sábado, 19 de maio de 2018

Feminismo em comum. Márcia Tiburi.

Como sempre, mais uma vez, um extraordinário livro de Márcia Tiburi. Trata-se de Feminismo em comum. Para todas, todes e todos. O todes não é um modismo, é um mecanismo para "não criar barreiras para a acessibilidade do conteúdo por deficientes visuais", como explica uma nota de rodapé. A edição é da Rosa dos Tempos, a primeira editora feminista do país. A edição é de 2018 e já está em sua 5ª edição.
O pequeno grande livro da Márcia Tiburi.


O livro, acima de tudo, é um convite para a reflexão. Ele foi escrito numa linguagem de fácil compreensão, para que possa, efetivamente, ser lido e compreendido por muitas pessoas. Arriscaria dizer que as duas palavras com as quais mais me deparei na sua leitura foram patriarcalismo e misoginia. A sociedade patriarcal é apontada como a causadora dos males maiores. Me fez lembrar o Livro de Boaventura Sousa Santos, A difícil democracia - Reinventar as esquerdas. Neste livro, o capitalismo, o colonialismo e o patriarcalismo são apontados como os grandes inimigos da democracia. O feminismo, que se integra no campo do patriarcalismo, é apontado no livro de Márcia como um luta por uma democracia radical.

Também, como em outros livros, os capítulos são curtos, cinco as seis páginas em média. A cada um é dedicado um tema específico e o livro vai evoluindo na apresentação dos temas, no rumo de uma grande compreensão. O feminismo é mostrado como um elemento do complexo e intrincado mundo da dominação, do qual também os homens não estão livres. O livro, em formato pequeno, nem mesmo é longo, 125 páginas que abrigam 17 capítulos.

Vamos à apresentação do livro pela orelha da capa: "Podemos definir o feminismo como o desejo por democracia radical, voltada à luta por direitos de todas, todes e todos que padecem sob injustiças sistematicamente armadas pelo patriarcado. Incluem-se todos os seres cujo corpo é medido por seu valor de uso - corpos para o trabalho, a procriação, o cuidado e a manutenção da vida e a produção do prazer alheio -, que também compõem a ampla esfera do trabalho, na qual está em jogo o que se faz para o outro por necessidade de sobrevivência.

O que chamamos de patriarcado é um sistema profundamente enraizado na cultura e nas instituições, o qual o feminismo busca desconstruir. Ele tem por estrutura a crença em uma verdade absoluta, que sustenta a ideia de haver uma identidade natural, dois sexos considerados normais, a diferença entre os gêneros, a superioridade masculina, a inferioridade das mulheres e outros pensamentos que soam bem limitados, mas ainda são seguidos por muitos.

Por este livro, Márcia Tiburi nos convida a repensar essas estruturas e a levar o feminismo muito a sério, para além de modismos e discursos prontos. Espera-se que, ao criticar e repensar o movimento - com linguagem acessível tanto a iniciantes  quanto aos mais entendidos no assunto -, Feminismo em comum seja capaz de melhorar nosso modo de ver e de inventar a vida". Os objetivos do livro também estão bem explícitos no capítulo final. Dele tomo o primeiro e o último parágrafos:

"O que somos capazes de perceber do mundo em que vivemos? Contradições sociais são complexas, e a produção de ilusões não para de se reproduzir. Talvez não haja nada mais evidente do que a necessidade do feminismo como chave de acesso a um mundo melhor. As mulheres continuam oprimidas, humilhadas e violentadas. Os homens, mesmo em seus privilégios, vivem afundados na miséria do espírito, em uma sociedade que se autodestroi. Não haverá mundo melhor se não houver uma construção conjunta capaz de pensar em um comum que emancipará a todos. [...] O feminismo em comum é um convite e um chamado para o diálogo e a luta. Aceitá-lo é uma questão de inteligência sociopolítica e de amor ao mundo". Portanto, o livro é um convite à emancipação.
Márcia Tiburi numa fala na Universidade Federal do Paraná.


Para melhor conhecimento do livro vamos ao títulos de seus capítulos: 1. Feminismo já; 2. Pensar o feminismo; 3. Somos todas trabalhadoras; 4. Autocrítica: o feminismo para além do medo e da moda; 5. O feminismo é o contrário da solidão; 6. Da misoginia ao diálogo; 7. O feminismo e o feminino; 8. Lugar de fala e lugar de escuta: feminismo dialógico como encontro das lutas. 9. Ideologia patriarcal; 10. Direito de ser quem se é; 11. Mulheres e feministas: o problema da identidade. 12. As potências do feminismo: da ético-política à poético-política. 13. Ser feminista: relatar a si mesma; 14 A violência e o poder. 15. Minorias políticas, lugar de fala e lugar da dor: a questão do diálogo em nome de direitos. 16. Política da escuta; 17. Pensar juntas, juntes e juntos: por um feminismo em comum.

Gostei mais, creio que em função das lutas que travamos na direção da APP-Sindicato, dos capítulos que se referem à construção da identidade, como condição necessária para empreender qualquer luta, e da questão da presença da ético-política-poética, absolutamente necessária para não se cair na burocratização insossa de qualquer movimento que objetive a transformação de mundo. Aliás, a crença do pensar para transformar também acompanha o livro, do começo até o final. Um livro absolutamente necessário. Sim, antes de terminar, a dominação é exercida por um complexo de fatores interligados que envolvem as questões de classe, de raça e de gênero, com as suas devidas especificidades.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.