Cheguei a este livro por meio da publicidade virtual que é feita quando você compra livros. Eles aparecem como sugestões por afinidade de temas com os livros que você comprou. Também ouvi boas referências no programa do Reinaldo Azevedo, que agora, praticamente, se transformou num programa referência nas questões políticas e jurídicas. Quem diria? A compra também foi efetuada em virtude da autora do livro, a ex-secretária de Estado dos Estados Unidos. Confesso que até o deixei numa fila de espera, pensando se tratar de um livro de teoria que exigiria grande concentração de esforços. Nada disso. O livro é fluente e de agradável leitura, apesar da nebulosidade do tema. Trata-se do livro: Fascismo - um alerta, de Madeleine Albright.
Fascismo - um alerta. Madeleine Albreight. Crítica. 2020. Tradução: Jaime Biaggio.Na página final do livro lemos sobre a escrita do mesmo: "Se Donald Trump não tivesse sido eleito presidente, ainda assim eu teria mergulhado neste trabalho, pois concebi o projeto com a ideia de dar impulso à democracia durante o primeiro mandato de Hillary Clinton. A eleição de Trump só fez aumentar o sentido de urgência". p.284. A edição estadunidense do livro data de 2018 e a brasileira de 2020. E, como diz o subtítulo, um alerta, evidencia que a democracia está sob sérios riscos.
O livro começa profundamente autobiográfico, mostrando a fuga da família de Madeleine, de Praga, sua cidade natal, para a Inglaterra durante a ocupação nazista da Tchecoslováquia e depois com a ocupação do país pelo regime soviético. Posteriormente a família se estabeleceu nos Estados Unidos, onde ela exerceu importantes atividades políticas, foi professora universitária (Georgetown University - Washington) e escritora. Escreve este livro, portanto, a partir de um posto de observação extremamente privilegiado. Ela foi a poderosa secretária de Estado no governo Clinton. Um governo neoliberal, diga-se de passagem.
O livro acompanha a sua trajetória de vida e aponta os principais entraves ou retrocessos mundiais para assegurar o processo democrático. Isso é narrado ao longo de dezessete capítulos, ao longo de 299 páginas. Vou enunciar os títulos dos capítulos para depois tecer breves comentários: 1. Uma doutrina de raiva e de medo; 2. O maior espetáculo da terra; 3. "Queremos ser bárbaros"; 4. "Não tenham piedade no coração"; 5. A vitória dos Césares; 6. A Queda; 7. A ditadura da democracia; 8. "Há muitos corpos lá em cima"; 9. Uma difícil arte; 10. Presidente vitalício; 11. Erdogan, o magnífico; 12. O homem da KGB; 13."Somos quem um dia fomos"; 14. "O líder sempre estará conosco"; 15. Presidente dos Estados Unidos; 16. Sonhos ruins"; 17. As perguntas certas. Vamos aos comentários.
1. Nesse capítulo Madeleine narra a sua familiaridade com o tema do fascismo, que o acompanha desde a sua tenra infância de fugas, primeiro do nazismo e depois do regime soviético, de sua cidade natal, a bela Praga, para a Inglaterra, para depois se estabelecer nos Estados Unidos. De lá, com notoriedade acompanhou os grandes fatos políticos do mundo, até, com estarrecimento, acompanhar o governo de Trump, "o primeiro presidente antidemocrático na história moderna dos EUA".
2. Nesse capítulo é narrada a ascensão do fascismo na Itália, com destaque para a crise generalizada, que se tornou o campo fértil para a ascensão de Mussolini. A Itália, no imaginário popular, sentia a necessidade de um Duce.
3. O terceiro capítulo é dedicado a Hitler e às condições da Alemanha para a sua ascensão. Pesaram para isso a insatisfação popular, o Tratado de Versalhes e a fragilidade da República de Weimar. De Hitler ela destaca o uso do rádio, a Internet da época, e as fortes autoconvicções de grandeza do Führer, o Duce alemão.
4. O quarto capítulo é particularmente lindo. Ele começa com o filme de Chaplin - O Grande Ditador. Então, por óbvio, o tema são as relações entre os dois comandantes, especialmente no que diz respeito à Guerra Civil Espanhola, onde entra em cena um terceiro comandante fascista, o general Franco, que, contudo, não se alinhou. A minha referência à beleza desse capítulo é a relação estabelecida com o filme de Chaplin e não às relações entres os ditadores. Também as divisões entre os grupos de esquerda na Espanha ganha a sua abordagem.
5. O capítulo tem por tema o poderoso Império Austro-húngaro e a sua adesão ao nazismo. Também é analisado o Zeitgeist da época, de grande perigo de adesão em massa ao regime do nazi/fascismo, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos.
