quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Educação como Prática da Liberdade. Paulo Freire.

Continuando o meu ciclo de leituras de realidade brasileira, motivado pela realização do curso "Educação, sociedade e sindicalismo", promovido pelo coletivo de formação da APP-Independente e pelo NESEF, da UFPR, o livro da vez foi o de Paulo Freire, Educação como prática da liberdade. Trata-se, obviamente, de uma releitura. Devo ter entrado em contato com esse livro ao final da década de 1970 ou início dos anos 1980. O livro foi escrito no Chile ao longo do ano de 1965 e teve a sua primeira publicação em 1967. Nele Paulo Freire contextualiza o seu método ou a sua concepção de educação. Também por óbvio, esse seu método está inserido na realidade, a realidade brasileira. Por isso a escolha.

O primeiro grande livro do Patrono da Educação Brasileira.

O livro é uma decorrência do seu trabalho de doutorado feito na cidade de Recife, na hoje Universidade Federal de Pernambuco, que tinha por tema a educação e a atualidade brasileira. Esse tema, somado com as suas primeiras experiências no campo da alfabetização constituem a essência do livro. No meu modesto entendimento, esta é a mais importante obra do mestre, junto com a Pedagogia do oprimido. A edição que tenho em mãos é a 24ª, da Paz e Terra, do ano 2000. A edição anterior foi simplesmente consumida pelo tempo e pelo uso.

Antes de entrar na resenha propriamente dita, tenho duas recomendações de leitura a fazer: a primeira é a do livro mais autobiográfico do autor Cartas a Cristina - Reflexões sobre minha vida e minha práxis. O livro é uma resposta à sua sobrinha, que queria saber sobre a vida, sobre a formação e o pensamento do tio. A segunda é uma bela biografia sua, em edição recente, de 2019. É de autoria de Sérgio Haddad e tem por título: O Educador - Um perfil de Paulo Freire. Uma publicação da Todavia. Deixo o link das resenhas: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2020/04/cartas-cristina-reflexoes-sobre-minha.html?m=1 e http://www.blogdopedroeloi.com.br/2020/03/o-educador-um-perfil-de-paulo-freire.html

O livro em questão, Educação como Prática da Liberdade tem quatro capítulos, uma apresentação de Francisco Weffort, com o título de educação e política, o belo poema de Thiago de Mello sobre o método de alfabetização Canção para os fonemas da alegria e um apêndice final, com ilustrações das primeiras experiências relativas aos trabalhos de alfabetização. 

Os capítulos tem os seguintes títulos: 1. A sociedade brasileira em transição. 2. Sociedade fechada e inexperiência democrática. 3. Educação Versus massificação. 4. Educação e Conscientização. Os dois últimos capítulos são o cerne do livro, sem reduzir a importância dos dois primeiros, que são belíssimos. Eles fundamentam ontologicamente o ser humano e descrevem a realidade brasileira, em que estes seres estão inseridos. Considero o primeiro desses capítulos como o mais belo texto da filosofia brasileira. Usei-o à exaustão no tempo em que ainda estava na ativa, em sala de aula. Tenho até uma transcrição: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2015/07/a-sociedade-brasileira-em-transicao.html

O primeiro capítulo me fez lembrar uma fala do mestre, na cidade de Umuarama, em 1992, quando ele afirmava que a elite brasileira é, de longe, a elite mais perversa do mundo. Nesse capítulo ele fala dessa elite, da sua formação e da realidade em que está inserida. Mas essa sociedade estava em transição, como se afirma no título do capítulo A sociedade brasileira em transição. Que trânsito era esse? Era o da saída de uma sociedade fechada, latifundiária, escravocrata, patriarcal e extremamente violenta. Era uma sociedade que condenava os "outros" ao mutismo, onde a "fala do púlpito" era a única voz tolerada, mesmo assim, quando não contrariava os interesses do latifúndio agro exportador. Nesse trânsito já se vislumbrava uma sociedade aberta, abertura causada pelas transformações decorrentes da industrialização e da urbanização. Para os desvalidos desse sistema é que ele destinou todos os esforços de sua práxis.

