sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Agamben. O capitalismo como religião. O deus dinheiro.

No Portal do Instituto Humanitas, da Unisinos está postada uma entrevista de Giorgio Agamben para Peppe Salva, de Ragura News de 16.08.2012. A entrevista foi feita na Sicília e recebeu por título - Deus não morreu. Ele tornou-se dinheiro. A tradução é de Selvino Jose Assmann, que foi meu colega, um ano à frente, no curso de filosofia, em Viamão. Hoje ele é professor universitário em Florianópolis. A entrevista mais do que merece uma leitura. Vou me deter nas duas primeiras perguntas. As demais abordam questões relativas ao principal livro do filósofo - Homo Sacer.

A primeira pergunta foi feita em cima da crise italiana, sobre o governo Monti e o verdadeiro Estado de necessidade vivido pelo capitalismo nos tempos atuais. A resposta a esta questão é que, certamente, deu a repercussão para a entrevista. Transcrevo a resposta: "'Crise' e 'economia' atualmente não são usadas como conceitos, mas como palavras de ordem que servem para impor e para fazer com que se aceitem medidas e restrições que as pessoas não tem motivo algum para aceitar. 'Crise' hoje em dia significa simplesmente 'você deve obedecer!' Creio que seja evidente para todos que a chamada  'crise' já dura decênios e nada mais é senão o modo normal como funciona o capitalismo em nosso tempo. E se trata de um funcionamento que nada tem de racional". No passo seguinte da entrevista, o filósofo compara o capitalismo a uma religião:
O filósofo italiano, na capa da revista CULT, nº 180, de junho de 2013. Um dossiê especial sobre o pensador.


"Para entendermos o que está acontecendo, é preciso trazer ao pé da letra o que está acontecendo, é preciso trazer ao pé da letra a ideia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o  dinheiro. Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro. O Banco - com os seus cinzentos funcionários e especialistas - assumiu o lugar da igreja e dos seus padres e, governando o crédito (até mesmo o dos Estados, que docilmente abdicaram de sua soberania), manipula e gere a fé - a escassa, incerta confiança - que o nosso tempo ainda traz consigo. Além disso, o fato de o capitalismo ser hoje uma religião, nada o mostra melhor do que o título de um grande jornal nacional (italiano) de alguns dias atrás: 'salvar o euro a qualquer preço'. isso mesmo, 'salvar' é um termo religioso, mas o que significa ' a qualquer preço'? Só numa perspectiva religiosa (ou melhor, pseudo-religiosa) podem ser feitas afirmações tão evidentemente absurdas e desumanas".

A outra pergunta, - creio que dá para afirmar - girava em torno da identidade cultural. Na resposta vem uma comparação entre a Europa, particularmente a Sicília, os Estados Unidos e o Japão. Como a pergunta ainda girava em torno da crise, a resposta inicia por aí: "A crise atravessada pela Europa não é apenas um problema econômico, como se gostaria que fosse vista, mas é antes de mais nada uma crise da relação com o passado. [...] O passado não é, pois, apenas um patrimônio de bens e tradições, de memórias e de saberes, mas também e sobretudo um componente antropológico essencial do homem  europeu, que só pode ter acesso ao presente olhando, de cada vez, para o que ele já foi. Daí nasce a relação especial que os países europeus têm com relação às suas cidades, às suas obras de arte, à sua paisagem: Não se trata de conservar bens mais ou menos preciosos, entretanto exteriores e disponíveis; trata-se, isso sim, da própria realidade da Europa, da sua indispensável sobrevivência". Quando destroem isso, continua o filósofo, "destroem a nossa própria identidade".
Giorgio Agamben, um dos intelectuais mais vigorosos da atualidade.


Depois contesta a própria expressão bens culturais, pois ela "sugere que se trata de bens entre outros bens, que podem ser desfrutados economicamente e talvez vendidos, como se fosse possível liquidar e por à venda a própria identidade". Na continuidade da questão recorre ao filósofo Kojève, à sua afirmação sobre o fim da história, depois da qual sobrariam apenas duas alternativas: "o acesso a uma animalização pós-histórica (encarnado pelo American way of life) ou o esnobismo (encarnado pelos japoneses, que continuavam a celebrar as suas cerimônias do chá, esvaziadas, porém, de qualquer significado histórico). Entre uma América do Norte integralmente re-animalizada e um Japão que só se mantém humano ao preço de renunciar a todo conteúdo histórico, a Europa poderia oferecer a alternativa de uma cultura que continua sendo humana e vital, mesmo depois do fim da história, porque é capaz de confrontar-se com a sua própria história na sua totalidade e capaz de alcançar, a partir deste confronto, uma nova vida.

Termino o meu post pinçando uma frase da entrevista em que ele fala mais de sua obra - Homo Sacer. É uma frase de Marx, em que ele, em carta, se dirige a Ruge, enchendo-o de novo ânimo: "A situação desesperada em que vivo me enche de esperança". Tristes tempos de fera. Um único dogma. A religião do livre mercado, com o deus sanguinário, sanguinário de sangue humano, vertido no altar da eficiência do livre mercado.
358 pessoas tem a mesma riqueza do que 2,3 bilhões de pessoas. É preciso salvar a renda dessas 358 pessoas. Sacrifícios humanos sob a forma de ajustes, superávit primário...


Mais um dado estatístico. Quem o fornece é Zygmunt Bauman, no livro A globalização - As consequências humanas. É sobre a acumulação e a concentração de renda. "Comentando a descoberta feita no último Informe da ONU sobre o desenvolvimento - de que a riqueza total dos 358 maiores 'bilionários globais' equivale à renda somada dos 2,3 bilhões mais pobres (45% da população mundial), Victor Keegan chamou o reembaralhamento atual dos recursos mundiais de 'uma nova forma de roubo na estrada'. Com efeito, só 22 por cento da riqueza global pertencem aos chamados 'países em desenvolvimento', que representam cerca de 80 por cento da população mundial". E... o sistema precisa ser salvo. É preciso fazer superávit primário... Ou, quem sabe, aumentar impostos... E não será para pagar o "bolsa família" para os pobres.

2 comentários:

  1. MAS as RELIGIÕES seja qual for a primeira coisa que pedem é o disimo que na verdade quando escreveu-se a BIBLIA não referia se adinheiro porque ~Deus não necessita de dinheiro e sim de boas atitudes de comprenção de uns para com os outros porque naquela época não existia o vil metal então ele não podia querer aquilo que não existia a fortuna que tem no vaticano acredito que nenhum pais no mundo tenha e a maior parte é tomada dos que menos tem. atraves de MENTIRAS.

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  2. É seu Arnaldo, quando a igreja se tornou a Igreja oficial do Império Romano... As coisas mudaram.

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