segunda-feira, 29 de setembro de 2025

A Fenomenologia Negra de Fanon. Ivo Queiroz & Ericson Falabretti.

Num de nossos já costumeiros almoços no São Francisco, recebo um presente da Suzi, uma das diretoras da DROPS EDITORA, o livro - A fenomenologia Negra de Fanon. Na capa constam como autores do livro Ivo Queiroz e Ericson Falabretti. Na verdade, o livro é o trabalho de pós doutorado de Ivo Pereira de Queiroz, sob a orientação de Ericson Falabretti. E como falamos dos autores, vamos a uma apresentação sua, contida na orelha da contracapa do livro.

A fenomenologia negra de Fanon. Ivo Queiroz e Ericson Falabretti. Kotter Editorial. 2025.

Ericson Falabretti é professor do curso e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCPR. Pró- reitor de Desenvolvimento Educacional da universidade, é membro do GT de Filosofia da ANPOF. Pesquisa e orienta mestrados e doutorados nas áreas de Filosofia Política e Fenomenologia.

Ivo Pereira de Queiroz é professor aposentado da UTFPR, onde é membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas - NEABI e da Seção Sindical dos Docentes da UTFPR - Sindutfpr. Permanece aprendiz de filosofia por meio dos livros, da vida e das rodas de samba, no Samba do/a Compositor/a Paranaense e do Samba do Sindicatis, pelas quebradas de Curitiba.

Como o título do livro nos indica, dois temas são fundamentais: A fenomenologia e Frantz Fanon. Nunca estudei sistemática e metodicamente a fenomenologia. Já Frantz Fanon me é um pouco mais familiar, pelos estudos da descolonização, da luta pela libertação da Argélia e pela leitura de seu maravilhoso livro Os condenados da Terra

Como se trata de um livro acadêmico, um trabalho de pós doutorado, de alta densidade teórica, não vou me aventurar em uma resenha. Me limitarei a uma pequena apresentação do trabalho, daqueles elementos que numa leitura mais simples, mais me chamaram a atenção, ressaltando antes, a importância e a atualidade do tema, corroborada num poema, de autoria do próprio Ivo, como uma espécie de epígrafe - VIDAS NEGRAS IMPORTAM.

O que eu tenho a ressaltar foi o fio condutor do trabalho. Uma superação do conceito cartesiano da divisão do ser humano em corpo e mente, numa visão mecânica de partes separadas e que não interagem. Essa superação se deu pelos estudos da fenomenologia, destacando os trabalhos de Husserl e Merleau-Ponty, de Sartre e de Martin Heidegger. Merleau-Ponty foi professor de Fanon, em seu tempo de formação na Universidade de Lion. Fanon também teve fortes influências de um conterrâneo seu, Aimé Césaire, especialmente, sobre o tema do colonialismo e seus males. Césaire e Fanon nasceram na ilha de Martinica, no mar caribenho. Era um Departamento Ultramarino francês e, ainda hoje, integra As Índias Ocidentais Francesas. Tem uma população de aproximadamente 400 mil habitantes.

Fanon tornou-se médico e atuou no campo da psiquiatria. A exerceu profissionalmente na Argélia, mas por pouco tempo, por ter se integrado na luta pela emancipação do país, sendo um de seus principais teóricos. No seu livro Os condenados da Terra, ele conta, tanto da sua experiência como psiquiatra, denunciando os males do colonialismo/racismo, tanto sobre o colonizador, quanto sobre o colonizado, quanto do seu engajamento na luta pela emancipação da Argélia (1954-1962). Fanon nasceu na Martinica (1925) e morreu precocemente (aos 36 anos) nos Estados Unidos (1961), onde procurou tratamento para a cura da leucemia que o acometera. Neste mesmo ano de 1961 também é publicado seu livro Os condenados da Terra.

Mas vamos à orelha da capa, para ver a trajetória percorrida na elaboração deste trabalho: "Esta fenomenologia negra de Fanon é o resultado do reencontro intelectual de dois amigos que, durante quatro anos, desenvolveram diálogos sobre as leituras de textos de Frantz Fanon à luz da fenomenologia e da ancestralidade africana. Este livro é o registro do aprendizado alcançado nesta convivência e nos chega como celebração do centenário de nascimento de Fanon (1929 - 2025).