O segundo capítulo é uma continuação dessa fundamentação ontológica do ser humano para, depois adentrar na caracterização da realidade brasileira, realidade essa, que impedia a concretização do humano: Sociedade Fechada e Inexperiência Democrática é o título. Era essa sociedade fechada que impedia o trânsito para a sociedade aberta para a democracia e para a participação. Os instrumentos de dominação dessa elite são bem conhecidos. Foram elas que provocaram o golpe de 1964, com a finalidade de manter a intransitividade dessa mesma sociedade em função da manutenção de privilégios. Essa foi também a razão pela qual Paulo foi perseguido, preso e expulso de seu país. O trânsito da sociedade brasileira, de uma  oligarquia latifundiária e exportadora para uma sociedade urbana e industrial teria que obedecer aos ditames daquilo que a sociologia dos Estados Unidos chama de "modernização conservadora". É a velha acusação de subversão pondo o tacão e o coturno sobre a  nascente democracia brasileira.

O terceiro capítulo Educação Versus Massificação é o cerne do livro. É a apresentação do método ou dos princípios daquilo que Paulo Freire entende por educação. É ouvindo, perguntando e inventando que se fará a nova educação popular, que será ativa e participativa. Por essa concepção ninguém dará aulas sobre democracia. - Ela simplesmente será praticada. Não serão ditas ideias. - Ideias simplesmente serão trocadas. Por ela se desenvolverá o gosto por achados, por descobertas. Por ela se desenvolverá a consciência em expansão, até se tornar crítica fato que necessariamente levará à participação e à democracia. Será, antecipando conceitos da Pedagogia do oprimido, um grande não à pedagogia bancária e um grande sim à pedagogia problematizadora. O livro também expressa uma admiração profunda pelo ISEB e aos seus idealizadores que tanto o inspiraram e influenciaram.

Esse terceiro capítulo se complementará com o quarto Educação e conscientização. Nele se explicitará a sua concepção de educação, que não nasceu de abstrações - mas das experiências desenvolvidas junto ao povo e, obviamente, por concepções teóricas que remetem aos princípios ontológicos da concepção do humano, da liberdade, da igualdade e da democracia. Por ela, ele será sempre um sujeito ativo, a construir sua cultura e ao seu fazer história. Por esse conceito, o ser descobre o humano dentro si e essa descoberta romperá com o mutismo que lhe era imposto por uma sociedade autoritária e imobilizadora. Essa concepção jamais o moverá para a domesticação. " Eu já estou espantado comigo mesmo", disse um dos participantes de uma das experiências, após descobrir-se gente.  (Escrevo esse post, no momento em que mais de cem escolas no Paraná, sob o governo de Rato Junior, serão transformadas em escolas "cívico militares".  Serão escolas, como afirmei outro dia, em que o coturno pisará na poesia. Desculpem o momento de indignação). Eu retomarei esse tema num post específico.

O livro termina com um apêndice onde são relatadas 10 experiências pioneiras desenvolvidas ainda no Brasil, acompanhadas de alguns relatos sobre a escolha e das características das palavras geradoras. Estas passam por questões da comunicação e da linguagem, fundadas no diálogo No livro de Sérgio Haddad O Educador - Um perfil de Paulo Freire, existe um depoimento do general Castelo Branco, por ocasião da solenidade promovida em Angicos, com a presença do Presidente da República, João Goulart. Castelo Branco era na época o comandante da 4ª Região Militar, com sede em Recife. A sua frase contém a ideia de que esse método só serve para "engordar cascavéis no sertão. Uma compreensão perfeita de Paulo Freire pelo lado das elites, que, ainda hoje, lhe devotam tanto ódio.

Deixo ainda três recomendações de leitura para o decorrer do ano do centenário de nascimento do "Patrono da Educação Brasileira". Os seus dois livros iniciais - Educação como prática da liberdade e Pedagogia do oprimido. E ainda, a sistematização de tudo o que ele julga ser necessário para o conhecimento e a prática do educador, uma espécie de "catecismo" pedagógico seu, no bom sentido da palavra,  Pedagogia da autonomia - Saberes necessários à prática educativa. 



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