quinta-feira, 6 de novembro de 2025

O Relatório Lugano. Susan George. Para a COP-30.

Do dia 10 a 21 de novembro de 2025 ocorrerá a COP-30, a trigésima Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Ela ocorrerá na cidade de Belém, na porta de entrada da Amazônia, o maior santuário natural da humanidade, fato que certamente aumentará a sua importância. Tenho a certeza absoluta de que se trata de um dos maiores eventos de preservação do meio ambiente e da própria humanidade e, por isso mesmo, não ficarei  de todo ausente. Farei algumas postagens relativas ao evento.

O Relatório Lugano. Susan George. Boitempo. 2002.

Começo com a explanação de um texto que eu trabalhei quando ainda estava em sala de aula, ministrando a disciplina de Teoria Política. Era a principal aula relativa a questão do clima e a preservação do meio ambiente. O texto eu o retirei de um livro extraordinário: O Relatório Lugano, da cientista política Susan George. Ela é licenciada em filosofia pela Sorbonne e doutora em política pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris.  O seu livro data do ano de 1999 e que chegou ao Brasil, pela Boitempo, em 2002. No Brasil eram tempos de efervescência com a realização do Fórum Social Mundial, em 2001, em Porto Alegre.

Vamos começar falando da forma do livro. O título nos dá a primeira pista. Trata-se de um relatório, de um suposto relatório. Ele atende a uma suposta encomenda por parte dos mercados para que fornecessem um diagnóstico sobre a questão do clima ao final do século XX.  Os pesquisadores são reunidos na internacional cidade de Lugano, na Suíça, entre novembro de 1998 e novembro de 1999, para elaborarem o seu relatório. Antes de iniciarem os trabalhos, recebem algumas instruções, em que se ressalta o tempo favorável para a pesquisa, já que o sistema de livre mercado globalizado não tem mais inimigos. Apesar desse caráter eufórico, eles alimentam temores. Há perigos que se prefiguram muito claramente. O nome completo do relatório é: O Relatório Lugano - sobre a manutenção do capitalismo no século XXI. As instruções recomendavam um relatório objetivo e imparcial e os nomes dos pesquisadores teriam o sigilo preservado. A opção pela forma de relatório, nos diz a autora, seria inimaginável para a elite dominante da globalização, uma  vez que eles são absolutamente incapazes de ter alguma preocupação com o futuro. Uma bela dose de ironia.

No primeiro capítulo são apresentados os perigos, sob o título: Ameaças e perigos. Após uma grave advertência eles elencam cinco preocupações fundamentais, mesmo que os livres mercados não tenham mais inimigos explícitos a combater, como nos tempos da Bipolaridade e da Guerra Fria e de não haver nenhuma perspectiva de sua volta e que, hoje em dia, há milhares de pessoas que tiram proveito da situação. Por que então o sistema estaria ameaçado? Eles apresentam os seguintes elementos: 1. O potencial catastrófico do desequilíbrio ecológico; 2. Crescimento pernicioso; 3. Os extremos sociais e o extremismo; 4. Capitalismo de quadrilhas; 5. Colapso financeiro. Os inimigos estavam incrustados no próprio sistema. Esses tópicos são devidamente analisados. Vamos a alguns destaques:

1. O potencial catastrófico do desequilíbrio ecológico: A constatação é simples. Ele contrapõe dois sistemas. O ecológico e o econômico. E faz uma pergunta. Qual é o principal dos sistemas? Como o sistema ecológico é maior do que o sistema econômico, é nele que o sistema econômico deveria estar inserido. Mas o sistema econômico não é assim considerado. Ele inverte a situação e afirma a preponderância do econômico. Outra questão visível: O sistema natureza ou ecológico é finito. Mas o sistema econômico não o vê dessa forma. Ele o vê como uma riqueza infinita. No livro de contabilidade do sistema econômico são inscritas apenas as vantagens, nunca as perdas. É o famoso negacionismo da ciência. Em síntese, o sistema natureza é um sistema fechado e limitado mas o sistema econômico o vê como um sistema aberto e ilimitado. Isso implica no desprezo por fontes alternativas de energia, por exemplo. O lucro a curto prazo é o que importa. E, um alerta para a possível falta de água e para o aquecimento global. 

