Conheci Jessé Souza numa Aula Magna, de abertura de ano letivo, do curso de direito da Universidade Federal do Paraná, em fevereiro de 2016, quando ele ainda era o presidente do IPEA. Foi uma manhã memorável e confesso que fiquei profundamente impressionado diante da grandeza do intelectual convidado. Deixei o Registro. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2016/03/aula-magna-curso-de-direito-da-ufpr-com.html
No espelho. Um retrato da classe média brasileira. Valores e comportamentos.
No espelho. Um retrato da classe média brasileira. Valores e comportamentos.
Tinha acabado de ler A tolice da inteligência brasileira, que me causou grande impacto pela sua visão singular de todos os grandes intérpretes desse país. Na fala, o tempo todo, ele se referiu às interpretações dadas no livro. Depois li A elite do atraso - da escravidão à lava jato, em que ele penetra nas entranhas da elite brasileira e na criação de mitos em favor de seus interesses a partir dos anos 1930, após as derrotas de 1930 e 1932. A USP foi então fundada para ser o think tank desta "elite atrasada".
Agora terminei de ler A classe média no espelho - sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade. A cada obra, o intelectual vem se superando. Apenas para registrar desde já, neste livro ele nos apresenta a Santíssima Trindade do pensamento da "elite do atraso", forjada a partir de São Paulo, nos anos de 1930 e que atingiu a sua plenitude nos anos de 1990. As três pessoas são; Sérgio Buarque de Holanda, que é apresentado como seu filósofo, Raimundo Faoro como seu historiador e Fernando Henrique Cardoso como seu realizador, em seus dois mandatos presidenciais. O porquê deste laurel está amplamente explicitado nos livros anteriores e também neste. Esta frase é altamente significativa e ajuda na compreensão: "Não há dominação de poucos sobre muitos sem o recurso à mentira e ao engano". Esta frase seria um possível guia para o presente livro.
As mentiras e enganos da elite são mostrados ao longo das 285 páginas do livro. Além de introdução e conclusão, o livro tem dois capítulos e a apresentação de trajetórias de vida e análise destas trajetórias de vida. O primeiro capítulo é sobre a moralidade da classe média e o segundo é sobre a construção histórica da classe média brasileira. As trajetórias de vida passam pela alta classe média e pela análise destas entrevistas, repetindo-se, depois, entrevistas e interpretações com a massa da classe média.
O primeiro capítulo é precioso, a começar pelo título: A moralidade da classe média. É todo dedicado à construção histórica dos valores morais e tem um profundo cunho filosófico, histórico e até mesmo religioso, uma vez que estamos no campo da moralidade. O capítulo apresenta três tópicos, a saber: a classe média e a construção do homem moderno; a invenção histórica do "ser humano sensível" e o aprendizado moral e justificação de privilégios. Max Weber é a principal referência, mas a questão da constituição histórica dos valores é bem nietzschiana. Estes valores morais, que no mundo antigo diziam respeito à interioridade do sujeito, no mundo moderno passaram a ser exteriores e mediados pelo trabalho útil e suas recompensas. Tudo a ver com o protestantismo, a religião burguesa por excelência. Quem pratica a ética do trabalho útil merece as suas recompensas. Não confundir com o hedonismo! Ou seria o próprio. Tudo a ver também com a hipócrita ideologia da meritocracia, como se os indivíduos fossem abstraídos de suas trajetórias de vida e de seus meios sociais. Um capítulo fabuloso.
O segundo capítulo é destinado especificamente ao Brasil. A construção da classe média brasileira. Este capítulo é mais longo e é apresentado em seis tópicos: A gênese da classe média brasileira; o campo na cidade; o advento do capitalismo industrial; a construção dos projetos nacionais: um mais inclusivo e o outro excludente; a oposição entre mercado e Estado como expressão da luta de classes - e a classe média como fiel da balança e o golpe de 2016 e suas precondições: o capitalismo financeiro e o papel das classes médias.
