Preparando a viagem para as terras missioneiras (Brasil, Argentina e Paraguai) passei a ouvir um pouco mais do canto dos chamados sete povos das missões. Apesar de eu ter nascido no Rio Grande do Sul (Harmonia, então 3º distrito de Montenegro), eu só fui me envolver com a tradição gaúcha, bem mais tarde. A rigor, as regiões povoadas pelos imigrantes alemães e italianos, pouco tinham a ver com a tradição gaúcha. Na minha formação de seminário, também passamos longe, até da própria história do Rio Grande do Sul.
O LP de 1992 que serviu de inspiração para este post. Da minha coleção.
O LP de 1992 que serviu de inspiração para este post. Da minha coleção.
Deixei o Rio Grande muito cedo, buscando trabalho no Paraná (Umuarama - 1969). As rádios do Rio Grande (Guaíba e Gaúcha) me acompanharam. Nos anos 1980 até chegamos a fundar um Centro de Tradições Gaúchas nesta cidade. Hoje em Curitiba, me encanto com a música nativa do Rio Grande, com grande destaque para aquela que canta a herança missioneira. Mais particularmente lembro do pajeador Jayme Caetano Braun, que tinha um programa na rádio Guaíba, Brasil Grande do Sul, onde fazia uma verdadeira análise de conjuntura da realidade brasileira, com muita ironia e humor, sob a forma de pajeadas. Também tenho muito presente a música de Pedro Ortaça, um dos troncos da música missioneira. Ela tem muita profundidade e, ao mesmo tempo, é muito alegre. Também sempre ouvi a música de Noel Guarany e Cenair Maicá. Estes formam os quatro troncos da música missioneira.
As missões ou as reduções jesuíticas é uma história de muito significado e de muita complexidade. Sem entrar no mérito, os jesuítas deixaram um grande legado. Junto aos índios construíram uma organização de trabalho sob forma coletiva, os sensibilizaram para a arte e os prepararam para o trabalho. Isso tudo deveria ser destruído em função do Tratado de Madri (1750), quando estas terras, pertencentes aos espanhois, passaram a ser portuguesas, em troca da Colônia do Sacramento. Ocorreram então as Guerras Guaraníticas, que tinham por objetivo a destruição da organização do trabalho coletivo dos indígenas, que foi sendo substituído pelo avanço do latifúndio. Estas guerras geraram um santo, que, embora não proclamado, dá até nome a uma cidade, a cidade de São Sepé. O santo é Sepé Tiarajuru, o comandante da resistência indígena. Já os índios, largados à sua própria sorte, se espalharam pela Argentina, Uruguai e pelo Rio Grande, dando origem a um dos personagens típicos dos pagos, o gaúcho missioneiro.
O canto missioneiro é um canto de lamento pelos valores perdidos e, especialmente, pela terra perdida e a sua relegação ao abandono. É também um canto altivo de recuperação de sentido e significado de um tempo que insiste em permanência, de se tornar tempo presente, "em tudo aquilo que canto". Cada um dos troncos missioneiros tem uma bela história de vida. Noel Guarany, até incorporou o nome do povo indígena guarani, ao seu próprio nome. Cenair Maicá fez de sua música um canto social, reclamando das injustiças e proclamando insubmissões. Jayme Caetano Braun fazia ecoar a sua voz libertária pela potentes ondas da rádio Guaíba e Pedro Ortaça canta a tradição de guerreiros que fizeram da lança a guitarra para entoar a voz das missões. O canto de Pedro Ortaça continua forte e, a ele se somou a música e voz dos filhos, Gabriel e Alberto e a da bela Marianita.
Imaginei fazer este post a partir de um música de Pedro Ortaça. É o que eu farei, mas antes quero mostrar um trecho de Noel Guarany, de Lavadeira do Uruguai, para sentir um pouco o canto missioneiro:
Ajoelhada junto ao rio,
a cantar com a correnteza,
lavando suores profanos
dos ricos da redondeza,
vê o lombo do dourado
que falta na sua mesa.
Mas vamos a Pedro Ortaça, De Guerreiro a Payador, do LP Pedro Ortaça - De Guerreiro a Payador, de 1992. A música é de Pedro Ortaça numa parceria com Vaine Darde.
Sou o que os historiadores
Procuram lá nas ruínas
Mas não sabem os doutores
Que esta saga não termina
Que ainda restam descendentes
Da terra dos Sete Santos
E o passado está presente
Em tudo aquilo que canto.
Não sabem que a esses escombros
Ainda sirvo de escora
E que carrego nos ombros
Trezentos anos de história.
Podem pensar que sou louco
Mas eu comprovo na estampa
O que hoje somos poucos:
Os fósseis vivos da pampa.
Tenho sangue de Sepé
E tudo que digo eu provo
Com juramento de fé
O meu legado é tanto
Nem carece explicações
E até no canto que canto
Ecoa a voz das missões.
Guarani - fui batizado
E oro pago minhas penas
Sob o símbolo sagrado
Da velha cruz de Lorena,
Porém não sabe que narra
A história do vencedor
Que a lança fez-se guitarra
E o Guerreiro, pajeador.
Pra manter viva a memória
As pedras ganharam nome
E transformaram em história
O que restas desses homens,
Pois mais vale a carcaça
De um templo quase no chão
Que os descendentes da raça
Que vagam changeando o pão.
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Boa Noite Pedro Eloi, buenas.
ResponderExcluirSempre quando posso acompanho seu blog e quero parabenizar-te pelas matérias sua profundidade e análise, são verdadeiras aulas sobre diferentes temas e com diferentes ângulos sobre estes. Continue trilhando o caminho do conhecimento e passando este aos seus.
Queria que tivesse contato com mais um tronco missioneiro que também está nesta linha que é jorge Quedes e família, são exemplos do verdadeiro nativismo e das missões. Tem uma música nova deles e que os serranos também gravaram que é "Nego Betão" ouça e outras deste nativista.
Abraços e Parabéns
Professor Marcelo.
Professor Marcelo, em primeiro lugar gostaria de agradecer o seu comentário. Eu gosto muito da música nativista porque eu entendo que é do regional que se chega ao universal. É grande tudo aquilo que expõe os problemas do ser humano, especialmente na literatura, na música e nas artes em geral.Estamos preparando bem a nossa incursão pela região missioneira. Temos um integrante no grupo que é amigo do Nenito Sarturi e iremos procurá-lo. Quanto ao Jorge Quedes, vou ficar atento e recomendar aos meus amigos. Um grande abraço professor mMrcelo.
ResponderExcluirOlá Prof Pedro Eloi, estou ansioso por esta viagem sua e as fotos e depoimentos que tu trará. Eu o conheço de uma fala que fez em Campo Largo pela APP e também como sou amante da tradição gaucha, do nativismo do Jayme, do Noel, dos Maicá do Marenco e outros fiz este comentário. O regional com certeza leva ao universal.
ExcluirGrande abraços.
Vamos conversando.
Prof Marcelo.
Oi prof. Marcelo. Já ouvi o Jorge Guedes e família. É o canto missioneiro, guarani. O vi no programa sr. Brasil. O Boldrin estava bem emocionado e contando histórias do sul. Vamos agora no próximo domingo, começando em Missiones. Abraço.
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