sábado, 13 de abril de 2024

O tempo e o vento (parte III). O arquipélago (vol. 2). Érico Veríssimo.

Como nos volumes anteriores, procedo da mesma forma com este. Tomo, da contracapa do livro, a sua pequena síntese: "No segundo volume de O arquipélago, os conflitos delineados no primeiro se adensam. A revolução de 23 chega ao fim e o Rio Grande do Sul é pacificado, mas por pouco tempo. As novas contradições do Brasil chegam à família Terra Cambará: guarnições militares das Missões se rebelam e Toríbio, o irmão mais velho de Rodrigo, une-se a elas na formação de uma coluna revolucionária que tem "um ilustre desconhecido" à frente, um certo capitão Luiz Carlos Prestes... No plano da memória, em 1945, o escritor Floriano Cambará se deixa tomar por sua paixão pela cunhada, desenhando um conflito ameaçador na já precária paz familiar".

O tempo e o vento (parte III). O arquipélago (volume 2). Companhia das Letras.

É a década de 1920 que está sob análise. Tudo está fermentando. Tudo está em ebulição. As insatisfações populares já não mais conseguem ser contidas. Setores médios também se rebelam. É a revolução dos tenentes, clamando por uma nova ordem política, puxada pelas transformações econômicas e sociais que estão em curso. O país sofre os impactos da industrialização e da urbanização. Cultura e costumes também estão inscritas nesta ordem das coisas. Novos atores sociais, comerciantes e industriais também estão em busca de protagonismo social. Já os estancieiros vem perdendo poder, além de verem as suas famílias se desintegrarem, como é o caso da família Terra Cambará.

Vejamos os títulos desse segundo volume: 1. Lenço colorado (Continuação). É o lenço maragato da descentralização e da autonomia dos estados federados; 2. Reunião de família III; 3. Caderno de pauta simples; 4. Um certo major Toríbio. É o Bio na marcha da Coluna Prestes; 5. Reunião de família IV; 6. Caderno de pauta simples.

O tópico número 1 - uma continuação do primeiro volume - lenço encarnado (capítulos 18 a 37) - é dedicado à revolução de 1923. É Assis Brasil contra Borges de Medeiros. Borges terá a seu lado nomes como os de Flores da Cunha e Osvaldo Aranha. Licurgo será o comandante das forças revolucionárias de Santa Fé. Agora ele peleará ao lado dos maragatos, situação esta, que ainda lhe dá muitos constrangimentos. Rodrigo e Toríbio também participam. Eles chegam a tomar Santa Fé, mas a ocupação não se sustenta e eles batem em retirada. Nessas escaramuças Licurgo será a grande baixa dos revolucionários de Santa Fé. A revolução dura todo o ano de 1923 e a paz será selada pelo acordo de Pedras Altas. Em ato heroico, Licurgo é levado ao Angico, para ali receber sepultura digna.

O segundo tópico - Reunião de família III, foi para mim, uma das passagens mais significativas de toda a obra. Tio Bicho e Floriano serão os dois grandes personagens desse momento do livro. Floriano, lembram, é o aprendiz de escritor, enquanto que o Tio Bicho é o grande autodidata da obra, uma espécie de anarquista, meio pacifista, se é que isso existe (Que o diga Don Pepe). Quando fiz a resenha do outro livro de Veríssimo, O Incidente em Antares, eu fiz uma referência, dizendo que com este livro eu iniciei a introdução de textos de literatura em minhas aulas, lá pelo final dos anos 1970. Agora devo dizer que, com O tempo e o vento e, em particular, com este segundo volume de O arquipélago e, mais especificamente ainda, com este - Reunião de família III, eu obtive o meu maior e melhor êxito neste tipo de trabalho. Eram alunos e mais alunos repetindo os questionamentos com os quais Tio Bicho fez Floriano se fazer as interrogações fundamentais diante de uma vida. Uma experiência simplesmente inesquecível.

Estes questionamentos são retomados no tópico de número 3, acrescidos de uma experiência que Floriano teve ao viver por alguns anos nos Estados Unidos. O aprendiz de escritor faz assim interessantes reflexões sobre a cultura dos Estados Unidos. Como escritor ele decide manter, em sua obra, um encontro consigo mesmo, com a sua Santa Fé e com o seu Rio Grande do Sul. Mais uma vez um arcabouço de O tempo e o vento.

Um certo major Toríbio, o tópico de número 4, mostra o mesmo, mais uma vez envolvido em um processo revolucionário, desta vez como integrante da Coluna Prestes. É o mais longo tópico do livro, que inicia com a prematura morte de Alicinha, para o desespero de Rodrigo, que não cansa de se culpar. Aliás, como a culpa, o remorso e o arrependimento acompanham a vida de Rodrigo! Passa também pela vida da pacata cidade de Santa Fé e pelas conversas no Sobrado, onde serão debatidos os grandes temas mundiais e brasileiros desse período histórico. Os personagens serão o Tio Bicho, Floriano, o intelectual, ideologicamente indefinido, Eduardo, o filho comunista de Rodrigo e o irmão Toríbio, o filho assumido por Toríbio, que se tornou irmão marista. Mas, o grande tema do Sobrado será a coluna Prestes, da qual Toríbio, em sua volta para a cidade, será o grande narrador. Prestes, o Cavaleiro da Esperança, é o grande candidato a se transformar no primeiro herói brasileiro.

Floriano será o grande personagem do tópico de número 4. Nele serão mostradas as suas grandes perturbações que o acompanham, especialmente, a sua obsessão impossível por Sílvia, a cunhada. Mas o grande momento dessa reunião em família será uma espécie de acerto de contas com o pai. Este, por sinal, terá uma recaída em sua saúde, pelas emoções causadas com a passagem de Sônia em frente do Sobrado, atendendo a um pedido seu. Floriano também comparece à inauguração de um busto em homenagem ao cabo Lauro Caré, por sua participação na campanha da FEB, na Itália, na Segunda Guerra Mundial. É mais um membro da família Cambará, não de sua linhagem oficial, mas da paralela. No busto do cabo Lauro se leem marcantes traços de Licurgo Cambará, que ao longo de sua vida teve em Ismália Caré, a sua eterna amante.

No - caderno de pauta simples - mais uma vez encontraremos Floriano como o seu grande personagem, num acerto de contas consigo mesmo e num encontro com as suas memórias: a sua adolescência, sua sexualidade, encontros e desencontros com o pai e as revelações inesperadas (seriam surpreendentes?), de seu tempo de internato no colégio em Porto Alegre. Os sonhos com a Salamanca do Jarau, da busca da fortuna sexual pairam sobre todo o tópico.

Deixo ainda a resenha do primeiro volume de O arquipélago.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2024/04/o-tempo-e-o-vento-parte-iii-o.html


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