sábado, 16 de março de 2019

O enraizamento do nazismo na cultura ocidental. Seus componentes e suas profundas raízes.

Um dos livros mais densos e esclarecedores que li ultimamente foi Espelho do ocidente - O nazismo e a civilização ocidental. A autoria é de Jean-Louis Vullierme. O objetivo do livro está assim descrito pelo seu autor, no prólogo do livro: "Sempre me pareceu fundamental entender aquele que constitui o acontecimento mais destruidor da história moderna, identificando suas raízes para procurar extirpá-las".
Identificar as raízes do nazismo para procurar extirpá-las. A tese do livro.

Já na introdução, lemos: Essa ideologia (o nazismo), que não nasceu na Alemanha, mas nela foi aplicada furiosamente, é tao real quanto são fantásticos suas justificações e seu objeto. Ela não é isolada, inserindo-se em uma temática que encontrou no nazismo sua interpretação mais ampla até hoje. Os componentes do sistema coerente ao qual pertence, cada um deles perigosamente, já se haviam combinado antes de maneira parcial, mas nunca inofensiva. E podem, a qualquer momento, ser novamente combinados.

Sua lista, tal como me proponho a descrevê-la aqui, poderia ser inicialmente formulada da seguinte maneira, sem uma ordem especial: supremacismo racial, eugenismo, nacionalismo, antissemitismo, propagandismo, militarismo, burocratismo, autoritarismo, antiparlamentarismo, positivismo jurídico, messianismo político, colonialismo, terrorismo de Estado, populismo, juvenilismo, historicismo, escravagismo. Devem ser acrescentados dois elementos essenciais que não tem nome. Os neologismos que sugiro no caso são 'anempatismo' e 'acivilismo', designados, respectivamente, à educação que não concede nenhum sentimento ao sofrimento do outro e à ausência de qualquer proteção especial às populações civis nas operações militares ou policiais". Sobre o livro de Vullierme veja: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/03/espelho-do-ocidente-o-nazismo-e.html

Neste último parágrafo está a nota explicativa de número 9, onde são explicitados os conceitos relativos às palavras destacadas. O livro tem mais de 100 páginas de notas explicativas, que são as fontes onde o pesquisador bebeu. São uma preciosidade. E segue a explicitação:

O supremacismo racial considera que os seres humanos são repartidos em espécies biológicas distintas, chamadas "raças", em rivalidade pela dominação, uma das quais dispondo de superioridade natural que a destina a levar a melhor.

O eugenismo político atribui aos poderes públicos a missão de melhorar a espécie humana pela eliminação das características consideradas não adaptativas, por meio da seleção, da criação, da eutanásia ou da esterilização.

O nacionalismo é a ideia de que os homens adquirem sua identidade primordial pela filiação a grupamentos históricos e territoriais, apresentados como substanciais e designados como "Nações", às quais eles devem dar prioridade em detrimento de qualquer outro tipo de agrupamento, se necessário sacrificando seus próprios interesses.

O antissemitismo visa submeter ou afastar as pessoas de tradição judaica e aquelas que lhes são aparentadas mediante todos os dispositivos discriminatórios de ordem privada ou pública, o acantonamento, a expulsão ou a eliminação física.

O propagandismo é a utilização sistemática dos meios de comunicação, inclusive pela seleção e distorção das informações transmitidas, com vistas a realizar um consenso político de acordo com os interesses de seus mandantes.

O militarismo é a ideia de que, prevalecendo os objetivos militares sobre quaisquer outras considerações de ordem jurídica ou moral, a sociedade e o exército devem tender a se confundir em uma organização única para alcançá-los.

O burocratismo é o controle administrativo de uma população, por meio de uma organização hierárquica isenta de recursos jurídicos eficazes.

O autoritarismo é a convicção de que toda esta organização eficaz está sujeita a um princípio de comando hierárquico, que seria debilitado por retroações não solicitadas da parte dos executantes ou pelo pluralismo.

O antiparlamentarismo é a afirmação de que toda eleição  que não seja plebiscitária constitui um fator de divisão da sociedade.

O positivismo jurídico identifica como fonte única do direito a vontade de um legislador, à qual as jurisdições devem submeter-se, sem ponderá-la com outras fontes, como a doutrina, a jurisprudência, os costumes ou a equidade.

O messianismo político é o apoio ou a espera de um indivíduo dotado de qualidades extraordinárias que lhe permitem resolver as principais dificuldades políticas enfrentadas por uma população.

O colonialismo autoriza os países mais poderosos no momento em questão a assumir, direta ou indiretamente, o controle econômico e político dos países menos poderosos.

O terrorismo de Estado é a ideia de que é legítimo que um governo iniba pelo terror a resistência de seus adversários, especialmente pela espionagem da vida privada, a tortura, o encarceramento arbitrário ou o assassinato.

O populismo é a afirmação de que o interesse de certos grupos desfavorecidos justifica medidas extraordinárias contra uma parte das elites.

O juvenilismo é a ideia de que o poder político e econômico deve ser prioritariamente atribuído a jovens adultos.

O historicismo atribui à História um sentido estritamente orientado, justificando o combate contra pessoas designadas como obstáculos à sua realização.

O escravagismo é a ideia de que certas pessoas, pelo fato de uma suposta inferioridade substancial ou em virtude do direito de guerra, do fato de pertencerem a um grupo adverso, de uma condenação judiciária ou de uma transação comercial, podem ser legitimamente submetidas pela força ao trabalho ou à sujeição sexual.
Neste livro encontramos a fala Educação após Auschwitz.

Ao post acrescento uma parte do primeiro parágrafo da fala de Adorno em Educação após Auschwitz: "A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la. Não consigo entender como até hoje mereceu tão pouca atenção. Justificá-la teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida. Mas a pouca consciência existente em relação a essa exigência e as questões que ela levanta provam que a monstruosidade não calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita no que depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas. Qualquer debate acerca das metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta. Que Auschwitz não se repita". Retirado do livro Educação e Emancipação. 


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