segunda-feira, 14 de março de 2016

O Trabalho Guarani Missioneiro no Rio da Prata Colonial. 1640-1750.

Depois da viagem pelas terras missioneiras,continuam as leituras. Agora foi a vez de uma dissertação de mestrado, O Trabalho Guarani Missioneiro no Rio da Prata Colonial, 1640 - 1750, de Eduardo Neumann. A publicação é de Martins Livreiro - Editor. O adquiri numa banca de artesanato, junto às ruínas de São Miguel. A delimitação de datas deve ter a ver com a batalha de M'bororé (1641) em que ocorreu a vitória dos índios guaranis sobre os bandeirantes portugueses e que marcou o início do grande êxito do "santo experimento", como foi qualificado por Umberto Eco. 1750, por sua vez, foi o ano do Tratado de Madri, quando começa a derrocada.
O livro de Eduardo Neumann. Uma visão perfeita do que foi o projeto das Missões.

Antes de mais nada, gostaria de afirmar que o "santo experimento" se originou junto aos padres jesuítas paraguaios e todos os territórios pertenciam à Espanha. Os jesuítas paraguaios começaram a aldear os índios em reduções a partir da região onde está a cidade de Guaíra, próximo às sete quedas. Daí, em virtude das perseguições dos bandeirantes, houve uma retirada para onde hoje se situam as ruínas das missões no Paraguai e, especialmente, na Argentina. Apenas mais tarde, em revide aos portugueses pela fundação e refundação da Colônia do Sacramento, é que ultrapassaram as margens do rio Uruguai, instalando em São Borja o primeiro dos Sete Povos das Missões, em território gaúcho. Este veio a pertencer a Portugal,em função do Tratado de Madri. Digo isso, para resguardar um olhar de época. Tudo era uma extensão hispânico-jesuítica-paraguaia.
Depois de visitar as Missões, afirmo que o melhor lugar para ver como era o projeto, é em Trinidad, no Paraguai

O livro de Neumann possui quatro capítulos: O primeiro, denominado O Palco, aborda os seguintes tópicos. Buenos Aires e o cenário em que são examinados os aspectos e condições da cidade-porto, as populações indígenas, os condicionantes hispânicos e a demanda e a oferta de ofícios mecânicos. A minha atenção se voltou, particularmente, para as enormes dificuldades que Buenos Aires encontrou para se estabelecer. Isso veio a ocorrer, já nos idos do século XVII. O porto precário, poucos trabalhadores qualificados e índios hostis foram as grandes dificuldades. Quanto aos índios, eles foram qualificados em dois grupos, os guaranis aldeados e os hostis e belicosos, os charruas e os minuanos. Buenos Aires sempre se beneficiou da força de trabalho dos índios das reduções jesuíticas.

O segundo capítulo, denominado Os bastidores, tem uma espécie de subtítulo: um centro de capacitação e qualificação. É para todos aqueles que tem uma curiosidade maior em saber o que era efetivamente o método do projeto jesuítico das reduções e as causas de seus enormes, elogiados e reconhecidos êxitos. Os principais tópicos são o florescimento das reduções, os seus centros de instrução, ou o pátio dos artífices, a bela relação dos índios com a natureza, que comanda as suas atividades econômicas sazonais e a difícil questão da disciplina. Fugas e castigos são examinados. O rigor jesuítico é famoso. Lembrando que Inácio de Loyola era de origem militar. Mais, os jesuítas foram os guerreiros da contra reforma.
As fantásticas ruínas da monumental igreja de São Miguel.

O terceiro capítulo denominado, O Grande cenário, remete para a participação dos guaranis na vida colonial do rio da Prata. Ele é uma decorrência do capítulo anterior em que foram examinadas as oficinas de trabalho e a aprendizagem dos diferentes ofícios entre os guaranis. Os jesuítas alemães haviam sido os grandes mestres. Os índios missioneiros guaranis supriram, tanto Assunção, quanto Buenos Aires de toda a força de trabalho qualificado de que necessitavam. Isso, acredito, fez com que o império espanhol os deixasse em relativa paz. Os jesuítas não confrontavam com o reino. Os índios trabalhavam no preparo das guerras, como também nelas se destacavam. Eram os pedreiros, os carpinteiros e outras profissões do gênero nas obras públicas e fabricavam todos os tipos de embarcações para o transporte e o abastecimento. Ainda é abordada a complicada questão dos tributos. Os jesuítas sempre foram habilidosos negociadores e, a requisição de trabalhadores quase sempre lhes rendeu belas compensações.
A catedral da cidade de Santo Ângelo. Lembrando São Miguel.

O quarto capítulo denominado, A cena em foco e os atores sociais é uma espécie de continuação do primeiro capítulo, mais a inserção do segundo e do terceiro, como o seu grande complemento. Ou seja, Buenos Aires e, mais tarde, Montevidéu em  muito se beneficiaram com a rica experiência das Missões. Aí estão também as complicadas questões da geopolítica da bacia platina, com as rivalidades entre portugueses e espanhóis. Os portugueses fizeram da  Colônia do Sacramento uma extensão da atividade dos bandeirantes, trazendo o ilícito do roubo de cavalos e boiadas aos índios infiéis, razão pela qual os jesuítas procuravam evitar que os guaranis tivessem qualquer contato com eles. Esta questão foi resolvida pelo Tratado de Madri, que trouxe o rápido fim deste experimento, ímpar na história. Colônia do Sacramento seria espanhola e os Sete Povos pertenceriam a Portugal. Portugal e Espanha deveriam pacificar a região.

Enfim, um belo livro com o qual aprendi muito. E Neumann, no último parágrafo de suas considerações finais nos dá o rumo de suas próximas pesquisas, levantando uma interessante questão: "Há de se considerar que esses indígenas, quando irrompiam o perímetro urbano de Buenos Aires, igualmente deviam perguntar-se o porquê de trabalharem para outros, já não bastando o que labutavam no âmbito missioneiro. Essa pergunta pretendo analisar mais detidamente, em outra investigação, pois pouco da voz dos protagonistas desta pesquisa chegou até nós".









2 comentários:

  1. triste mais interessante essa pasagem de Buenos Aires e Montevidéu.

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  2. A história da nossa América Latina sempre foi recheada de violência. Mas a experiência das Missões foi fabulosa. Agradeço o seu comentário.

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