Cheguei ao livro Samuel Wainer - o homem que estava lá, de Karla Monteiro, através da coluna do "Ultrajano", numa nota em que ele falava sobre a atuação dos militares brasileiros nos atribulados anos que se seguiram ao golpe civil/militar de abril de 1964, relatada no livro. Não tive dúvidas. Fui em busca do livro. Quando vi que era um lançamento (edição de 2020), não hesitei em comprá-lo. O livro é denso, mas a sua leitura flui espontaneamente, de forma especial para aqueles que, de uma forma ou de outra, acompanharam os fatos deste tão conturbado período de nossa história.
Samuel Wainer - o homem que estava lá. Karla Monteiro. Companhia das Letras. 2020.
Como falei, trata-se de um livro denso. São 583 páginas, divididas ao longo de 29 capítulos, entremeados de um belo bloco de fotografias. Além do tema específico, retratando a vida do ilustre biografado, temos também um passeio (não tão agradável) pela nossa história, dos anos 1930 até os anos 1980. Três presidentes são retratados vivamente. Três presidentes, de quem podemos seguramente dizer, que conviveram e desfrutaram da intimidade com o famoso jornalista, de quem tomaram inúmeros conselhos. Três presidentes que marcaram profundamente a nossa história. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Adentra também na vida dos presidentes generais, até Ernesto Geisel. Lula já aponta lá no horizonte, com as greves dos metalúrgicos no ABC.
Samuel Wainer foi um personagem ímpar em nossa história. Sabe-se, com certeza, que nasceu na Bessarábia, atual República da Moldávia, pequeno país de 3,5 milhões de habitantes, exprimida entre a Romênia e a Ucrânia. Esse fato marcou profundamente a sua vida, pois, os seus documentos provam ter nascido no Brasil. Mas - essa já é uma parte da sua biografia. A descendência é judaica. Seus pais fugiram das tempestades que já se prenunciavam na Europa, logo no início do século XX. Em seu registro oficial, consta que nasceu em São Paulo em 1912. Seus pais se estabeleceram no Bom Retiro, mas Samuel logo se mudou para o Rio de Janeiro, se estabelecendo na Praça Onze, tido como o local mais cosmopolita do Rio de Janeiro. Iniciou-se no jornalismo, nos periódicos judaicos da cidade.
O maior feito de sua vida foi, com certeza, a fundação do jornal Última Hora, um jornal de cunho nacionalista e popular, ao contrário da tão elitizada e colonizada mídia brasileira. Seu jornal, estabelecido nas principais capitais brasileiras, teve uma duração de vinte anos e revolucionou a imprensa brasileira em tudo, desde a parte gráfica até o salário dos jornalistas. Era apaixonado por lindas mulheres, pelo poder, mas acima de tudo, pelas redações de seus jornais.
Como é um livro longo, a resenha se torna difícil de fazer. Como o objetivo desse post é dar uma ideia do livro e provocar a sua leitura, passo a relatar alguns depoimentos que se encontram na contracapa e orelhas do livro O primeiro deles é da historiadora Heloísa Starling: "Um livro sensacional. Não só pela articulação da história de Samuel Wainer com o Brasil e a imprensa, mas por seu engenho narrativo. Karla Monteiro põe os personagens e os acontecimentos em cena com autonomia e grande sensibilidade, sem aliviar para o lado de ninguém, nem mesmo para o de Wainer. O homem estava lá mesmo - e ganhou uma grande biógrafa para mostrar isso". O segundo é de outro biógrafo famoso, o biógrafo de Marighella, Mário Magalhães: "Samuel Wainer, um dos gigantes da história do jornalismo brasileiro, encontrou em Karla Monteiro uma biógrafa à altura do biografado. Sorte dos leitores".
Da orelha, tomo três parágrafos, que focam na importância do biografado: "Um dos mais influentes e poderosos personagens brasileiros do século XX, Samuel Wainer apareceu para o Brasil nos anos 1940 com o semanário Diretrizes, uma revista que marcou época, reunindo em suas páginas nomes como Jorge Amado, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e Moacir Werneck de Castro. Mas foi nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, que começou a deixar sua marca: Getúlio Vargas, recluso após sua deposição em 1945, aceitou quebrar o silêncio e anunciar, em uma entrevista ao jovem repórter, seu retorno à arena política. Cercado de controvérsias, por décadas, trata-se de um dos furos míticos da imprensa brasileira.
Da relação entre fonte e jornalista nasceu uma sólida aliança. De volta ao Catete como presidente eleito, no pleito de 1950, Getúlio deu a Samuel um jornal, financiado pelas benesses da alta burguesia que rondava o poder: a Última Hora, publicação que transformaria a indústria da notícia no país. Primeiro e único diário de orientação trabalhista e nacionalista da grande imprensa, a UH revolucionou em várias frentes: no design; na cobertura de futebol e causas sociais; e, sobretudo, nas relações de trabalho, ao aumentar substancialmente o soldo dos repórteres. Ao longo de duas décadas, Wainer transformou a UH numa gorda cadeia, chegando a sete capitais, além de manter sucursais em Brasília e no interior de São Paulo.
A trajetória de Samuel reúne fatos incomuns para um barão da nossa imprensa. Nos anos 1950, protagonizou a primeira CPI midiática da história do Brasil, instaurada para investigar a origem do dinheiro que permitiu a um repórter sem vintém fundar uma rede de jornais. O adversário Carlos Lacerda chegou às últimas consequências, tentando lhe cassar, inclusive a nacionalidade brasileira. Na década de 1960, esteve ao lado de Jango até o momento em que o presidente deixou o Palácio das Laranjeiras para voar rumo à queda. Verdadeira caixa-preta do poder - foi o homem de três presidentes: Vargas, Kubitschek e Goulart -, Wainer defendeu, ao longo da conturbada carreira, uma ideia peculiar: jornal tem lado. Para ele nunca houve dúvida - embora, em questão de dinheiro, ele jamais tenha sido exatamente kosher".
Karla Monteiro, a biógrafa, nasceu em Diamantina, a cidade de JK. Formou-se em jornalismo na PUC/Minas Gerais e já trabalhou nos maiores órgãos da imprensa brasileira. Também é escritora. O livro é uma publicação da Companhia das Letras, do ano de 2020. Um livro para os brasileiros, especialmente para historiadores e jornalistas. Alô meus ex-alunos do curso de jornalismo! É a leitura do próximo bimestre! Uma leitura necessária e, da minha parte, quero expressar um grande desejo: que o charme do Wainer te seduza à leitura do livro.
Não poderia também deixar de citar, de Amós Oz, a frase em epígrafe no início do livro: "às vezes o pior inimigo da verdade são os fatos".
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