Como veem, história e interpretação sociológica. Nos livros anteriores o autor trata à exaustão a questão da escravidão, mostrando que este gene não foi extinto e que continua sendo a característica maior do ódio de classes que persiste ao longo de nossa história. Quando a escravidão foi abolida, para manter os escravos à margem do processo produtivo, abriu-se o país para a imigração. Estes são em grande parte responsáveis pela construção de um país urbano e industrial. Produziram aqui os produtos que antes importavam. Mas nem todos queriam isso e carecemos, até hoje, de um processo pleno de industrialização. As elites e a classe média alta preferiam ostentar produtos importados, até hoje, comprados em Miami, de preferência. Em 1930 dá-se uma ruptura profunda, analisada nos livros anteriores. Duas derrotas da elite paulista. !930 e 1932. Então cria-se a USP, para ser o think tank da elite do atraso. A mídia já existia, constituída na década anterior. E se celebra um pacto entre a elite e a classe média emergente.
A volta aos livros anteriores se dá, pelo que o autor apresenta de forma bem irônica e humorada, pela apresentação da Santíssima Trindade do pensamento liberal conservador da elite brasileira. Sérgio Buarque de Holanda inventa o homem cordial, representado pelo coração e não pelo espírito ou pela razão. Esta, a razão ou o espírito, é uma qualidade superior que apenas o protestante anglo detém. Está criado o conceito de vira lata. Nos autoconsideramos como inferiores. Que os superiores administrem as nossas riquezas. Somos incapazes de geri-las de geri-las de forma privada e empresarial, isto é, com eficiência. Aí entra em cena a segunda pessoa da Trindade. Raimundo Faoro. Este aponta para o patrimonialismo do Estado brasileiro, uma herança portuguesa, que diz que o Estado é absolutamente infestado pela corrupção. Assim faz -se a oposição entre o Estado, espaço da corrupção e o mercado, espaço sagrado do dinamismo, da eficiência onde a corrupção jamais penetra em função do comando do espírito e da razão e uma condução ética dos negócios.
Em meio a isso temos Vargas e Jango. Tivemos as significativas datas ligadas a golpes. 1954 (o golpe foi abortado em função do suicídio), e 1964. Do outro lado tivemos Lacerda (UDN), os militares e a terceira pessoa da Santíssima Trindade, Fernando Henrique Cardoso, que para abreviar a história, queria simplesmente destruir no país o último grande obstáculo para que a elite governasse de acordo com a sua vontade. Aí surgem Lula e Dilma com políticas de cidadania e inclusão social. Mas a elite e a classe média está devidamente instrumentalizada através da mídia e do poder judiciário, com a justiça seletiva contra as políticas públicas de inclusão e em favor da posse e controle de todo o orçamento do estado em favor dominantes, que não são muitos, uns 800, como diz de seus serviçais no capítulo das entrevistas. Vejam esta outra impressionante afirmativa deste CEO: "Claro que tudo é justificado como mecanismo de combate à inflação, e não para enriquecer os ricos. Para quem vê isso tudo funcionar a partir de dentro, como no meu caso, é até engraçado", afirma o CEO de um banco, no capítulo de entrevistas. Um capítulo de bastante ousadia.
Este capítulo de entrevistas é muito valioso e impressionante, em especial, os da alta classe média. Estes estão grudados na elite e viram em Bolsonaro, tanto o candidato de seus sonhos, quanto o de suas frustrações, pelo medo de verem no retrovisor a chegada dos incluídos pelas políticas públicas de inclusão social. Estes mais no campo da massa da classe média. Também não faltam críticas aos governos do PT., especialmente, por não terem ampliado estas políticas inclusivas e por não ter conseguido, por emissora de comunicação pública, mostrar ao povo a origem destas políticas como advindas de um projeto de Estado. Em suma, uma livro de leitura, diríamos obrigatória.