6. O tema do capítulo não poderia ser outro, senão o do enunciado do título. A queda, primeiro de Mussolini e depois de Hitler. Ao final, Chaplin volta à cena com o seu fantástico discurso, cheio de humanidade, de seu Último Discurso.
7. Um belo capítulo sobre o pós-guerra. Ela retoma as memórias de sua cidade natal e os desesperos de uma menina de oito anos a estabelecer paralelos entre dois regimes totalitários, que falavam a mesma língua, a língua da violência. Fala de sua adaptação nos Estados Unidos, a sua nova pátria, envolvida com os horrores do macarthismo, onde o medo do comunismo alavancava o espírito fascista.
8. Este capítulo começa com o discurso de Truman, em São Francisco, na recém fundada ONU. "O fascismo não morreu com Mussolini. Hitler está liquidado, mas as sementes espalhadas por sua mente doentia estão solidamente enraizadas em um número muito grande de cérebros fanáticos". A grande abordagem é o perigo representado pelo fanatismo da tradição e dos nacionalismos. O traço biográfico está de volta, com a narrativa de suas intervenções, já como Secretária de Estado, especialmente no que diz respeito à Guerra dos Balcãs, com o esfacelamento da antiga Iugoslávia. Uma história de muito horror.
9. Outro capítulo extraordinário. Ela apresenta as suas percepções de mundo. A deterioração geral dos salários a partir do final dos anos 1970 (Lembrando que são os anos em que se iniciam as políticas neoliberais, com as ascensões de Thatcher, em 1979, Reagan em 1980 e Kohl em 1982). Ela destaca quarenta anos de insatisfações, em contraposição aos anos imediatamente posteriores à Guerra. Faz alusão às semelhanças entre os climas da ascensão do fascismo e do nazismo com o clima hoje existe em, no mínimo, setenta países. Esses sintomas foram agravados com a crise de 2008 e com a generalização da propagação de falsas verdades, as famosas fake news.
10. Este capítulo é dedicado à Venezuela de Chávez e Maduro e sobre as origens do bolivarianismo. Uma bela análise em que condena a política de ameaças de Trump a Maduro.
11. O capítulo é dedicado à Turquia e ao presidente Erdogan.
12. Interessante capítulo sobre a Rússia pós 1991. Todo o destaque vai para Putin e aos problemas que ele enfrenta e como os enfrenta. Putin é sempre um amigo de governos autoritários.
13. O capítulo versa sobre a União Europeia, seus avanços, dificuldades e crises. Orban da Hungria é o personagem mais retratado. Os inimigos de Bruxelas.
14. Capítulo dedicado aos problemas da Coreia, desde a Guerra Fria, com destaque para a única família no poder, desde aqueles tempos, até os dias de hoje na Coreia do Norte. É claro que o líder Kim Jong-un e a sua política de armas nucleares é o personagem central.
15. O presidente do título é Donald Trump, "o primeiro presidente antidemocrático da história moderna dos EUA". O capítulo termina com uma advertência de Primo Levi, um raro sobrevivente de Auschwitz, sobre os sintomas do fascismo que se manifesta "não só através do terror da intimidação policial, mas pela negação e distorção das informações, pelo enfraquecimento dos sistemas de justiça, pela paralisação do sistema educacional e pela disseminação, de várias formas sutis, da nostalgia por um mundo onde reinava a ordem". Os sintomas estão visíveis.
16. O capítulo apresenta as percepções da autora sobre o mundo atual, em que, lamentavelmente, predominam os aspectos negativos.
17. Um grande capítulo final, o capítulo do grande alerta, do subtítulo do livro. Uma interrogação fundamental paira sobre o capítulo, bem como sobre todo o livro: Quando começa o fascismo? Quando "queremos que nos digam para onde marchar". Eis a resposta. É quando perdemos a capacidade da autodeterminação e, cegamente, obedecemos. Comando e massa unificados. Essa sempre foi a senha. É quando morreu a contradição. Quando ocorre a sintonia absoluta e inquestionável entre quem manda e quem obedece. Aí mora o perigo. As pré-adesões, com a ausência da crítica e da deliberação.
A resenha ficou um pouco longa, mas foi o meu desejo de fazer a provocação para a leitura por meio desse aperitivo do livro. E, para os meus amigos professores dos cursos de relações internacionais, ligados à geopolítica e disciplinas afins. Eis um programa de aulas pronto, quase completo. Leitura imperdível. Sim, uma última observação. O livro é escrito em parceria com o grande jornalista Bill Woodward. Quanto ao olhar, o ponto de observação do livro, apresento uma frase da autora: "Ninguém que um dia tenha estado em um cargo de confiança, inclusive eu mesma, pode olhar para trás sem arrependimento pelos muitos problemas deixados sem resolução". p. 223. Ela enxerga o mundo a partir de sua morada e da cultura de seu entorno.
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