Mais um livro que comprei por efeito da publicidade, daquela que aparece quando você compra livros e eles oferecem outros com temas similares. Mas, o motivo maior da compra foi em função do instigante e polêmico tema da meritocracia. Trata-se de A tirania do mérito - O que aconteceu com o bem comum?, de Michael J. Sandel. Confesso que desconhecia o autor, mas já tinha ouvido falar de outro livro seu O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado. O seu livro mais famoso, no entanto, anunciado até na capa do presente livro, é Justiça: o que é fazer a coisa certa. Sandel é professor na Universidade de Harvard. Pelo seu curso Justice já passaram mais de quinze mil alunos. O livro é de 2020.
A tirania do mérito. Michael J. Sandel. Civilização Brasileira. 2020. Tradução: Bhuvi Libanio.
Como a orelha da capa nos põe em contato com o tema central do livro, começo por aí a resenha. A questão posta é esta: "As democracias liberais estão em risco. E, de acordo com o filósofo Michael J. Sandel, o princípio do mérito, um de seus pilares básicos, é o responsável por esse cenário". Não imaginava que toda a pregação em torno da "força do indivíduo" pudesse atingir tal nível de contestação. Mas, vamos m frente:
"Vivemos em uma constante competição, que separa o mundo entre "ganhadores" e "perdedores", esconde privilégios e vantagens e justifica o status quo por meio de ideias como "Eu quero, eu posso, eu consigo" e "Quem acredita sempre alcança". O resultado concreto é um mundo que reforça a desigualdade social e, ao mesmo tempo, culpabiliza as pessoas, o que gera uma onda coletiva de raiva, frustração, populismo, polarização e descrença em relação ao governo e aos demais cidadãos.
Ao analisar conceitos em torno da ética do estudo, do trabalho, do sucesso, do fracasso, da tentativa e de quais são os meios considerados legítimos para trilhar esses caminhos, Sandel sugere um novo olhar para essas relações. O autor salienta as contradições do discurso meritocrático, seus contextos estruturais e a arrogância dos "vencedores", que julgam duramente os "perdedores".
A tirania do mérito propõe que, para existir uma ética diferente e dignificadora, o sucesso deve ser compreendido em prol da coletividade. Indica que uma alternativa de pensamento guiado pela humildade, pela compreensão do papel do acaso na vida humana e pela criação real da oportunidade poderá ser, então, a melhor bússola para a democracia, para o bem comum".
Do prólogo tomo os três parágrafos finais, que também considero uma boa provocação para a leitura do livro, que é a finalidade dessa resenha: "Essa maneira de pensar sobre sucesso torna difícil acreditar que "Estamos todos juntos nisso". Ela persuade os vencedores a considerarem que o sucesso deles é resultado de suas ações e os derrotados a sentirem que aqueles no topo olham para baixo com desdém. Isso ajuda a explicar por que os deixados para trás pela globalização ficam irritados e ressentidos, e por que se sentem atraídos por populistas autoritários que atacam as elites e prometem reafirmar as fronteiras nacionais com vingança.
Agora, são essas figuras políticas, apesar de desconfiarem da experiência científica e da cooperação global, que deverão conter a pandemia. Não será fácil. Mobilizar para confrontar a crise global de saúde pública que encontramos exige não só habilidades médicas e científicas, mas também renovação moral e política.
A mistura tóxica de arrogância com ressentimento que arremessou Trump ao poder não é uma fonte possível da solidariedade que necessitamos agora. Qualquer esperança de renovarmos nossa vida moral e cívica depende de entender como, ao longo das últimas quatro décadas, nossos laços sociais e nosso respeito um pelo outro se desmantelaram. Este livro procura explicar como isso aconteceu e refletir sobre como poderemos encontrar o caminho para uma política do bem comum".
O livro, de 349 páginas, está dividido em sete capítulos, além de prólogo, introdução e conclusão. A introdução é explosiva, mostrando as fraudes no sistema de ingresso nas universidades renomadas que formam a IVY LEAGUE. Os sete capítulos tem os seguintes títulos: 1. Ganhadores e perdedores; 2."Grandioso porque é bom", uma breve história moral do mérito; 3. A retórica da ascensão; 4. Credencialismo: o último preconceito aceitável; 5. Ética do sucesso; 6. A máquina da triagem; 7. O reconhecimento do trabalho. A conclusão tem por título - O mérito e o bem comum.
