quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Dos delitos e das penas. Cesare Beccaria.

Já tive conversas, usei citações e já fiz várias consultas ao famoso livro de Cesare Beccaria,  Dos delitos e das penas, mas confesso que ainda não o tinha lido na sua íntegra. Isso se deu agora, por razões que me parecem absolutamente óbvias. É que os tempos de despotismo, de fanatismos, de obscurantismo e de ignorância estão de volta e, diga-se, com absoluta desfaçatez. Me refiro especialmente ao que está acontecendo no Brasil, e agora, se estendendo a toda a América Latina. É leitura imprescindível e profundamente iluminadora. Ah! As atuações do Poder Judiciário.
Um dos mais importantes documentos da história da humanidade, no rumo de um processo civilizatório.

Cesare Bonesana, marquês de Beccaria (observem o marquês) nasceu em Milão em 1738 e morreu na mesma cidade em 1794. A sua obra data de 1764. São os tempos do iluminismo, ou se preferirem, do esclarecimento. No livro existem referências diretas a Montesquieu (1689 - 1755) e a Rousseau (1712 - 1778), entre outros iluministas franceses e para situá-lo melhor dentro do iluminismo dou também as datas de Kant (1724 - 1804) e Hegel (1770 - 1831), quando a Aufklärung chega ao seu apogeu. Possivelmente seja Cesare Beccaria o grande nome desse movimento no campo do Direito, com especificidade no Direito Criminal e Penal, como indica o título de seu livro.

O livro não é longo e a razão de seu êxito se situa no campo do humanismo. Ele lançou sobre os apenados um olhar de amor, de compaixão e comiseração, voltado à recuperação de quem cometeu delitos. Por essa razão o livro é dos maiores documentos, não apenas restrito ao mundo do direito, mas de toda a humanidade. E isso faz muito sentido. Vejamos a contracapa da edição da Martin Claret:

"Inserida no movimento filosófico e humanitário da segunda metade do século XVIII, Dos delitos e das penas é uma verdadeira obra-prima de Cesare Beccaria - jurista italiano contemporâneo de Voltaire, Rousseau e Montesquieu.

Na época de Beccaria, as penas judiciais constituíam uma espécie de vingança coletiva, de modo que um criminoso, na maioria das vezes, sofria castigos muito mais severos e cruéis do que os próprios males que havia praticado. Penas de morte, torturas, prisões deploráveis e banimentos eram comuns e se aplicavam mesmo aos crimes mais banais.

Cesare Beccaria foi a primeira voz a se levantar contra essas práticas, defendendo que cada crime merecia uma pena proporcional ao dano causado, ou seja, que as punições deveriam ser justas. Para ele, só assim a sociedade conseguiria evoluir ética e moralmente e diminuir seus índices de criminalidade".

Esses são os grandes temas do livro. Basicamente são os princípios que norteiam o Direito Penal e o Direito Processual Penal. O livro tem uma fundamentação filosófica como prefácio e 42 tópicos dessa especificidade do Direito. O livro tem ainda dois apêndices: O primeiro - "Respostas às Notas e observações de um frade dominicano sobre o livro Dos delitos e das penas, duas basicamente. I. Da acusação de impiedade e II. Acusações de sedição. Precedidas de uma bela nota introdutória. O segundo apêndice apresenta o "Extrato da correspondência de Beccaria e de Morellet sobre o livro Dos delitos e das penas". O livro termina com dados biográficos.

Dos 42 tópicos, na verdade 40, pois tem introdução e conclusão, quero chamar atenção para dois deles, que também merecem algumas páginas a mais que os outros temas. O tópico XVI, sobre a pena de morte e o de número XLI - dos meios de prevenir crimes. Desse tópico quero destacar o parágrafo sobre a educação: "Finalmente, a maneira mais segura, porém ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos propensos à prática do mal, é aperfeiçoar a educação". Nesse tópico ainda presta uma homenagem ao grande educador Jean Jacques Rousseau.

Como vou fazer um post especial sobre o prefácio, para bem mostrar o espírito da obra, apresento aqui a sua conclusão. Não precisa de muito espaço para definir tudo: "De tudo o que acaba de ser exposto pode-se deduzir um teorema geral de muita utilidade, porém pouco conforme ao uso, que é o legislador comum dos países. É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei".

Creio que esta última parte da frase "proporcionada ao delito e determinada pela lei" é uma espécie de síntese de todo o pequeno livro. As leis tem que ser objetivas e claras, conhecidas o máximo possível pela população, com a certeza de serem cumpridas e que visam efetivamente o bem comum, sem nenhum tipo de distinções. Jamais devem se constituir em instrumento de vingança.

Para ter noção da repercussão da obra, apresento ainda, a introdução do autor para as Respostas às Notas e observações de um frade dominicano sobre o livro Dos delitos e das penas:

"Essas Notas e observações são apenas uma coleção de injúrias contra o autor do livro Dos delitos e das penas, que é classificado como fanático, impostor, escritor falso e perigoso, satírico desenfreado, sedutor do público. É acusado de destilar o fel mais acre, de reunir a contradições odiosas os traços pérfidos e escondidos da dissimulação e de ser obscuro por perversidade. O crítico pode ficar seguro de que não irei responder às injúrias pessoais.

Ele apresenta o meu livro como uma obra horrível, virulenta e de uma licenciosidade deletéria, infame, ímpia. Nele encontra blasfêmias impudentes, insolentes ironias, anedotas indecentes, sutilezas perigosas, pilhérias escandalosas, calúnias grosseiras.

A religião e o respeito que se deve aos soberanos são o pretexto para as duas mais pesadas acusações que se encontram nessas Notas e observações. Estas serão as únicas às quais me considerarei obrigado a responder".



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.