2. Crescimento pernicioso: Ninguém ignora a importância do crescimento. Sem crescimento há estagnação e declínio. Ele é o motor da economia. Mas, maior e mais, não significa necessariamente, melhor. Nem sempre o crescimento econômico está vinculado à promoção do bem-estar. O crescimento do PIB como um dado social, não é um dado confiável. Ele não mede a distribuição do crescimento, podendo gerar uma grande concentração de renda. (Acho interessante lembrar o modelo econômico proposto pela ditadura militar brasileira, de que primeiro é preciso crescer, para depois distribuir). 

3. Os extremos sociais e o extremismo: É uma decorrência da questão anterior. Se há crescimento sem distribuição, incorremos necessariamente na questão dos extremos sociais e, para nele, se incrustarem os extremismos. Como o sistema é competitivo e se nega a intervenção do Estado para promover as políticas públicas, por óbvio, estaremos produzindo mais desigualdades. E o que brotará desse sistema? Desordem, ódio e violência. E, uma forte tendência para o fim das chamadas camadas médias da população. O ódio pode ser direcionado contra a própria política, contra uma elite corrupta ou voltar-se contra si próprios. As teorias explicativas da desigualdade, como a da meritocracia, caem por terra e a política de privatizações destrói as oportunidades geradas pelos serviços públicos, agravando os problemas. Lembro de um belo livro, também dos anos 1990. A Armadilha da Globalização, dos sociais democratas alemães, Hans Peter Martin & Harald Schumann. O título do primeiro capítulo é: A sociedade 20 por 80. 20 % incluídos e 80 %  excluídos. Deixo o link da resenha:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/12/a-sociedade-20-por-80-uma-nova.html

4. Capitalismo de quadrilhas: O solapar dos fundamentos das atividades econômicas legítimas. As economias paralelas como o tráfico de drogas, de armas e da lavagem de dinheiro podem ficar de fora da jurisdição do Estado e até de chantagear ou se associar às autoridades constituídas.  As milícias e o crime organizado. A desregulamentação e a expansão das atividades ilícitas. Vejam esta citação: "Se ele chegar a superar os negócios legais, as regras tradicionais de concorrência serão pulverizadas, e o terrorismo multinacional tornar-se-á a ordem do dia". Se instaurará uma guerra hobbesiana, de indivíduos contra indivíduos, de empresas contra empresas e de nações contra nações, em suma, de todos contra todos.

5. Colapso financeiro: A surpresa é a de que ele ainda não tenha acontecido. O mercado de derivativos é maior que o mercado do PIB dos países. A especulação financeira se tornou maior do que a economia ligada à produção. Muitos falam do capitalismo financeiro como um capitalismo vadio. Ele gera crises de loucura e de colapsos mentais. E os eternos socorros financeiros do Estado, mesmo que o abominem. Em suma, uma série de aporias, de contradições internas dentro de um sistema que, inclusive, chegou a anunciar o fim da história, A perfeição já teria sido alcançada e a ela todos teriam que se submeter.

Isso foi escrito no ano de 1999. Se o texto teve a intenção de ser profético, estas profecias estão se realizando e são, a cada dia que passa, mais visíveis. E como eu saía feliz após essas aulas com esse teor. Formação de consciências, de preservação de futuro. Eu, desde que conheci uma frase de Jean Claude Forquin, do livro Escola e cultura - as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar - "Ninguém pode ensinar verdadeiramente se não ensina alguma coisa que seja verdadeira ou válida a seus próprios olhos", ela me acompanhou como uma espécie de lema em meu trabalho de professor.

Acompanhar os debates e as deliberações da COP-30 é uma obrigação ética de todo o professor que ainda não se entregou a um sistema de ensino por meio de plataformas e reduzido a meros treinamentos, alheios à formação de consciência social. Estou me referindo, é claro, ao sistema educacional imposto à rede pública de ensino do estado do Paraná. Somente quem nada entende de educação é que pode implementar um sistema desses. É preciso resistir, e, para isso, ter conhecimento é fundamental.

Mais incompreensível ainda é o fato de existirem os negacionistas. E como são muitos, elegem até presidentes. Entregam em suas mãos o futuro do mundo e da humanidade. É trágico. Em breve apresentarei o inteiro teor do livro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.