sexta-feira, 3 de outubro de 2025

A OLIGARQUIA BRASILEIRA. Visão histórica. Fábio Konder Comparato.

Com toda certeza, este livro eu comprei por causa de seu autor. Fábio Konder Comparato é um dos meus santos. Um santo leigo, por óbvio. Também por óbvio, que o tema é de interesse fundamental, o tema da oligarquia, sempre tão presente em nossa história. Estou falando de A oligarquia brasileira - Visão histórica, de Fábio Konder Comparato. A idolatria ao meu santo leigo tem origem em outro livro seu.  Ética - Direito, moral e religião no mundo moderno.

A oligarquia brasileira - Visão histórica. Fábio Konder Comparato. Contracorrente. 2018.

Na brevíssima introdução ao livro lemos que, - para conhecer a nós mesmos,  bem como a sociedade em que vivemos, - precisamos conhecer as forças sociais dominantes que nos moldaram. Este é o teor do livro. Estudar as forças sociais dominantes, sempre presentes na formação da sociedade brasileira. Desde já podemos afirmar que elas sempre foram o entrelaçamento dos interesses dos grandes proprietários e os agentes do Estado. Isto nos é apresentado ao longo de 236 páginas, divididas em: Introdução, cinco capítulos e conclusão. Da conclusão eu tomo uma ideia mais precisa do livro:

"O objetivo do presente livro é (ou foi) demonstrar que este princípio fundamental da convivência humana (A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 - 'Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos') foi muito pouco respeitado na sociedade brasileira. Desde os primórdios da colonização portuguesa até hoje, nossos aborígenes têm sido tratados como seres inferiores, podendo ser escravizados, mortos e desalojados impunemente. Durante os três séculos e meio em que vigorou legalmente a escravidão no Brasil, os africanos para aqui trazidos foram considerados oficialmente como coisas e não como pessoas: não tendo, portanto, direito algum e sendo objeto de propriedade e posse. Embora abolida oficialmente em 1888, e em seguida definida como um crime, a escravidão continua a ser praticada ocultamente ainda hoje.

Da mesma sorte, a instituição não oficial dos latifúndios agrícolas como senhorios, atribuindo-se aos respectivos senhores poderes absolutos sobre todos os que neles viviam, inclusive os membros da família senhorial, perdurou no grande sertão até o século XX.

Tais práticas acabaram por consolidar na mentalidade coletiva a convicção, que continuamos a manter oculta, de que no Brasil nunca existiu uma sociedade una, mas a divisão permanente entre uma minoria que manda e tudo decide, e uma imensa maioria dos que 'nasceram para mandados e não para mandar', segundo a expressão camoniana.

Eis a razão pela qual o regime oligárquico sempre existiu entre nós como um fato natural, embora nunca reconhecido oficialmente. Não se trata, porém, daquela oligarquia tradicional em que o poder supremo pertence exclusivamente à minoria de abastados, mas sim de uma coligação oligárquica, típica do capitalismo, na qual a classe rica permanece sempre unida aos principais agentes do Estado, ficando o povo à margem de todas as decisões" (Páginas 227-228). Vamos agora aos capítulos:

Capítulo I. Os fatores estruturantes da sociedade brasileira. Uma verdadeira aula de introdução à teoria política: Relações de poder, a classificação histórica dos regime políticos a partir dos gregos, as relações de poder na sociedade brasileira expressos na mentalidade e nos costumes sociais. Essa mentalidade e os costumes sociais são apresentados em suas características: O privatismo, o personalismo, o predomínio dos sentimentos sobre as convicções racionais, a dissimulação de caráter e a duplicidade das instituições e o multissecular costume da corrupção no nível oligárquico.

Capítulo II. A herança lusitana. Outra impressionante aula sobre a análise dessa herança, com um fantástico poder de síntese. Eis as heranças: A. Concentração dos poderes de comando, com a ruptura das tradições feudo-vassálicas. O soberano absoluto. B. Precoce ascensão social da burguesia e acentuado espírito mercantil da aristocracia, do clero e do próprio monarca. Com as navegações, a rápida ascensão dos comerciantes. Em vez de nobres, clientes do Estado. C. Estreita aliança da monarquia com a igreja católica nos empreendimentos coloniais. A instituição do padroado e a legitimação da escravização. D. Cultura da personalidade e tibieza das formas de organização social. A absoluta prevalência dos interesses pessoais sobre os coletivos. E. Permanente supremacia do interesse privado sobre o bem público. A privatização do poder, especialmente, as instituições jurídicas. Estes dados são fundamentais para a explicitação dos capítulos seguintes. Eles formam a mentalidade dominante, impregnados nos costumes.

