Há tempos aguardava o lançamento de O jovem Karl Marx no cinema, no circuito comercial. Como este lançamento não ocorria, até desisti de procurar. Foi então que o meu amigo Marco Aurélio Gaspar me mandou o link para assisti-lo. Não dá para entender as razões pelas quais o filme ainda não estreou nos cinemas brasileiros. Seria medo de reações, afinal vivemos um grande tempo de intolerâncias. MBL e similares.
O filme, antes de tudo é muito bonito e dá grande ênfase no lado humano dos principais personagens. Assim mostra o amor do jovem Marx pela bela e aristocrata Jenny Westphalen, o nascimento de Laura, a segunda filha do casal, em meio a todas as dificuldades materiais possíveis e as relações complicadas entre Friedrich Engels e o seu pai, o rico industrial da Ermen & Engels, que já naqueles tempos era uma multinacional do setor têxtil. Também o calor dos debates, das disputas ideológicas, ganha um grande foco.
O filme retrata, como é afirmado no título, o jovem Marx. Não é um filme de fácil assimilação para um país que tem pouca tradição em estudar o tema. Não é um filme para principiantes. Tem que entender um pouco a evolução da filosofia alemã e um pouco de história deste conturbado período. É um tempo de monarquias em queda, como resultado das revoluções e estragos causados por Napoleão Bonaparte. O filme não mostra os seus anos de formação, mas sim, os seus primeiros anos de atividade, digamos assim, de atividade profissional, como jornalista.
Começa com o seu primeiro artigo polêmico escrito na Gazeta Renana, sobre a coleta de lenha nas florestas de Colônia. Neste artigo já se discute a questão da propriedade privada. A censura e os mecanismos de perseguição policial são imediatamente acionados e o jovem Marx, já casado, se refugia, junto com Ruge, na França. Em Paris também conhece um mundo de hostilidades, por parte do regime de Guizot. Em Paris conhecerá outro jovem, Friedrich Engels, filho de um dos mais ricos industriais, mas movido a desvendar o mundo de injustiças, que promoveram a fortuna da família. Engels é diretamente responsável por colocar Marx em contato com o mundo do trabalho nas fábricas inglesas, com o seu A situação da classe trabalhadora na Inglaterra.
Em Paris também conhece Proudhon, o famoso anarquista de Lyon. Começa aí uma longa disputa pela hegemonia na condução teórica das lutas operárias. Este é um período de intensa produção teórica, de refutação das doutrinas idealistas, do surgimento do materialismo histórico, do tempo em que se afirma o princípio de que é preciso ir além das interpretações de mundo para começar sim, a sua transformação. Nada de doutrinas piedosas e utópicas. O modo de produção capitalista traz em sua raiz a oposição entre a classe trabalhadora e a burguesia. Ele não permite conciliações. Ele exige a Revolução.
Após sua expulsão de Paris Marx se estabelece em Bruxelas e, mais uma vez, pelas mãos de Engels, entra em contato com a Liga dos Justos, a principal organização dos trabalhadores da Inglaterra. Inserir-se nesta organização não foi tarefa fácil. Não será qualquer teórico que dará orientação para os trabalhadores. Mas Marx e Engels vão ultrapassando as rejeições e recebem a encomenda de um documento teórico que conduza a ação dos trabalhadores do mundo inteiro.
Está assim posto o nascimento do Manifesto do Partido Comunista. É um dos momentos mais impressionantes do filme. A disciplina de Engels, a relativa lentidão de Marx na produção teórica, sempre na busca da perfeição em seu último grau e a participação de Jenny na redação final do documento. Com o Manifesto, a Liga dos Justos se transforma na Liga dos Comunistas, e aos poucos, Marx e Engels se tornarão hegemônicos na interpretação teórica que conduzirá as lutas operárias pelo mundo afora, longe de haver qualquer tipo de unanimidade.
Marx é um dos pensadores mais complexos que o mundo já conheceu. A filosofia, com ele, encontrou a sua utilidade prática. Ela deveria proporcionar a transformação do mundo e a emancipação da classe trabalhadora. Ele é uma síntese do pensamento alemão, francês e inglês de sua época. Tudo indicava que a Revolução aconteceria sob os princípios do Manifesto, já no ano de 1848, o ano de sua publicação. Vide o ocorrido na França.
Creio que o maior mérito do filme está em mostrar as disputas que se travam pela hegemonia da interpretação do mundo decadente da época e de afirmação dos próximos passos na condução do processo histórico. Creio que Engels tinha uma visão extraordinária desse processo, sempre reconhecendo a superioridade da capacidade teórica de Marx para fazer a análise do mundo em crise, no qual estavam inseridos. O filme é uma produção da França, Bélgica e Alemanha. O jovem Marx é interpretado por August Dieh, Jenny por Vicky Krieps e Engels por Stefan Konarske.
O belo livro de Nicolai Lápine. O Jovem Marx.A biografia de Engels escrita por Tristán Hunt.
Tenho duas sugestões de leitura por fazer. A primeira, O jovem Marx, de Nicolai Lápine. O livro é dividido em três partes: 1. Em busca de concepção do mundo própria, com dois capítulos: Dos bancos da escola ao doutoramento em filosofia e Através da filosofia para a política. 2. Passagem para o materialismo e para o comunismo, também com dois capítulos: Início da passagem para o materialismo e para o comunismo e Através da crítica de Hegel, rumo a uma concepção científica do mundo. 3. Nas fontes de uma concepção científica integral do mundo, mais uma vez com dois capítulos: Ponto de partida do comunista e O fundamento econômico e filosófico do comunismo. A segunda leitura é a densa biografia, Comunista de casaca - A vida revolucionária de Friedrich Engels, escrita por Tristán Hunt. E a certeza de que, enquanto houver capitalismo, o marxismo não estará superado. O link do filme não está mais disponível por questões de direito autoral.
Filme espetacular. Rico em diálogos,na riqueza em detalhes da história, na sutileza das relações que acontecem de uma forma tão especial.
ResponderExcluirMuita sutileza em seu belo comentário. Meu muito obrigado.
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