quarta-feira, 14 de julho de 2021

1984. George Orwell.

Como conhecia 1984 apenas pela sua versão levada ao cinema e como ainda tenho um projeto de leitura de grandes clássicos, adiantei o livro na fila de leitura, colocando-o em primeiro lugar. É uma leitura fascinante e que provoca, segundo palavras de Erich Fromm, uma "esperança desesperada". 1984 é o último romance de George Orwell. Ele é datado de 1949, um ano antes da morte do escritor. Este é um dado fundamental para a compreensão do livro. Orwell tinha em mente, vivos, os horrores do progresso da civilização ocidental: Primeira Guerra, crise econômica de 1929, nazi-fascismo, stalinismo, Segunda Guerra Auschwitz, e, acima de tudo, a bomba atômica e a perspectiva da corrida armamentista. Havia possibilidade para a esperança? Está abeto o caminho para a sua distopia.

1984. George Orwell. Companhia das Letras. Tradução: Alexandre Hubner e Heloisa Jahn.

O livro é relativamente longo e é dividido em três partes. Na primeira, em oito capítulos, é feita uma descrição e uma contextualização geral do Sistema que estará implementado no mundo a partir de 1984 (ele escreve em 1949, como já vimos). Nela também emergem os protagonistas da obra, com destaque para o ainda esperançoso Winston Smith. Aparecem as três potências da época: Oceânia, Eurásia e Lestásia. Winston vive na Oceânia. Ela é governada pelo Partido e seus ministérios, sob a inspiração do Grande Irmão. Todos são controlados pela onipresença das teletelas (pan-ópticos), que, tanto captam, quanto transmitem o que interessa ao Sistema. As potências vivem em guerras permanentes.

Na segunda parte, Winston se apaixona por Júlia. Como os sentimentos humanos haviam sido abolidos pelo Sistema, vivem em erro e sofrem as penas de sua rebeldia. Há esperanças! O'Brien (observem bem este personagem da alta hierarquia do Partido) coloca Winston em contato com a Confraria. Ela representava a Revolução. Esta era pregada por Goldstein, o difamado e temido líder do Partido. Para sobreviver, o Sistema precisa de inimigos. Goldstein era o inimigo. Winston e Júlia são flagrados pela Polícia das Ideias. Essa narrativa consta de dez capítulos.

Na terceira parte, narrada em seis capítulos, Winston inicia o seu processo de adaptação ao mundo do Grande Irmão. Ele consta de torturas e de lavagem cerebral. Constava de três partes: aprendizado, compreensão e aceitação. O'Brien é um dos chefes supremos do Partido e comanda o processo. As dores são inimagináveis e terminam no quarto 101, onde o processo é finalizado. "Duas lágrimas recendendo a gim correram-lhe pelas laterais do nariz. Mas estava tudo bem, estava tudo certo, a batalha chegara ao fim. Ele conquistara a vitória sobre si mesmo. Winston amava o Grande Irmão" (página 346). Winston finalmente estava adaptado.

O livro tem um apêndice extraordinário, Os princípios da Novafala, do próprio autor. No mundo do Grande Irmão uma nova linguagem seria necessária. O número de palavras deveria ser mínimo. O passado deveria ser abolido e, junto com ele, tudo o que ele havia produzido, especialmente o mundo político das utopias, da democracia, da liberdade e da igualdade. Foi, creio eu, a parte que mais exigiu da criatividade do escritor. É o que assistimos no mundo neoliberal de hoje. O empobrecimento da linguagem e a redução do imaginário. 

Apresento agora a síntese da contracapa, para depois, dar espaço aos posfácios acrescidos ao livro. "1984 é uma das obras mais influentes do século XX, um inquestionável clássico moderno. Publicado em 1949, quando o ano de 1984 pertencia a um futuro relativamente distante, tem como herói o angustiado Winston Smith, refém de um mundo feito de opressão absoluta. Em Oceânia, ter uma mente livre é considerado crime gravíssimo, pois o Grande irmão (Big Brother), líder simbólico do partido que controla a tudo e todos, 'está de olho em você'.