Apresento ainda a contracapa do livro: "Em seu mais recente e aguardado trabalho, Jessé Souza traz uma reconstrução histórica e social da classe média brasileira que você nunca ouviu nem leu em nenhum outro lugar.
A classe média no espelho consolida sua posição como uma nova e brilhante voz na sociologia, num texto instigante, fluente, acessível e vibrante.
Com um panorama histórico inédito, você vai conhecer as origens dos seus valores morais e desvendar os mecanismos que há tanto tempo manipulam a classe média e mantém sua docilidade frente à sua exploração pela elite".
Agora terminei de ler A classe média no espelho - sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade. A cada obra, o intelectual vem se superando. Apenas para registrar desde já, neste livro ele nos apresenta a Santíssima Trindade do pensamento da "elite do atraso", forjada a partir de São Paulo, nos anos de 1930 e que atingiu a sua plenitude nos anos de 1990. As três pessoas são; Sérgio Buarque de Holanda, que é apresentado como seu filósofo, Raimundo Faoro como seu historiador e Fernando Henrique Cardoso como seu realizador, em seus dois mandatos presidenciais. O porquê deste laurel está amplamente explicitado nos livros anteriores e também neste. Esta frase é altamente significativa e ajuda na compreensão: "Não há dominação de poucos sobre muitos sem o recurso à mentira e ao engano". Esta frase seria um possível guia para o presente livro.
As mentiras e enganos da elite são mostrados ao longo das 285 páginas do livro. Além de introdução e conclusão, o livro tem dois capítulos e a apresentação de trajetórias de vida e análise destas trajetórias de vida. O primeiro capítulo é sobre a moralidade da classe média e o segundo é sobre a construção histórica da classe média brasileira. As trajetórias de vida passam pela alta classe média e pela análise destas entrevistas, repetindo-se, depois, entrevistas e interpretações com a massa da classe média.
O primeiro capítulo é precioso, a começar pelo título: A moralidade da classe média. É todo dedicado à construção histórica dos valores morais e tem um profundo cunho filosófico, histórico e até mesmo religioso, uma vez que estamos no campo da moralidade. O capítulo apresenta três tópicos, a saber: a classe média e a construção do homem moderno; a invenção histórica do "ser humano sensível" e o aprendizado moral e justificação de privilégios. Max Weber é a principal referência, mas a questão da constituição histórica dos valores é bem nietzschiana. Estes valores morais, que no mundo antigo diziam respeito à interioridade do sujeito, no mundo moderno passaram a ser exteriores e mediados pelo trabalho útil e suas recompensas. Tudo a ver com o protestantismo, a religião burguesa por excelência. Quem pratica a ética do trabalho útil merece as suas recompensas. Não confundir com o hedonismo! Ou seria o próprio. Tudo a ver também com a hipócrita ideologia da meritocracia, como se os indivíduos fossem abstraídos de suas trajetórias de vida e de seus meios sociais. Um capítulo fabuloso.
O segundo capítulo é destinado especificamente ao Brasil. A construção da classe média brasileira. Este capítulo é mais longo e é apresentado em seis tópicos: A gênese da classe média brasileira; o campo na cidade; o advento do capitalismo industrial; a construção dos projetos nacionais: um mais inclusivo e o outro excludente; a oposição entre mercado e Estado como expressão da luta de classes - e a classe média como fiel da balança e o golpe de 2016 e suas precondições: o capitalismo financeiro e o papel das classes médias.
Como veem, história e interpretação sociológica. Nos livros anteriores o autor trata à exaustão a questão da escravidão, mostrando que este gene não foi extinto e que continua sendo a característica maior do ódio de classes que persiste ao longo de nossa história. Quando a escravidão foi abolida, para manter os escravos à margem do processo produtivo, abriu-se o país para a imigração. Estes são em grande parte responsáveis pela construção de um país urbano e industrial. Produziram aqui os produtos que antes importavam. Mas nem todos queriam isso e carecemos, até hoje, de um processo pleno de industrialização. As elites e a classe média alta preferiam ostentar produtos importados, até hoje, comprados em Miami, de preferência. Em 1930 dá-se uma ruptura profunda, analisada nos livros anteriores. Duas derrotas da elite paulista. !930 e 1932. Então cria-se a USP, para ser o think tank da elite do atraso. A mídia já existia, constituída na década anterior. E se celebra um pacto entre a elite e a classe média emergente.
