quarta-feira, 9 de abril de 2025

"A PRAGA DO PARÁ". Origens e crescimento do pentecostalismo assembleiano - 1911-1931. Rafael da Gama.

Numa de nossas habituais conversas no restaurante São Francisco, o mais antigo de Curitiba (1955), meu amigo Valdemar falava do livro Seja feita a Vossa Vontade - Nelson Rockfeller e o evangelismo na idade do petróleo, de Gerard Colby e Charlotte Dennet (Record, 1998 - 1060 páginas). O livro está disponível na Amazon, a um custo de R$ 1.000,00. Na sua apresentação se lê que Rockefeller juntou-se a Cameron Townsend, um líder evangélico, para, além das finalidades econômicas, combaterem o comunismo e evangelizarem os indígenas da amazônia. A apresentação termina assim. O empreendimento "resultou num dos episódios mais escandalosos da política imperialista americana com ataques à natureza, patrocínio de ditaduras, genocídios, exploração predatória de riquezas naturais e espionagem". 

Por óbvio, o livro me interessou. Mas, como estamos num período em que o governador do Paraná (Rato Júnior), usa as reposições salariais do funcionalismo público como poupança para investimentos..., fazendo despencar os nossos salários, acrescido ao elevado preço do livro, nem me passou pela cabeça a ideia de sua compra. Mas as buscas do livro nas pesquisas da Internet, me sugeriram outros títulos. Entre eles: "A praga do Pará" - origens e crescimento do pentecostalismo assembleiano (1911-1931), de autoria de Rafael da Gama, uma edição da Pluralidades, 2ª edição, 2024. Este eu comprei.

"A praga do Pará". Rafael da Gama. Pluralidades. 2024. 132 páginas.

A primeira coisa que eu tenho a dizer, é que Rafael Gama é historiador. E, na orelha da capa, ele se apresenta como "sempre, e principalmente, servo e amigo de Cristo". O livro historia fatos, historia as polêmicas geradas pelos fatos. O seu livro tem origem acadêmica e obedece aos ditames da metodologia científica. Um livro com toda a seriedade de um pesquisador. Notem que o título "A praga do Pará", está entre aspas. Ele está explicitado no capítulo quatro: "A heresia pentecostal": diálogos e tensões entre pentecostais e protestantes. É uma referência ao tratamento dado aos pentecostais pelos próprios protestantes em seus órgãos de imprensa. Vejamos um trecho da página 76: "São constantes as difamações em relação ao pentecostalismo, ao mesmo tempo que notamos a sua crescente expansão. Logo alguns anos após o início do movimento pentecostal na cidade, já percebemos periódicos batistas e presbiterianos opinando sobre "A heresia pentecostal" (1923), com nominações jocosas como "espírito de fogo" (1916), "A praga que veio do Pará" (1916), entre outras nomenclaturas que eram comuns nesses jornais".

Explicitado isso, vamos a algumas considerações sobre o livro. Com ele, você fica sabendo muito mais do que apenas a questão específica da chegada dos pentecostais à Belém, mas também sobre a religiosidade tradicional na cidade, de sua economia, estrutura social e econômica, crises de saúde e sanitárias, entre outros tantos temas. Observem a delimitação das datas - 1911-1931. Já somos um país republicano. Já instituímos a liberdade religiosa e separamos a Igreja e o Estado. Já estamos no final do ciclo da borracha, do final do século XIX e da primeira década do XX, que provocou, na região, a chamada Belle Époque. O pentecostalismo chega a Belém, portanto, numa época de profundas crises. 

Outro ponto notável do livro é a sua busca por fundamentos históricos, como o surgimento do protestantismo, sua expansão e as formas como ele se estabeleceu nos diferentes países, especialmente nos Estados Unidos. Este país divergiu do anglicanismo inglês e fez surgir novas denominações, entre as quais o autor destaca os metodistas, batistas e presbiterianos, denominações já presentes em Belém, quando da chegada dos adeptos do pentecostalismo. Outro ponto forte do livro é a forma como os Estados Unidos conceberam ou imaginaram a sua religiosidade, como povo eleito, ou como nação eleita e o espírito evangelizador e missionário decorrente. É um protestantismo fundamentalmente calvinista, ligado à prosperidade. Tem muito de Max Weber nas análises do autor. Sim, também tem toda a história da festa de Nossa Senhora de Nazaré.

O livro é estruturado em prefácio, introdução e seis capítulos, assim titulados: 1. Belém do Pará: catolicismo e hegemonia social; 2. "A verdadeira fé": o protestantismo no Pará; 3. De Los Angeles a Belém do Pará: o surgimento do movimento pentecostal; 4. "A heresia pentecostal": diálogos e tensões entre pentecostais e protestantes; 5."A cura para os leigos": diálogos entre o pentecostalismo e a cidade; 6. "Da violência simbólica à física: diálogos e conflitos entre católicos e pentecostais; Considerações finais e uma rica indicação de referências bibliográficas.

O prefácio, assinado por Gedeão Alencar, destaca a Primeira Missa do 21 de abril de 1500 para oficializar o descobrimento e a oração pentecostal, de 24 de outubro de 2018, após o TSE proclamar o resultado das eleições presidenciais, anunciando Jair Bolsonaro como presidente. Observação bem de acordo com o tema do livro. Momentos históricos diferentes. Disputas do imaginário religioso.