Tenho a síntese dos capítulos, mas seria um trabalho muito longo, por isso vou selecionar algumas categorias trabalhadas ou outras pequenas dicas do que se ocupa cada capítulo. Assim, no primeiro temos: globalização, arrogância, humilhação, ressentimento, discórdia. No segundo: Graça divina, recompensa por mérito, prosperidade, sofrimento e a "América é grande porque é boa". No terceiro: sucesso, esforço próprio, fé, responsabilidade, discurso inspirador ou discurso ofensivo. No quarto: credenciais universitárias, educação, igualdade e desigualdade, o smart X Stupid, tecnocracia X democracia. No quinto: aristocracia X meritocracia, liberalismo e neoliberalismo, o estigma burro/inteligente. No sexto temos a triagem. Por óbvio, o tema é o do ingresso nas universidades, os vencedores e a felicidade, o trabalho em nível superior e em nível técnico. No sétimo temos análises estatísticas da remuneração, a degradação da dignidade do trabalho e o grave problema de que a questão financeira não é a única que gera angústias, mas que as agrava. Volta também a questão do ressentimento. Trata também dos suicídios, denominados de "mortes por desespero".
E, ainda como provocação para a leitura, duas passagens: A primeira é retirada do capítulo 3, a retórica da ascensão: "A tirania do mérito é resultado não só da retórica da ascensão. Ela consiste em um conjunto de comportamentos e circunstâncias, que, agrupadas tornaram a meritocracia tóxica. Primeiro, sob condições de desigualdade desenfreada e mobilidade barrada, reiterar a mensagem de que nós somos responsáveis por nosso destino e merecemos o que recebemos corrói a solidariedade e desmoraliza pessoas deixadas para trás pela globalização. Segundo, insistir na ideia de que algum diploma universitário é o principal caminho para um emprego respeitável e uma vida decente cria um preconceito credencialista que enfraquece a dignidade do trabalho e rebaixa pessoas que não chegaram à universidade; e terceiro, insistir na ideia de que problemas sociais e políticos são mais bem resolvidos por especialistas com educação de nível superior e valores neutros é presunção tecnocrática que corrompe a democracia e tira o poder de cidadãos comuns". p. 105.
A segunda é a exortação final do livro: "A convicção meritocrática de que pessoas merecem quaisquer que forem as riquezas que o mercado concede a partir de seus talentos faz a solidariedade ser um projeto quase impossível. Por que as pessoas bem-sucedidas devem algo aos membros com menos vantagens na sociedade? A resposta para essa pergunta depende de reconhecer que, para todos os nossos esforços, não vencemos por conta própria nem somos autossuficientes; estar em uma sociedade que recompensa nossos talentos é sorte, não é obrigação. Uma sensação viva do contingente de nosso destino pode inspirar certa humildade: "Aí vou eu, mas pela graça de Deus ou por acidente de nascimento, ou ainda, por mistério do destino". Essa humildade é o começo do caminho de volta da dura ética do sucesso que nos divide. Aponta para além da tirania do mérito na direção de uma vida pública menos rancorosa e mais generosa". pp.325-6.
Por fim, dois depoimentos da contracapa: "Acessível e profundo, A tirania do mérito é uma análise reveladora da perversa injustiça da nossa sociedade, movida em parte por uma ingênua e míope confiança na noção de mérito. Em tempos de retórica fácil e tribalismo irrefletido, este livro provocativo é leitura obrigatória àqueles que ainda se importam com o bem comum". E "Sandel oferece uma crítica convincente e profunda da meritocracia, essa que [...] deteriorou nosso senso de comunidade e respeito mútuo [...]. Uma análise instigante de um grave problema político e social".
É a velha distinção entre o ser como um indivíduo ou como um ser social. Uma questão de concepção. Uma leitura necessária.
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