terça-feira, 1 de março de 2016

Aula Magna. Curso de Direito da UFPR. Com Jessé Souza.

Ainda estou meio perplexo de admiração com a maravilhosa aula do Dr. Jessé Souza, hoje pela manhã (29 de fevereiro 2016), na Faculdade de Direito da UFPR. Foi a Aula Magna, com a qual foi aberto o ano letivo de 2016, desta prestigiada instituição de ensino. O Dr. Jessé é formado pelo mundo afora e neste mundo também já foi professor, com destaque para Alemanha e Estados Unidos. Hoje é professor de Ciência Política na UFF e presidente do IPEA. Agradeço ao convite para esta fala aos professores Dr. Rocha e Dr. Manoel Caetano, da UFPR.
O corajoso livro de Jessé Souza. Um crítica às interpretações de Brasil.


Se para um palestrante já é difícil fazer os recortes para uma palestra, imagina a dificuldade de elaborar um post de síntese desta palestra. Vou fazer o esforço, mas desde já recomendo a leitura do livro de Jessé, A Tolice da Inteligência Brasileira - ou como o país se deixa manipular pela elite. O livro se constitui numa vigorosa crítica às teorias de interpretação do Brasil, responsáveis por inúmeros erros e que revestiram o senso comum com uma capa de ciência, que é a grande responsável pelo complexo de inferioridade que temos com relação aos Estados Unidos e, na questão interna, da camuflagem ou ocultamento da luta de classes.

A palestra teve início com a afirmação da insuficiência teórica nas interpretações de Brasil, marcadas pela formação do conservadorismo cultural das interpretações à direita e, pelo reducionismo economicista das visões à esquerda. Isso faz com que compreendamos mal o Brasil, especialmente, a crise pela qual estamos passando, em que o Estado é demonizado e  o mercado sacralizado. O Estado corrupto, e não a concentração de rendas, é visto como o único e grave problema brasileiro.
 O professor e presidente do IPEA, proferindo a sua Aula Magna.

Na sequência o conferencista abordou a questão de fundo do atual momento brasileiro: O apoderar-se do Estado. Quando às ideias se somam aos interesses é que se dá a luta pela conquista do Estado, isto é, de seus aparelhos. No Brasil existe uma elite, formada por menos de 1% de sua população, com interesses absolutamente inconfessáveis. Os seus privilégios são inúmeros. Estes privilégios não podem ser vistos assim pela população. Por isso existe todo um esforço para que sejam vistos como direitos. Para isso se torna necessária uma forte construção ideológica, para que esta fraude não seja percebida. Assim, a  injusta concentração de rendas não é percebida como um problema, sendo este transferido para o Estado corrupto. A classe média é usada para a construção desta ideologia.

Na sequência apontou Getúlio Vargas como o construtor do Estado/Nação do Brasil, na sua parte material (industrialização, legislação trabalhista, bens de capital, organização do Estado, educação e previdência) e Gilberto Freyre como o seu construtor imaterial, simbólico. Com Casa Grande&Senzala (1933) se construiu o mito da integração racial e, não do conflito, como ocorreu nos Estados Unidos. A identidade brasileira tem assim, a sua origem, não no conflito, mas na conciliação. Cria-se assim o grande mito brasileiro. O mito é uma aventura do espírito que não precisa ser verdadeira. Assim a nossa primeira grande interpretação, o nosso primeiro grande mito foi um conto de fadas para adultos em que se acreditou piamente. Uma interpretação ambígua que empurrou o conflito para os Estados Unidos, enquanto que, aqui se celebraria a conciliação.
O salão nobre da faculdade de direito totalmente lotado, assim como, mais duas salas com telão.


A esta teoria se somou Sérgio Buarque de Holanda. O teórico do homem cordial. O senso comum, na condição de mito, foi elevado à condição de interpretação científica. O homem cordial é incapaz de percepção das classes, de suas lutas e dos direitos de cidadania. Evocou o espírito binário da cultura ocidental para encontrar explicações. O espírito binário é uma longa construção histórica, a partir de Platão e de Santo Agostinho, da separação entre o bem e o mal, do espírito ser a sede do bem e o corpo do mal, para afirmar a existência de países guiados pela razão e de outros, pelo corpo e pelos males de sua sensualidade e paixão. O homem cordial, é corpo e não espírito. Aí fez uma pequena digressão, mas deu um tiro, absolutamente certeiro, na origem da cultura machista, apontando o homem como o domínio da razão e a mulher, do corpo. Esta cultura, obviamente, é complementada pelas teorias da hierarquização.