No íntimo, porém, Winston se rebela contra a sociedade totalitária na qual vive: em seu anseio por verdade e liberdade, ele arrisca a vida ao se envolver amorosamente com uma colega de trabalho, Julia, e com uma organização revolucionária secreta".

Então vamos aos posfácios. O primeiro é de Erich Fromm, datado de 1961. Vou me ater mais a ele. Em primeiro lugar ele nos lança uma advertência e nos provoca uma espécie de desespero. "O sentimento que expressa é de quase desespero acerca do futuro do homem, e a advertência é que, a menos que o curso da história se altere, os homens do mundo inteiro perderão suas qualidades mais humanas, tornar-se-ão autômatos sem alma, e nem sequer terão consciência disso".

Apresenta depois as três obras que representam as utopias com relação ao futuro da humanidade, proporcionadas pelo entendimento, da razão esclarecedora: Utopia de Thomas More; A cidade do sol, de Campanella e Cristianópolis, de Johanes Valentinus Andreae. A elas contrapõem as três grandes distopias, ou utopias negativas: Nós, de Zamyatin; Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley e a do próprio George Orwell, 1984.

Do posfácio de Erich Fromm anotei duas observações que considerei mais significativas: A primeira é a de que a paz é impossível em meio à corrida armamentista travada entre as grandes potências e, a segunda, a da natureza da verdade dentro do regime do Grande Irmão. A verdade é aquela que é ditada pelo Partido. Ela se dá sob o duplipensamento. Dois e dois são quatro, ou são cinco, conforme a conveniência.

Fromm afirma que 1984 nos coloca diante de duas possibilidades: ele, ou nos torna totalmente desesperançados e resignados, ou nos proporciona a clareza para ações ainda mais corajosas para o enfrentamento e a resistência. Assim Fromm termina a sua análise; "A esperança só pode concretizar-se, nos ensina 1984,  se percebermos o perigo que confronta os homens de hoje, o perigo de uma sociedade de autômatos que terão perdido todos os traços de individualidade, amor e pensamento crítico, e que não serão capazes de percebê-lo em decorrência do 'duplipensamento'. Livros como o de Orwell são advertências poderosas, e seria lamentável se o leitor, de modo autocomplacente, interpretasse 1984 como mais uma descrição da barbárie stalinista, sem perceber que o livro se refere também a nós" (Página 378-9).

O segundo posfácio é de Ben Pimlott, datado de 1989. O historiador britânico faz uma pequena mas memorável síntese do livro e destaca o "duplipensar", presente no personagem de O'Brien. Destaquei uma pequena frase: "É um livro sobre o presente contínuo: uma atualização da condição humana. O que mais importa é que ele nos lembra de muitas coisas nas quais normalmente evitamos pensar" (Página 386).

O terceiro e último posfácio é do escritor norte americano Thomas Pinchon (2003). Ele nos apresenta uma contextualização da obra e nos põem em contato com a sua gênese. Pinchon deve ser um estudioso de Orwell. Também destaca o "duplipensamento" e mostra algumas ausências nas previsões do livro, como os fanatismos religiosos e o ódio entre raças, que facilmente ele poderia ter previsto. Os posfácios, devo dizer, são profundamente esclarecedores. Os autores, seguramente foram escolhidos meticulosamente, a dedo.

No momento estou lendo Contra a miséria neoliberal, de Rubens Casara (Autonomia literária, 2021). O tempo inteiro ele me remete ao 1984. Especialmente ao apêndice Os princípios da Novafala. O empobrecimento da linguagem é um dos pressuposto dos regimes totalitários. Ela produzirá a redução do imaginário, necessária à adaptação a um nível menor de exigências. Por isso o neoliberalismo promove tantas agressões aos sistemas educacionais, aos incentivos culturais e tanto estimula o negacionismo, nos remetendo aos tempos medievais.

Contra a miséria neoliberal. Rubens Casara. Autonomia  Literária. 2021.


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