Na Introdução são apresentadas as razões do livro e a sua estruturação básica. Ele é uma decorrência de suas pesquisas de doutorado na PUC/SP. Chama a atenção dos fatos históricos mais importantes do período e o vertiginoso crescimento do pentecostalismo, sendo a Assembleia de Deus, a denominação de maior número de adeptos no Brasil de hoje, num total de mais de 12 milhões de seguidores. "Assembleia de Deus", foi a denominação da primeira igreja fundada pelos pentecostais em Belém.

No primeiro capítulo o autor explicita princípios da doutrina católica, a origem histórica de Santa Maria de Belém do Grão Pará, o sincretismo das religiões dos povos que ali se encontraram, índios, negros e colonizadores brancos, a centralização da fé em Nossa Senhora de Nazaré e a sua história e a economia gomífera (ascensão e declínio). O catolicismo como religião hegemônica sob o comando dos padres barnabitas, ordem religiosa que fora banida na França. Seus órgãos de imprensa e o combate ao protestantismo.

No segundo capítulo são apresentados os protestantes e seus fundamentos religiosos que os diferenciaram do catolicismo, com destaque de uma ligação direta com Deus, sem as mediações típicas e próprias do catolicismo. Se dedicam ao expansionismo, e dividem a América, com a ocupação de sua área norte. A sua consideração como "povo eleito", a "nova Israel". A fé que se impregna num modelo econômico e social. Se elegem como uma "nação modelo", uma referência à prosperidade. De acordo com a finalidade do livro, destaca a presença de missionários suecos nos Estados Unidos. Serão esses suecos que chegarão mais tarde a Belém. o destaque vai para as denominações dos metodistas, batistas e presbiterianos.

O terceiro capítulo é um dos centrais do livro. Ele retrata a origem do pentecostalismo nos Estados Unidos, na cidade de Los Angeles. Dá até o endereço da rua Azusa. Apresenta o "batismo com o Espírito Santo", êxtases, falar línguas, visões e avivamentos, como suas grandes inovações. Vejam uma descrição do "Los Angeles Daily Times", que mostra, tanto as inovações trazidas, quanto a sua recepção nada favorável: "Respirando palavras de estranhos e pronunciando um credo que parece que nenhum mortal poderia entender, a mais nova seita religiosa começou em Los Angeles [...] a estranha doutrina pratica os ritos mais fanáticos [...] Pessoas de cor e uns poucos brancos compõem a congregação, e a noite se torna horrível na vizinhança pelos uivos adoradores, que passam horas se balançando para frente e para trás em uma atitude de oração e súplicas enervantes. Eles alegam ter 'o dom de línguas' e serem capazes de compreender a babel [...] Então é que o pandemônio se solta [...] em uma exaltação de zelo religioso". Nada lisonjeiro. A referência às pessoas de cor se deve a um filho de ex-escravizados, Willian Seymour, entre os fundadores. Entre os seus primeiros adeptos também figuravam os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren. Estes trouxeram a doutrina a Belém (página 63-64).

O quarto capítulo é dedicado às primeiras atividades dos dois missionários, a sua acolhida pelos batistas e metodistas e as desavenças. Foram expulsos de um local onde faziam as suas celebrações e, já em um novo local, os dois e mais dezessete seguidores, lançaram a sua nova denominação, primeiramente como Missão de fé apostólica e depois lhe deram a designação pela qual ficaram denominados no Brasil: Assembleia de Deus. (página 72). No capítulo ainda é mostrada a sua rápida expansão e as causas para esta expansão. Uma religião que prima pelo testemunho e não pela razão.

Aí já entramos no quinto capítulo, uma análise da recepção dessa nova denominação. Ela se assenta em uma sociedade em profunda crise, crise econômica e social e crise de epidemias como a malária, a lepra, a febre amarela, a cólera e a tuberculose. Testemunhos de cura, caem bem em meio a esta realidade. Glossolalia, curas e ampla participação popular impulsionaram a expansão.

O sexto capítulo versa sobre a relação com os católicos. É fácil de entender. O catolicismo era a religião hegemônica e que tudo fez para não perdê-la. Era a religião do poder e este foi usado a seu serviço. Da violência simbólica partiu-se para a violência física da atuação policial. São retratadas cenas dessas violências, especialmente as da cidade de Bragança. 

Das considerações finais tomo o último parágrafo: "Essa reação violenta do catolicismo diante do pentecostalismo mostra mais um estranhamento em relação à ameaça de perda de sua hegemonia. Mostra um processo que se desenrola até os dias de hoje, com um pentecostalismo diverso e pulverizado, atuando fortemente nas periferias do país, em ascensão desde a sua chegada no Brasil através da região amazônica. Estudar o pentecostalismo em sua origem, expansão e consolidação nas primeiras décadas de sua formação no Norte do país, nos faz entender melhor a religiosidade brasileira não apenas no Pará, mas em todo o território nacional no período republicano, trazendo também reflexões sobre o crescimento do pentecostalismo que seguem até os dias atuais. Entender o movimento pentecostal é, assim, procurar entender toda a complexidade do cenário religioso brasileiro, em suas diferentes nuances e manifestações".

Estão abertos os debates.

Deixo ainda dois livros, um deles muito presente nas análises do autor. A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/01/a-etica-protestante-e-o-espirito-do.html e outro, numa visão bem crítica, Os demônios descem do norte, de Délcio Monteiro de Lima. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/12/os-demonios-descem-do-norte-delcio.html

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