sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Ideias para adiar o fim do mundo. Ailton Krenak.

Cheguei a ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak, pela FLIP 2019, a maior feira literária do Brasil, onde o livrinho figurou em terceiro lugar entre os dez mais vendidos na livraria oficial do evento, a Livraria da travessa do Rio de Janeiro. Ailton Krenak é das uma das mais importantes lideranças indígenas, sendo decisivo no processo constituinte para inscrever o "Capítulo dos índios" na Constituição de 1988. O território do povo Krenak se situa junto ao vale do rio Doce, rio reduzido a resíduo da atividade industrial e extrativista.
O pequeno livrinho, uma edição da Companhia das Letras.

O pequeno livrinho é constituído de duas palestras e de um texto produzido a partir de uma entrevista sua, concedida a uma rádio portuguesa em 2017. A palestra na Universidade de Lisboa serviu de título para o próprio livro, ideias para adiar o fim do mundo. A segunda palestra, também foi realizada em Lisboa, em 2017, teve por título do sonho e da terra e integrou o ciclo de estudos e debates "Questões Indígenas - Ecologia, Terra e Saberes Ameríndios" e o texto da terceira parte tem por título "A humanidade que pensamos ser".

O livrinho de 85 páginas tem, além dos três textos do corpo do livro, referências bibliográficas, notas sobre o autor e sobre o livro. A contracapa e a orelha cumprem o papel de pequenas apresentações. Na contracapa lemos o seguinte, sob o título de: UMA PARÁBOLA SOBRE OS TEMPOS ATUAIS, POR UM DE NOSSOS MAIORES PENSADORES INDÍGENAS. "Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e ativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas todos".

Na orelha está reforçada a ideia da "humanidade" oficial, do rio como recurso, e, assim sendo, se transforma em resíduo industrial/extrativista. Assim combate a ideia do divórcio entre a vida e a natureza, que gera ausências no sentido de viver e menospreza os gestos profundos de vida como cantar, dançar e a própria alegria do estar vivo.

Da primeira fala sublinhei algumas passagens: A ideia de humanidade e o questionamento da marcha civilizatória; o questionamento das instituições econômicas mundiais e as suas imposições ao mundo; o mito da "sustentabilidade"; sobre a alienação e sobre os remédios químicos; as ilhas alternativas de aldeias e de quilombolas. Penetra também no segredo do adiar o fim do mundo, que consiste em sempre sobrar um tempo para contar mais uma história, de cantar, de dançar e de não nos homogeneizar e assim sermos atraídos e enriquecidos pelas nossas diferenças.

Em "Do sonho e da terra" fala-nos da atual tensão existente entre os índios e o Estado brasileiro, pois o Estado insiste em destruir a forma indígena de viver. Fala do rio Doce, um vale e um rio em coma, coberto por lixo tóxico, causado pro um suposto "acidente". Fala de seu povo, os Kre (cabeça) e Nak (terra). Terra não como um sítio, uma propriedade, mas como um modo de viver, de viver em comum e em harmonia com a natureza. Existem gentes que precisam do rio para viver e outros o veem como recurso e, assim, fazem dele um mero depósito de resíduos industriais e extrativistas.

Em "A humanidade que pensamos ser" critica a racionalidade técnica e científica que se incrustou no conceito de humanidade e na necessidade do consumo. Invoca a ideia de Pangeia e de Pachamama e mostra a bela imagem grega da deusa Fortuna. Uma mulher com um vaso em forma de chifre (cornucópia), derramando riquezas sobre o mundo. A imagem de Fortuna, acompanhada com o conceito de prosperidade e generosidade, é sempre representada por figuras femininas, enquanto que às imagens masculinas correspondem o depredar, o detonar e o dominar.

Creio que também são ideias para adiar o fim do mundo, além do contar sempre mais uma história, as leituras e a escrita que nos aproximam com o mundo da pluralidade e das diferenças, que, ao contrário de nos separar, nos aproximam e enriquecem. Foi uma leitura simples mas extremamente benfazeja. Ailton Krenak foi, merecidamente, agraciado com um título Doutor Honoris causa, pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

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