segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Philomena. Uma história da católica Irlanda.

Introibo ad altare Dei, entoou  Buck (esteriótipo negativo a respeito dos irlandeses) Mulligan, se dirigindo para Kinch (apelido de Joyce): Suba Kinch! Suba, seu temível jesuíta. Assim, mais ou menos, começa Ulisses, o grande livro do irlandês James Joyce. Começo assim para caracterizar a Irlanda, para sua sorte ou azar, como um país católico e jesuítico. Uma coisa complementa a outra para conferir para a Irlanda, o caráter católico da alma de seu povo.
Cartaz do filme, com a dupla que investiga a trama da história.

Desde que li, ou lemos o Ulisses, com a ajuda do Caetano Galindo, num grupo de leitura, tudo que se refere a este singular país me atrai de uma maneira muita especial. E de uma maneira muito particular, os seus muitos e grandes escritores. Ainda não retirei da lista de meus desejos, percorrer as ruas de Dublin e lá tomar a sua cerveja mais característica, a Guinness. Agora, entre os filmes indicados ao Oscar, está Philomena, uma história real ocorrida neste país e, qual é o tema central de sua história? Mexer com os dogmas católicos do sexo e do desejo e a sua criminalização. Em nome disso, de sua ocultação ou abafamento, crimes atrozes passam a ser cometidos.

Nos anos 1950, Philomena era uma adolescente irlandesa e, em consequência, de família e de formação católica e de moral jesuítica, que sucumbiu aos desejos carnais, entregando-se a um homem, o pior dos crimes que uma jovem poderia cometer. Para aplacar a sua culpa e esconder o dito ato indecente, a família a entrega à uma congregação de freiras, que a recebem e se encarregam do parto em troca de trabalhos e da própria criança, que será (me falta a palavra...) comercializada com casais católicos, de irlandeses residentes nos Estados Unidos. Assim, as irmãs tinham uma dupla rentabilidade, a provinda do trabalho e a da criança. E o silêncio velava pelo zelo da moral e dos bons costumes.
Judi Dench e Stevie Coogan. Ela, atriz intérprete de Shakespeare no teatro, e candidatíssima ao OSCAR.

As cenas do convento são chocantes. Philomena observando o que se passa, as crianças sendo entregues aos casais, o seu parto e os trabalhos, sendo os piores, os da lavanderia. Em meio a tudo isso, os ensaios de canto e entre eles, um de extrema beleza, que nós cantávamos com todo o entusiasmo e fervor O res mirabilis, do Panis Angelicus, nos nossos tempos de seminário. Dá para imaginar as perturbações e sofrimentos dessa mulher e, acima de tudo, mãe.

Quando Anthony, este era o nome do menino, estaria por completar uns cinquenta anos, um jornalista político da BBC., bastante influente, fica sabendo da história. Aí se forma a dupla extraordinária deste filme, Philomena e Martin Sixsmith, Judi Dench e Steve Coogan, respectivamente. Em dupla fazem um trabalho investigativo muito interessante. Começam pelo convento na Irlanda, onde tudo dorme em silêncio sepulcral.
Martin desperta o interesse de uma editora pela publicação da história e consegue financiamento para que viajem aos Estados Unidos e continuem a sua investigação. Descobrem Anthony como uma pessoa muito bem sucedida, alto funcionário da Casa Branca, nos governos Reagan e Busch, porém morta. Morta em plena juventude. Morte por AIDS. Preservativos atrapalhariam os sentimentos. Relações homossexuais teriam que ser escondidas do Partido Republicano.
Judi Dench, interpretação soberana da sofrida Philomena.

O companheiro de Anthony é descoberto. Procuram-no. Ele não recebe Martin. Philomena faz a última tentativa. O resto da história se desvenda. Ele amava a mãe e amava a Irlanda. O companheiro lhe atendeu o seu último desejo, de ser enterrado em sua terra natal, no convento em que nascera. No convento, junto a sepultara se dão as últimas cenas do drama. A maior certeza que Philomena queria ter, era a de que o filho realmente tivera carinho e zelo para com a mãe, o que a leva à grandeza do gesto do perdão. Este perdão não foi compartilhado por Martin, que não metaboliza os horrores perpetrados em nome do zelo, da moral e dos bons costumes.

