segunda-feira, 17 de junho de 2019

A formação escolar e acadêmica das pessoas que integram o "sistema" Justiça.

Como estamos trabalhando, junto a um grupo de educadores, com histórias de vida, privilegiando a percepção de como se formaram para serem profissionais comprometidos e com consciência clara para quem devem ser direcionados os os esforços de seu trabalho, me deparo, em minhas leituras, com um texto maravilhoso do notável jurista Rafael Valim, professor de Direito na PUC de São Paulo. O texto tem por título "O discurso jurídico brasileiro: da farsa ao cinismo. Ele integra o livro Resgatar o Brasil, coordenado por Jessé Souza e Rafael Valim e editado pela Contracorrente e Boitempo. O texto apresenta os passos da formação dos integrantes do sistema Justiça.  Simplesmente apresento o autor como um jurista, em meio a um mundo de operadores do Direito.
A prioridade número um. Um projeto para o país e para o seu povo.

O quadro é de uma ironia profunda, não deixando de constituir também uma bela peça de humor. Ao terminar a apresentação da "formatação" dos membros do sistema, faz as seguintes considerações: "A leitura deste retrato irônico, porém real, de parcela dos integrantes do sistema Justiça brasileiro aponta para a resposta que estamos buscando: é a mediocridade que levou estas pessoas a destruir os direitos fundamentais, a democracia e o patrimônio nacional. Neles não habita qualquer sentimento constitucional". Mas vamos ao "retrato", ressaltando que se trata de uma "parcela":

"... A esta altura muitos devem estar se questionando: o que motivou esta parcela do Judiciário a destruir, a um só tempo, a democracia, os direitos fundamentais e o patrimônio nacional? A resposta a esta pergunta passa por uma rápida descrição, ainda que caricatural, do padrão das pessoas que ocupam os cargos públicos no âmbito da Justiça brasileira.

Branco, nasce no seio da classe média. Os pais, trabalhadores, acreditam piamente na meritocracia, julgam que a pobreza é fruto da preguiça e que política é coisa de bandido. A referência familiar de cultura é o tio que lê todos os dias os jornalões e nos almoços de domingo regurgita, com ar professoral, alguma mentira publicada.

Desde a mais tenra idade, frequenta escolas particulares e logo irrompe o desejo de ir à Disney. Quando chega à "América", constata a superioridade moral do povo estadunidense. Não há corrupção nem pobreza, prevalecem os direitos humanos, os "serviços públicos" funcionam e há armas à vontade. Um paraíso!

Na adolescência, continua a frequentar escolas privadas onde, naturalmente, só convive com pessoas brancas e da mesma classe social. O oceânico conhecimento que passa a amealhar vem das apostilas e de resumos de alguns clássicos da literatura que nele não despertam o mínimo interesse. Já a tocante sensibilidade social começa a aflorar em "projetos" de distribuição de presentes no dia das crianças ou de entrega de cobertores à moradores de rua quando durante o inverno.

Logo se depara com o vestibular. Intensifica-se o uso das apostilas para ingressar, de preferência, em universidade com boa reputação. Não se pode, naturalmente, descartar os temas atuais, também exigidos nas provas, e, por isso, começa a ler uma revista semanal de grande circulação. Um novo mundo se descortina pelas mãos de notáveis jornalistas isentos e comprometidos com a democracia.

Ingressa na Faculdade de Direito. Entre uma festa e outra, começa a ter contato com professores extraordinários, cujas aulas se assemelham às apostilas que liam no Colégio. Uma didática exemplar e nenhuma crítica: uma maravilha! Professores de filosofia ou sociologia são evitados. Para aprofundar os estudos, adquire livros caríssimos em cujos títulos há presença obrigatória de expressões como "esquematizado", "descomplicado", "sistematizado", "resumido". Ora para que complicar?

É também durante a Faculdade de Direito que toma contato com o mercado de trabalho! Afinal, meritocracia é isso: só começar a trabalhar, ainda que como estagiário, aos 21 anos de idade.

No final do curso é confrontado com a realidade do concurso público. Coitado, terá de sofrer novamente agruras que remontam ao período tenebroso do vestibular. Para superar este desafio, matricula-se prontamente em um curso preparatório que oferece técnicas "ninja" de estudos. Dedica-se a memorizar Códigos e devorar, uma vez mais, apostilas com conteúdos sintetizados e questões de múltipla escolha.

O nosso herói não tem vida fácil. Para comprovar a experiência profissional exigida nos concursos públicos, insere o nome nas procurações outorgadas a uma tia que é sócia de um escritório de advocacia. Desta maneira pode, às expensas dos pais, dedicar-se integralmente aos estudos por vários anos até, finalmente, conquistar o tão sonhado cargo público na Justiça brasileira.

Após alguns anos de exercício do cargo, recebe em sua caixa de correio um convite para participar de um curso de formação em uma renomada Universidade estadunidense. Honrado, quase aos prantos, recorda-se dos dias na Disney e da indiscutível superioridade do gênio norte-americano. Apressa-se em aceitar o convite e, na sequência, matricula-se em uma escola de inglês onde poderá não só aprender a língua inglesa, por meio de maravilhosas apostilas, como também fazer uma "imersão" na cultura norte-americana.

Para arrematar esta história de sucesso, um belo dia recebe uma solicitação de entrevista de um jornalista que, coincidentemente havia sido seu "guru" no período de vestibular. Dias depois vê sua foto estampada na capa da revista semanal que outrora lhe servira de guia em matéria de "atualidades". É a consagração!

Deduções e conclusões por sua conta.

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