quarta-feira, 16 de março de 2016

Sobre a Democracia. Reflexões. As águas de março.

Está se falando muito sobre a democracia. Não vou entrar em grandes debates e genealogias históricas. O presente post tem um objetivo bem claro que é o de apresentar a transcrição de uma fala, de pouco mais de dois minutos, do professor Leandro Karnal, muito apropriada para este momento da política, das águas de março de 2016, em que muitas forças estão tentando golpear a jovem democracia brasileira. Aproveito para trazer mais duas outras referências, uma do livro de Jacques Rancière, O ódio à democracia e outra, tirada do livro de Márcia Tiburi, Como conversar com um fascista - Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro.
O pequeno livrinho de Jacques Rancière. O ódio à democracia.

Na primeira referência, Rancière busca em Marx uma explicação do que seja a democracia:"as leis e as instituições da democracia formal são as aparências por trás das quais e os instrumentos com os quais se exerce o poder da classe burguesa". Em outras palavras. A democracia é a trincheira fortificada do Capital, com a qual a burguesia exerce o poder. As leis e os instrumentos do exercício do poder, a serviço do capital.

 Em outra passagem Rancière fala do ódio, dizendo que ele ocorre quando a democracia teme a democracia, quando ela se lança para além das meras formalidades que garantem a ordem burguesa, quando a sociedade se deixa corromper pela democracia participativa. "O governo democrático, diz, é mau quando se deixa corromper pela sociedade democrática que quer que todos sejam iguais e que todas as diferenças sejam respeitadas. Em compensação, é bom quando mobiliza os indivíduos apáticos da sociedade democrática para a energia da guerra em defesa dos valores da civilização, aqueles da luta das civilizações. O novo ódio à democracia pode ser resumido então em uma tese simples: só existe uma democracia boa, a que reprime a catástrofe da civilização democrática".

Janine Ribeiro, na orelha deste mesmo livro explicita o que seria essa civilização democrática: "A democracia é hoje um significante poderoso, palavra bem-vista e que agrega um número crescente de possibilidades, indo da eleição pelo povo até a igualdade entre os parceiros no amor. Mas essa expansão da democracia incomoda".
Democracia é uma das palavras mágicas do capitalismo.

O livro da Márcia Tiburi é fantástico, mas quero aproveitar apenas um único parágrafo: "A sedução capitalista que escamoteia a opressão organiza-se na forma de uma constelação de palavras mágicas, por meio das quais o falante e o ouvinte acreditam realizar todos os seus desejos. Palavras como felicidade, ética, liberdade, oportunidade, mérito, são todas mágicas. Uma dessas palavras mágicas usadas pelo capitalismo é a palavra democracia. Antidemocrático, o capitalismo precisa ocultar sua única democracia verdadeira - a partilha da miséria".

Mas vamos a transcrição da fala do Leandro Karnal. Deve ter sido em resposta a uma questão que lhe foi colocada numa palestra. Diz assim: "Quando eu vi um jovem pedindo a volta da ditadura, eu me senti errado, fracassado, porque eu não consegui transmitir a ideia de horror à ditadura. Então eu quero redobrar os esforços para dizer às pessoas que a democracia não é o sistema onde todo mundo é ético, mas é o sistema onde os não éticos podem ser punidos. A democracia não é o sistema onde todo mundo é bom, mas é o sistema em que alguns ruins podem ser punidos. A democracia não é um sistema perfeito - usando a frase de um conservador - Churchill - que ela é o pior dos sistemas, com a exceção de todos os outros.
 Leandro Karnal é professor de História na UNICAMP.

Não há denúncia de corrupção na Coreia do Norte. Não há denúncia na Itália fascista. Não há denuncia de corrupção no período militar. Quando eu faço uma denúncia de corrupção no período militar, como Elis cantou em o bêbado e o equilibrista, eu tenho que fazer uma metáfora da metáfora da metáfora. Caía a tarde feito um viaduto, para falar de uma obra super faturada, com material inferior, que desabou. Eu tenho que fazer a metáfora da metáfora.

Ou alguém supõe que as mesmas empreiteiras que agora estão no banco dos réus, quando fizeram Itaipu eram de uma probidade absoluta, que estas empresas eram regidas por anjos e agora por demônios. A diferença das empresas da década de 1960 - 70 - Itaipu, Angra dos Reis, Ponte Rio- Niteroi, Transamazônica, Metrô, a diferença dessas empreiteiras é que não havia nessa época um Tribunal de Contas. Não havia uma Polícia Federal que batalhasse para isso. Não havia juízes autônomos, não havia Opinião Pública. E aí os generais e os comandantes passavam por honestos. Honestidade, neste caso, era ausência de denúncia.

A democracia é o sistema que possibilita que eu traga a julgamento essas pessoas. A democracia é o sistema que permite que eu cresça, que eu debate, que eu faça essas coisas. Por isso é que a democracia não é apenas o melhor sistema, mas é o único sistema que permite alguma ética, alguma justiça, que alguma igualdade social possa existir, mesmo com as suas falhas estruturais".
Jessé Souza autografando o seu livro A Tolice da inteligência brasileira.

Me permitam ainda uma última referência. Esta é de Jessé Souza em sua Aula Magna, de abertura do ano letivo de 2016, do curso de Direito da UFPR. "Democracia não é voto. Democracia é voto consciente. E para ter voto consciente é preciso que exista uma mídia democrática, que permita ao eleitor, ao menos enxergar as profundas contradições existentes na sociedade". O mesmo não valeria também para a educação, pergunto eu?

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