O maior mérito do filme está em sua história, da maneira como esta história é contada, sem choradeiras, nem achaques, embora de uma forma vigorosa, junto com a interpretação magistral da dupla Philomena e Martin. É neste campo, justamente, que estão as suas indicações à estatueta. Melhor filme, o diretor é Stephen Frears, melhor atriz, a intérprete de Shakespeare no teatro, Judi Dench, melhor roteiro adaptado, onde o próprio Steve Coogan divide o trabalho com Jef Pope e ainda o de melhor trilha sonora, que é realmente maravilhosa e sentida nos momentos precisos. Só pela inclusão do Panis Angelicus....

Tenho para mim, que uma estatueta o filme leva. Nenhuma premiação para as quatro indicações será surpresa. O prêmio que levar será justo com toda a certeza. E, próxima etapa minha. Vou ao Mercado Municipal comprar uma Guinness, pois o merchandising desta cerveja ao longo do filme, não permite tomá-la apenas numa eventual ida a Dublin. Tem que ser agora. Voltando ao filme, só para dizer que o achei maravilhoso e extraordinário. E ainda, em tempo. A verdadeira Philomena da história foi recebida em audiência pelo Papa Francisco, num gesto muito bonito, como aliás, lhe é peculiar. 

4 comentários:

  1. Grande Pedro, maior que Pedro o Grande!

    Influenciado pela postagem no seu blog, fui ao cinema assistir Philomena. Saí da sessão com uma ideia martelando a minha cabeça: como é difícil ser cristão! Logo em seguida, muito tocado pelo filme, outra ideia apareceu: como é bonito ser cristão!

    Queria comentar com você uma coisa que chamou muito a minha atenção. Logo no início do filme a jovem Philomena, passeando por um parque de diversões, encontra um belo rapaz e, com ele, morde a maçã do amor. Para bom entendedor, meia palavra basta, não é mesmo? Pois bem, para um bom cristão com a alma entupida de sentimento de culpa, uma maçã mordida basta para fazer pensar em pecado e em dor para purgar este pecado. É de lascar o momento em que os dois jovens se beijam e, simultaneamente, a maçã mordida é derrubada no chão. Nesse momento encontrei a representação do amor como pecado, do prazer como algo impuro e da vida como um vale de lágrimas. Dor e punição. Sentimentos abomináveis que o filme materializa muito bem através do semblante severo da Irmã Hildegard. Fiquei com medo dela e acho que de agora em diante este semblante vai aparecer nos meus piores pesadelos.

    Por outro lado, depois que conhecemos a trajetória de Philomena e testemunhamos a sena redentora do perdão, um perdão tão superlativo que parece improvável, o diretor enquadra a pequena estátua do Cristo de braços abertos (não é um Cristo crucificado) que é depositada na sepultura do filho. Neste enquadramento é conferido destaque ao coração de Cristo que sangra. Dito isto, peço licença para propor uma rima de imagens: a maçã do amor e o coração sangrando, o símbolo do amor / pecado (punição) em oposição ao símbolo do amor / empatia (redenção).

    Que isto esteja relacionado à história da Irlanda, como você bem observou em seu blog, é simplesmente fantástico. Afinal, Philomena, apesar das injustiças abomináveis cometidas pela própria igreja, é uma mulher que não perde a fé. Pouco importa o que a igreja tenha feito ou venha a fazer. Philomena é uma cristã muito maior do que a igreja institucionalizada.

    E agora, escrevendo para você, organizo um pouco mais as ideias na minha cabeça e concluo: o perdão é a coisa mais bonita que existe; então é bonito ser cristão!

    Abraço,

    Rafael

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    1. Quanta sensibilidade, Rafael. O seu comentário está mais bonito que o post. Muito obrigado.

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  2. Pedro e Rafael, vocês dois juntos, não bastasse a beleza do filme, é covardia. Parabéns pelo blog, mais uma vez, Pedro. Grande abraço.

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  3. O que é este mundo cristão? Quem é este Deus, em nome do qual se faz tanta coisa. Das piores às melhores. Obrigado Sérgio e Rafael. Amizade surgida no curso de Publicidade e Propagando da Universidade do Positivo. Amizades substanciais e essenciais.

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