Também Faoro foi citado, pela origem portuguesa na formação da cultura brasileira. O Brasil sempre foi um país escravista, o que não existia em Portugal. Os outros intérpretes, por questão de tempo não foram abordados, mas o livro passa pelos economicistas e por pesadas críticas a autores mais contemporâneos, especialmente, Roberto DaMatta. Nestes autores, a pouca reflexão teórica provoca a intelectualização do senso comum.
Aproveitando para pedir autógrafo e cartão para possíveis contatos.


A partir deste ponto, a fala foi encaminhada para as conclusões. A primeira e mais contundente foi a de que o Estado é uma apropriação de classe. Esta apropriação se dá no mundo inteiro. É um fenômeno universal, mas que não pode ser visto assim e, muito menos, percebida como tal. Para isso existem as construções ideológicas, pelas quais se oculta o real e, outras causas passam a ser exaustivamente pregadas, como verdades absolutas e incontestáveis. Estes mitos são assimilados pela cultura popular.

Enquanto a corrupção é um fenômeno universal, inerente ao mercado e legalizado pelo Lobby e complementado pelos paraísos fiscais, aqui apenas o Estado é corrupto e a sua elite é inatingível (Veja-se o caso Aécio). Assim o Brasil, é o paraíso do mercado mundial, com as mais altas taxas de lucro e de juros, que vão parar no bolso dos 1% mais ricos, não é visto como problema. Para tornar este mito, esta aventura do espírito, este conto de fadas para adultos, imperceptível, a classe média é usada como o grande meio propagador e difusor. A classe média formada pela mídia, pelos homens que comandam as instituições ou os aparelhos do Estado, como o poder judiciário e as instituições de ensino, são usadas para a imbecilização do povo e, assim se consegue que ele lute e aja contra os seus próprios interesses.
Autógrafo ganho. Assim o meu Tolice da Inteligência Brasileira está mais valorizado.


Esta elite, com interesses inconfessáveis compra os congressistas, desde a sua eleição, compram a mídia e por isso não a regulam no interesse do público e o poder judiciário passa a ser usado, em substituição aos militares, para perpetrar o golpe de Estado, para que os aparelhos do Estado sejam totalmente ocupados de acordo com os interesses do 1% da elite dominante. Nenhuma reforma que se volte para a cidadania e condições de vida digna é tolerada.

E, como conclusão, uma definição de democracia. Democracia não se limita ao voto, mas sim, ao voto consciente e este só é possível, quando as fontes de informação do povo possam permitir a percepção das verdadeiras e grandes contradições da sociedade. Em que a percepção das verdadeiras causas de nossos males seja efetivamente percebida para que não aconteça o enunciado no título e subtítulo do livro de Jessé, A Tolice da Inteligência Brasileira ou como o país se deixa manipular pela elite.

Agora, conclusões minhas: O que seria a Tolice da Inteligência Brasileira? Quais seriam os meios pelos quais o país se deixa manipular pela elite? Para mim, as tolices seriam a intelectualização do senso comum, de sua transformação em mitos, em favor de uma elite extremamente perversa, para negar, embora pregando meritocracia, qualquer possibilidade de acesso aos meios que proporcionam os direitos ligados à cidadania. E, por isso, sempre que ocorram governos que, ainda que, silenciosa e minimamente, promovam medidas de inclusão social, que movimentam as bases da sociedade, paira no ar a perspectiva de golpe para se apoderarem do Estado e canalizar todas as políticas de Estado em favor de seus inconfessáveis interesses. Lembrando que vivemos numa sociedade dividida em classes.






4 comentários:

  1. Professor Pedro Eloi: senti muito por não poder assistir à aula magna de Jessé de Souza. Parabenizo a UFPR e à direção do curso de Direito por essa importante iniciativa. Afinal, "quem não reflete, repete", como dizia o poeta. A leitura deste seu post foi um alento. Minimizou a minha frustração por não assistir à palestra. E reforçou a minha vontade de ler o livro. Muito obrigado!

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  2. A Aula Magana foi extraordinária. Proporcionou a reflexão teórico-crítica. O livro é extremamente corajoso, coragem que é própria de um profundo conhecedor. Muito obrigado pelo seu comentário.

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  3. Com tua indicação e balizadas análises, quero esse livro.

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  4. Este livro é fabuloso. Não é de fácil leitura pois faz uma crítica aos intérpretes de Brasil. Mas lê-lo é um belo desafio. Muito obrigado SucaPoeta, um dos grandes objetivos do blog é provocar leituras.

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