A volta aos livros anteriores se dá, pelo que o autor apresenta de forma bem irônica e humorada, pela apresentação da Santíssima Trindade do pensamento liberal conservador da elite brasileira. Sérgio Buarque de Holanda inventa o homem cordial, representado pelo coração e não pelo espírito ou pela razão. Esta, a razão ou o espírito, é uma qualidade superior que apenas o protestante anglo detém. Está criado o conceito de vira lata. Nos autoconsideramos como inferiores. Que os superiores administrem as nossas riquezas. Somos incapazes de geri-las de geri-las de forma privada e empresarial, isto é, com eficiência. Aí entra em cena a segunda pessoa da Trindade. Raimundo Faoro. Este aponta para o patrimonialismo do Estado brasileiro, uma herança portuguesa, que diz que o Estado é absolutamente infestado pela corrupção. Assim faz -se a oposição entre o Estado, espaço da corrupção e o mercado, espaço sagrado do dinamismo, da eficiência onde a corrupção jamais penetra em função do comando do espírito e da razão e uma condução ética dos negócios.
Em meio a isso temos Vargas e Jango. Tivemos as significativas datas ligadas a golpes. 1954 (o golpe foi abortado em função do suicídio), e 1964. Do outro lado tivemos Lacerda (UDN), os militares e a terceira pessoa da Santíssima Trindade, Fernando Henrique Cardoso, que para abreviar a história, queria simplesmente destruir no país o último grande obstáculo para que a elite governasse de acordo com a sua vontade. Aí surgem Lula e Dilma com políticas de cidadania e inclusão social. Mas a elite e a classe média está devidamente instrumentalizada através da mídia e do poder judiciário, com a justiça seletiva contra as políticas públicas de inclusão e em favor da posse e controle de todo o orçamento do estado em favor dominantes, que não são muitos, uns 800, como diz de seus serviçais no capítulo das entrevistas. Vejam esta outra impressionante afirmativa deste CEO: "Claro que tudo é justificado como mecanismo de combate à inflação, e não para enriquecer os ricos. Para quem vê isso tudo funcionar a partir de dentro, como no meu caso, é até engraçado", afirma o CEO de um banco, no capítulo de entrevistas. Um capítulo de bastante ousadia.
Este capítulo de entrevistas é muito valioso e impressionante, em especial, os da alta classe média. Estes estão grudados na elite e viram em Bolsonaro, tanto o candidato de seus sonhos, quanto o de suas frustrações, pelo medo de verem no retrovisor a chegada dos incluídos pelas políticas públicas de inclusão social. Estes mais no campo da massa da classe média. Também não faltam críticas aos governos do PT., especialmente, por não terem ampliado estas políticas inclusivas e por não ter conseguido, por emissora de comunicação pública, mostrar ao povo a origem destas políticas como advindas de um projeto de Estado. Em suma, uma livro de leitura, diríamos obrigatória.
Apresento ainda a contracapa do livro: "Em seu mais recente e aguardado trabalho, Jessé Souza traz uma reconstrução histórica e social da classe média brasileira que você nunca ouviu nem leu em nenhum outro lugar.
A classe média no espelho consolida sua posição como uma nova e brilhante voz na sociologia, num texto instigante, fluente, acessível e vibrante.
Com um panorama histórico inédito, você vai conhecer as origens dos seus valores morais e desvendar os mecanismos que há tanto tempo manipulam a classe média e mantém sua docilidade frente à sua exploração pela elite".
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