contra muitos docentes que estavam na condição de suporte aos jovens
autonomamente organizados.
Para além do posicionamento crítico em
relação às reformas e as aviltantes perseguições políticas vivenciadas
ainda hoje em decorrência das manifestações democráticas, e, em
especial, pela reafirmação do Estado de Direito, propomos:
1. o
fortalecimento do Fórum Nacional em Defesa da Filosofia no Ensino Médio,
criado em 22/06/2017, com o objetivo de organizar, em nível nacional,
um movimento de resistência em relação às reformas em curso e lutar pela
manutenção e legitimação da Filosofia como disciplina curricular no
Ensino Médio;
2. a aproximação dos intelectuais da filosofia, e
das demais humanidades, das lutas sociais, incentivando e intervindo nos
debates públicos, visando o esclarecimento e a coerência
ético-política;
4. O
acompanhamento e a divulgação do transcurso do processo de implementação
da Reforma do Ensino Médio, mediante a criação e a alimentação de
canais apropriados e de ampla publicidade.
E, finalmente,
conclamamos aos coletivos organizados representativos das disciplinas de
História, Sociologia, Geografia e Arte se articulem ao Fórum Nacional
em Defesa da Filosofia no Ensino Médio, na perspectiva que este se
amplie e venha a constituir-se num Fórum em Defesa das Humanidades.
Assinaturas – pessoas/entidades
Geraldo Balduino Horn – Nesef-UFPR; Valéria Arias – Nesef-UFPR/CEP; Emmanuel Appel – Defi-Nesef-UFPR; Anita Helena Sclesener – Nesef-UFPR; Rafael Athayde – Nesef-UFPR; Luiz Carlos Paixão – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação; Lucrécio de Sá – UFRN; Ademir Aparecido Pinhelli Mendes – Nesef-UFPR/Uninter; Ana Paula Barbosa – CEP; Maurício Gadelha Alves – IFRN; Sara Eduarda – Acadêmica de Filosofia – UFPR; Marcelo Moraes – Nesef-UFPR; Juan Carlo Armiliato – Nesef-UFPR; Elio da Silva – Nesef-UFPR; Luciana da Silva Teixeira – FAE; Antônio Joaquim Severino – Grupefe-Uninove; Gisele Moura Schnorr – Unespar; Elisete Tomazetti – UFSM; Emmanuel Appel – Defi-UFPR; Alexander Machado – Cafil-UFPR; Bernardo Kestring – Nesef, Sinpes, Unibrasil, Fasban; Elisane Fank – Nesef/-CEP; Edson Teixeira – Nesef; Raquel Aline Zanini – Nesef-CEP; Alessandro V. Corrêa – Nesef; Luciana Vieira de Lima – Nesef; Rui Valese – Nesef; Wilson José Vieira – Nesef-CEP; Paulo Renato Araújo – Nesef-Rádio Camélia; Antônio Charles Santiago – Unespar; Jean Lucas Tavares – Unespar; Pedro Batista – Unespar; Eliane Blaszkowski Champaoski – Uninter; Arthur Silva Araújo – Filosofia Uninter; Cleber Dias de Araújo – Nesef-UFPR; Delcio Junkes – Nesef-UFPR; Ana Carolina Camargo Morello – Nesef- UFPR; Altair Gabardo Percicotty – Nesef-UFPR; Maria Rosa Chaves Künzle – APP-Sindicato; André Bagattini – Profi-Filo-UFPR; Gilca Ribeiro – Grupefe-Uninove; Karine Amado Garcia– Grupefe-Uninove; Dimitri Wuo Pereira – Grupefe-Uninove; Ofélia Maria Marcondes - Grupefe-Uninove; Rita de Cassia de Campos Andery - Grupefe-Uninove; Sandro Adrian Baraldi - Grupefe-Uninove; Cláudia Cisiane Benetti – UFSM; Elisete Medianeira Tomazetti – UFSM; Bruna Gabriela Domingues – Unespar; Pâmela Bueno Costa – Unespar; Marcos Aurélio; Pedro Elói Rech – APP Metrosul; Balaban – Unespar; Márcia Regina Mocelin – Uninter; Sonia de Fátima Radvanskei – Uninter; Cláudia S. Rosa da Silva – Uninter; Cristiane Dall Agnol da Silva Benvenutti – Uninter; Wilson da Silva – Uninter; Genoveva Ribas Claro – Uninter; Bruna Tratz Passos – Nesef-Uniplac; Márcia Heck – Nesef-Uniplac; Vanice dos Santos ¬– Nesef-Uniplac; Luciana Oliveira – Nesef-Uniplac; Luciana Nunes – Nesef-Uniplac; Priscila Schneider – Nesef-Uniplac; Aurelio dos Santos Souza – Nesef-Uniplac; Márcio Jarek – Professor de Filosofia do Ensino Superior; Alessandro Reina – Nesef-UFPR; Antonio Carlos Carneiro – Fae; Gustavo Henrique Adão – Fae: Patrícia da Silva Tristão – Fae; Vera Fátima Dullius – Fae; José Carlos Bassi – Fae; Junior e Jefferson Tuchinski Class – Fae; Adriana do Pilar Rosa Dias – Fae; Marcia Cristina de Souza – Fae; Lucas Lipka Pedron – Nesef-Gefil-UFPR; Emerson Nogueira – Cafil/-UFPR; Luiz Otávio M. Fiori – Cafil-UFPR; Weliton Alécio Tarelho – Nesef-Licenciar Filosofia e Ensino; Michele Cristine Manosso – Uninter; Michela Veras – Uninter; Elisandra Angrewski – Profa. de Filosofia; Carmen Lúcia F. Diez – Uniplac; Douglas Lopes – Nesef-UFPR.
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