domingo, 13 de maio de 2018

A Revolta da Chibata. Edmar Morel.

Há tempos tinha vontade de ler algo mais aprofundado sobre a Revolta da Chibata. Procurando bibliografia, creio que tive sorte. Me deparei com o livro de Edmar Morel, que mesmo sem ter lido outros, sobre o tema, afirmo, com firme convicção, que encontrei a melhor das referências. Trata-se do livro de Edmar Morel, A Revolta da Chibata, cuja primeira edição data de 1959. A edição por mim adquirida é da Paz e Terra, datada de 2016 e organizada por Marco Morel. Uma verdadeira preciosidade.
A monumental obra de Edmar Morel. Edição da Paz e Terra - 2016.

Trago, primeiramente, as qualidades do livro apresentadas na contracapa. Vejamos: "João Cândido, num relato simples, contou-me como deflagrou a revolta: Pensamos no dia 15 de novembro. Acontece que caiu forte temporal sobre a parada militar e o desfile naval. [...] O Comitê Geral decidiu, por unanimidade, deflagrar o movimento no dia 22. [...]  O sinal seria a chamada da corneta das 22h. [...] Naquela noite o clarim não pediria silêncio e sim combate'". Vamos à outra:

"O mais polêmico e audacioso livro de Edmar Morel, dedicado ao marujo João Cândido, ganha de qualquer outro na bibliografia brasileira, tendo custado ao autor a cassação de seus direitos políticos. Morel pagou pelo crime de ter redimido dos insultos da historiografia dos donos do poder o magnífico marinheiro João Cândido". Jorge Amado. E a última: "Grande repórter que é, Morel incursionou pelo começo do século e de lá trouxe documentos inéditos, informações vivas, palpitantes sobre a famosa revolta da esquadra comandada pelo marinheiro João Cândido, o Almirante Negro". Rubem Braga.

Lembrando que a letra da música de João Bosco e Aldir Blanc, em homenagem ao almirante, fala de Navegante Negro, por obra da censura da ditadura militar, instaurada a partir de 1964. Mas vamos aproveitar e mostrar a estrofe mais famosa da homenagem que lhe foi prestada em O mestre sala dos mares. Glória à farofa, à cachaça, às baleias//Glória a todas as lutas inglórias//Que através da nossa história//Não esquecemos jamais//Salve o Navegante Negro//Que tem por monumento//As pedras pisadas dos cais. Mas, voltamos ao livro, agora à orelha da capa e contracapa, primeiramente, numa homenagem ao autor:

"Tão grande quanto o ato de João Cândido de comandar o motim dos marinheiros, em 1910, equivale o gesto de Edmar Morel ao redigir o livro A Revolta da Chibata". Maria Lúcia Corrêa Ferreira, historiadora. Depois segue uma pequena trajetória percorrida pelo livro:

"Publicado originalmente em 1959, A Revolta da Chibata apresenta a história da rebelião da Marinha de Guerra, em 1910, liderada pelo marinheiro João Cândido, o Almirante Negro, cujo objetivo era acabar com os castigos corporais e, num plano mais elevado, instaurar justiça social e dignidade na sociedade brasileira da época.

https://www.youtube.com/watch?v=lBOg8w9V-FA
Link de "mestre sala dos mares", homenagem de João Bosco e Aldir Blanc, na voz de Elis Regina.

A obra lembra fatos que a História oficial havia esquecido: os tenebrosos massacres na Ilha das Cobras, lugar em que os revoltosos, já anistiados, foram confinados em uma masmorra cheia de cal; e o navio Satélite, que levou, em seu porão, centenas de marinheiros para os confins da Amazônia, onde muitos foram vendidos como escravos e outros tantos simplesmente fuzilados, como comprovam os documentos do comandante do Satélite, Carlos Storry, publicados neste livro.

Referência bibliográfica sobre o movimento dos marinheiros e a figura de João Cândido, este trabalho de Edgar Morel passou a se confundir com a história que narra. Inclusive o termo "Revolta da Chibata", pelo qual o episódio ficou conhecido, foi criado pelo autor". E termina com uma informação da presente edição da paz e Terra: Em 2010, a Paz e Terra publicou uma edição comemorativa, organizada por Marco Morel, pelo centenário da Revolta da Chibata. A presente edição (2016), revisada, mantém os acréscimos daquela edição".

Como Edmar Morel, o seu autor, também já pertence à história, vamos à sua biografia, também mostrada na contracapa: "Edmar Morel (1912-1989) foi um pioneiro do jornalismo investigativo no Brasil, com reportagens de impacto sobre temas sociais e políticos. Trabalhou em grandes veículos da comunicação e na imprensa alternativa de esquerda entre 1930 e 1980. Publicou em 1959 A Revolta da Chibata, após dez anos de pesquisa. Entrevistou o próprio Almirante Negro - protagonista da rebelião -, cujas declarações se encontram na presente obra".

Creio que perceberam, por estas referências, a grandeza e importância do livro. As primeiras cinquenta páginas são dedicadas à apresentações, do autor, do tema e de um prefácio para a terceira edição, de autoria de Evaristo de Morais Filho, cujo pai fez a apaixonada defesa do Almirante, absolvendo-o de suas incriminações. O corpo do livro é formado pelos capítulos, cujos títulos apresento e que mostram a evolução dos acontecimentos: Introdução - Herois; Árbitro (um texto de Gilberto Amado); Conspiração; Revolta; Vitória; Massacre; Satélite; Covardia; Justiça; Perseguição; Crepúsculo; Ressurreição; depois de 64; o heroi popular. 

Seguem três anexos. Um espetáculo para a memória: I. A vida de João Cândido (suas memórias, publicadas em doze capítulos, pela Gazeta de Notícias). Estas memórias ganharam um sub título maravilhoso - Um sonho de liberdade; II.Reminiscências de um rábula criminalista (Trata-se de Evaristo de Moraes, que atuou na defesa de João Cândido - Texto extraído do livro de memórias do autor - Reminiscências de um rábula criminalista); III. Versão oficial. Trata-se da versão apresentada pela Marinha, de autoria do capitão de mar e guerra Luís Alves de Oliveira Bello. Um texto ignominioso.

Os grandes destaques do livro vão para a coragem e patriotismo de João Cândido, o seu espírito humanitário, a sua perícia técnica no comando da frota rebelada. Ele esteve no comando do Minas gerais, um navio couraçado (O Potemkim brasileiro), operando-o com destreza, o que lhe valeu o codinome de Almirante Negro. Ainda são temas relevantes, a forma de arregimentar os marinheiros e os maus tratos (chibata) recebidos, o não bombardeio da cidade do Rio de Janeiro pelos rebeldes, a rápida anistia concedida e a traição pelo comando da presidência da República, onde estava o recém eleito Marechal Hermes da Fonseca e os massacres da Ilha das Cobras de navio Satélite e, ainda, como este tema continuou proibido ao longo de nossa história.

Edmar Morel, com o seu livro, devolveu vida a este importante personagem de nossa história popular. Já quanto ao governo das elites, a obra reflete o espírito escravista de nossa elite, de uma abolição jamais metabolizada, de seu espírito traiçoeiro e intolerante, que sob o imponente nome de RES PUBLICA, não titubeava em cometer as mais desumanas atrocidades. E, por fim, lamentar que o espírito de nossas elites continua, ainda hoje, praticamente o mesmo. Um livro necessário.



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