Capítulo III. A oligarquia colonial. A formação do poder oligárquico com o entrelaçamento entre os proprietários (capitanias e sesmarias) e os administradores do Estado. Esse entrelaçamento não mais será desfeito. O tráfico e o trabalho escravo. Caracterização dos agentes do Estado e do clero. A corporação militar.

Capítulo IV. O poder oligárquico no período imperial. A preservação da oligarquia colonial. 1824 e a Constituição liberal da Casa Grande. A formação da Guarda Nacional. A aliança entre fazendeiros e o imperador. Mauá e a contenção do desejo de industrialização. As medidas protelatórias da abolição do tráfico e da escravidão. A abolição e o fim do regime monárquico.

Capítulo V. A oligarquia republicana. O mais longo dos capítulos. Ele tem as seguintes subdivisões: A. A adoção de um falso regime republicano. Uma democracia sem povo. Soberania nacional e nunca a soberania popular. Um golpe militar. O positivismo. A questão social. As rebeliões e o fim da República velha. B. A "Era Vargas". Um forte capitalismo de Estado. Uma sociedade de massas, o rádio e as comunicações. O populismo. O Estado Novo. O sindicalismo sob controle do Estado. Leis trabalhistas que não afetam os interesses do latifúndio. As transformações provocadas pela 2ª Guerra Mundial. C. A reconstitucionalização do Estado e o interregno do governo Dutra. Um governo de empresários e o alinhamento aos Estados Unidos. Bipolaridade e Guerra Fria. D. O novo governo Vargas. Três bases: Nacionalismo; direitos trabalhistas e política externa independente. Planejamento das atividades econômicas. Petrobras - Eletrobras - BNDE. Turbulência militar - Ideologia da Segurança Nacional. E. O governo JK, ponto alto da eficiência oligárquica. Consenso. Plano de Metas: Energia, transporte, alimentação, indústrias de base, educação e construção de Brasília. Criação de conselhos para abrigar as oligarquias. A hostilidade da aeronáutica (Jacareacanga e Aragarças). 50 anos em 5. F. Os governos imediatamente posteriores a JK. O histrião Jânio Quadros. O populismo demagógico. A renúncia após sete meses. Jango. Brizola. O parlamentarismo. O Plano Trienal. As reformas de base. Cisões. O clima da Guerra Fria. G. O Golpe de Estado de 1964 e a instauração do regime empresarial-militar.  Empresários abraçam as Forças Armadas. Adesões da sociedade civil. Os Estados Unidos. AI-5. As mutilações da democracia. O milagre econômico.  Anistia. Os crimes conexos. H. O período posterior ao regime empresarial-militar. Sarney e a restauração oligárquica. Inflação e Planos Econômicos. Collor de Mello. Corrupção e cassação. Itamar Franco. Plano Real e o controle da inflação. O Governo FHC.  Globalização e privatizações. Consenso de Washington. Lula: um intruso no regime oligárquico. Sem preocupar as oligarquias. Carta aos brasileiros. Dilma e o impedimento pelo golpe parlamentar jurídico. Temer e a restauração da velha aliança com as oligarquias.

Conclusão. Um prognóstico sobre o futuro do Brasil. Uma espécie de proposições para debate. Qual será o futuro do Brasil sob a radicalização do capitalismo, na sua passagem para o capitalismo financeiro que substitui a produção pelo rentismo e a quarta Revolução Industrial, a chamada Revolução 4.0. Termina com uma última questão: Haverá alguma mudança na organização dos poderes em nossa sociedade. O desejo do autor está expresso no último parágrafo:

"Oxalá saibamos organizar, paralelamente aos partidos políticos, movimentos que abram a consciência do povo para a nossa realidade política, que sempre foi avessa aos princípios fundamentais da República, da Democracia e do Estado de Direito".

A parte final merece um destaque todo especial, a parte em que entra em cena o presidente Lula. Uma frase síntese dessa fase está inscrita no livro e sublinhada na contracapa: "Lula foi, efetivamente, o único chefe de Estado no Brasil escolhido fora do esquema oligárquico. Foi esta a única vez em que a coligação oligárquica, notadamente o empresariado e os principais partidos políticos, utilizando-se largamente de seu oligopólio dos meios de comunicação de massa, não souberam manipular o processo eleitoral em favor do candidato que haviam escolhido". 

O livro teve a sua primeira edição em 2017. Ele chega até a operação Lava jato. Não abrange, portanto, o governo Bolsonaro e a retomada do governo pelo presidente Lula, na eleição de 2022. Trata-se de um interessantíssimo livro de história, da história política do Brasil. Deveria ser livro de leitura obrigatória, no mínimo, para os professores da área. Deixo também a resenha de um livro que explica a Utopia autoritária brasileira - como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje. Há inúmeras razões.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/09/utopia-autoritaria-brasileira-carlos.html

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