O livro repercute reflexões e categorias desenvolvidas por Fanon, situando-as no contexto dos debates fenomenológicos e levantando articulações, com o enfrentamento do racismo no momento presente. Neste sentido, são apontadas aproximações com a filosofia afrobrasileira e do encantamento, evocando gentes conhecidas e anônimas da filosofia e do samba. Assim, além de Fanon, Merleau-Ponty, Husserl, Sartre e Marx, temos felizes companhias de Adibênia Freire Machado, Eduardo Oliveira, Renato Nogueira, Ailton Krenac, Nego Bispo e o povo do samba: Janaína Queiroz, Cláudio P, Léo Fé e o multiartista Jonas Lopes que leu Pele negra - máscaras brancas e criou a capa deste livro, presenteando-nos com um Fanon enorme, em cujo rosto a máscara branca não cabe".

O livro, de 238 páginas, contém cinco capítulos como o corpo principal, além de apresentação, introdução, considerações finais e bibliografia. Na introdução é apresentada a vida, os métodos e os escritos de Fanon. Já os capítulos, eu apresento seus títulos e subtítulos: 1. As vidas que importam: do esquema corporal ao esquematismo epidérmico: Humanismo seletivo - Do corpo objeto ao corpo próprio - O corpo objeto - O corpo próprio - Esquema corporal - Reversibilidade - Intercorporeidade - O esquematismo epidérmico - Esquematismo epidérmico-racial e o desaparecimento do esquema corporal - Racismo e cultura.

2. O esquematismo epidérmico e a linguagem: Merleau-Ponty: A linguagem no mundo da vida e a experiência da fala - Fanon e o esquematismo epidérmico-linguístico. 3. Tempos de violência: As formas da violência - Violência atmosférica - Violência atmosférica na Argélia - O reconhecimento como não violência.

4. Do esquematismo epidérmico ao humanismo não essencialista: Esquematismo epidérmico e as duas metafísicas - Tomada de consciência e engajamento - Da desobediência aos esquemas epidérmicos - Novo humanismo. 5. Filosofia da tecnologia afrodiaspórica: Reflexividade radical sobre o ser negro - Parâmetros culturais africanos à luz do ser, do agir e do fazer - A dinâmica afrodiaspórica: negação do ser versus corpos em movimento - A opção fundamental do agir e do fazer afrodiaspórico - Os modos de ser do pensar e do fazer tecnológico: ancestralidade ocidentocêntrica e condição afrodiaspórica.

Eu destacaria ainda a questão do humanismo, deste humanismo seletivo, deste humanismo eurocêntrico. A primeira vez em que eu me deparei com este conceito foi através da obra de Alejo Carpentier - O século das luzes e Necropolítica, de Achile Mbembe. Os princípios do humanismo, de liberdade e de igualdade, pregados pelo iluminismo, foram postos à prova com a independência do Haiti, em 1804. Esses princípios seriam válidos apenas para os brancos europeus e não para os povos colonizados e escravizados das colônias africanas, americanas e asiáticas.

Ao longo da leitura também me lembrei muito de Paulo Freire. Do Paulo Freire do exílio e trabalhando para o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) em Genebra. Talvez esta seja uma das partes menos conhecidas da vida de Paulo Freire, mas das mais importantes, quando ele foi orientador na elaboração de práticas pedagógicas para as antigas colônias africanas de língua portuguesa, agora, países libertos, independentes. Paulo Freire, neste seu trabalho, muito levou em conta a vida e a obra de Frantz Fanon. Uma revolução na pedagogia desses países.

Deixo ainda a parte final do trabalho, seguramente palavras de alento: "O esquematismo epidérmico se manifesta nos antigos e novos discursos de ódio e morte, proclamados por supremacistas, sejam eles remanescentes de velhos tempos ou emergentes em novas formas.

O colonialismo é a sementeira da tristeza. O pai de todos os clubes melancólicos da humanidade narcísica.

Enquanto não retomarmos, através de uma luta ativa no campo do Lebenswelt político, a ancestralidade originária dos corpos e a amorosidade radical da vida, fonte do encantamento e das confluências que desembocam na festa. na alegria e na vontade de viver, o racismo continuará a subsistir triunfante como um pilar central de antigas e novas formas de desumanização, calvário e domesticação".

Deixo ainda com vocês, a resenha de Os condenados da Terra.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/03/os-condenados-da-terra-frantz-fanon.html


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